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Há males que vem para o bem, diz um surrado ditado. E bem aconteceu em 1990 para Zizi Possi. Sem gravadora, a cantora topou fazer três noites de um final de semana no Teatro Paiol. Cantar o que? O que ela bem entendeu! Involuntariamente descompromissada, Maria Izildinha Possi percebeu que nada devia ao mercado e armou com Marcos Suzano na percussão e Lui Coimbra no violoncelo o que se tornaria um dos belos discos de música brasileira: ‘Sobre Todas as Coisas’. 
O disco é tão bom quanto o acaso que o ocasionou. Um fã gravou o show do Paiol e procurou Zizi para pedir autógrafo. A cantora deu o autógrafo e pediu a fita, temendo problemas relacionados aos direitos autorais porque ali estava a voz dela em ‘Corsário’ (de Gilberto Gil), ‘O Que É O Que É’ (Gonzaguinha), ‘Gato Gaiato’ (dos irmãos Jean e Paulo Garfunkel), ‘Sentimental Demais’ (Jair Amorim e Evaldo Gouveia), ‘Com Que Roupa’ (Noel Rosa’), ‘Sobre Todas as Coisas’ (Chico Buarque e Edu Lobo) e ‘Alvorada’ (Cartola, Carlos Cachaça e Hermínio Bello de Carvalho’), entre outras belezas.
Com a fita na mão, Zizi percebeu que a gravação valia tanto quanto o vaso que Marcos Suzano tocava em cima de um tapete pequeno, que era o que havia de cenário. O palco não tinha quase nada, só o talento comprovado na fita que quase ficou pirata, mas parou na gravadora Eldorado, um selo da família Mesquita, dona do jornal ‘O Estado de S. Paulo’.
Embora tenha um jornal como irmão, a Eldorado sempre esteve muito mais para independente do que para midiática. Você também pode chamá-la de eclética, pois o catálogo abriga discos de Duofel, Cartola e Raul Seixas, que colocou no pacote o xaxado-baião ‘Quero Mais’, um dueto com Wanderléia. Como não se guia pelo modismo da vez, a produção da gravadora não penetra nas rádios das multidões. Entre os anos 1980 e 1990, quando o Spotify não era nem o carro do sonho que está passando, os ecos se davam na Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro, nas paulistanas Cultura e Eldorado (também do Estadão), e na Educativa, de Curitiba, entre outras abençoadas emissoras.
Ah… e a fita da Zizi? O ambiente daquelas três noites curitibanas entrou no estúdio da Eldorado e a cantora paulistana reencontrou, mesmo sem que ninguém cobrasse, o sucesso. O acústico ‘Sobre Todas as Coisas’ valeu o prêmio Sharp e também o da APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte), atraiu lojas que nem suspeitavam da existência da gravadora (ou seja: vendeu!) e causou uma nova fileira de shows.
Zizi fez o disco que quis! 
E louvado seja o fã curitibano que gravou aquela fita no Paiol.