Divulgação – A miss Didi Caillet: ela também gravou disco

Duas polegadas a mais impediram a Miss Brasil de vestir a faixa de Miss Universo em 1954. Fato? Martha Rocha faleceu no dia 4 passado, mas ficou a lenda, que inspirou a marcha carnavalesca Duas Polegadas, composta por Alcyr Pires Vermelho, Pedro Caetano e Carlos Renato: “Por duas polegadas a mais/passaram a baiana pra trás/por duas polegadas/e logo nos quadris/tem dó, tem dó, seu juiz!”. Quem gravou? A própria Martha Rocha “passada pra trás”.

Muito antes de a torcida comprar a ideia de que a baiana fora trapaceada (farsa lançada por repórteres brasileiros que cobriram o evento em Long Beach, nos Estados Unidos), concursos de miss já haviam causado barulho de final de campeonato de futebol. A história aqui é de 1929, quando a escolha da Miss Brasil tomou o estádio das Laranjeiras, o campo do Fluminense, no Rio de Janeiro. Gerou queixas a vitória de Olga Bergamini de Sá, a Miss Distrito Federal (na época, o Rio de Janeiro). Nada contra Olga, mas tudo a favor de Didi Caillet, a Miss Paraná.

Nos dias anteriores ao “campeonato”, Maria Delphine Caillet venceu eleições informais promovidas por jornais da então capital federal. Leitores ficaram fascinados pela curitibana bonita, elegante e culta, que declamava e escrevia poesias, e este encanto a colocou nas capas das prestigiadas revistas Frou Frou e Careta. A carioca Olga levou a faixa, mas Didi foi ainda mais adorada. Quando voltou para casa, a segunda colocada no Miss Brasil foi recepcionada na estação ferroviária com multidão e banda de música. O jornal curitibano A República deu capa. Não foi a capa da página de variedades. Foi o alto da primeira página mesmo!

A exemplo de Martha Rocha, Didi Caillet também gravou disco. O da paranaense foi de poesias dela e de outros autores, como o pernambucano Adelmar Tavares, integrante da Academia Brasileira de Letras. Didi agradou gregos e troianos, cariocas e paulistanos. Em junho de 1929, dois meses após o desfile no estádio do aristocrático Fluminense, a Miss Paraná ganhou outro palco nobre, o do Theatro Municipal de São Paulo, para comandar um espetáculo em benefício de um hospital de Campos do Jordão. Compareceu a fina flor da pauliceia! À convite da “encantadora rainha da beleza paranaense” (como a saudou o jornal Diário Nacional) se apresentaram os poetas Oswald de Andrade e Menotti Del Picchia, entre outros, e a pintora Tarsila do Amaral criou o figurino da performance de outra jovem bela e culta: a poetisa Patricia Galvão, a Pagu.

Em 1931, a revista carioca Noite Illustrada noticiou a chegada do livro de contos da “linda filha da terra dos pinheirais”: Taú, obra que gerou novos convites para festas, saraus e anúncios publicitários. Os cariocas nem desconfiaram, mas o baile de carnaval do Theatro Municipal do Rio de Janeiro em 1932 foi um dos últimos sopros de Didi Caillet como celebridade. A miss reencontrou o ex-namorado Luís Leão (também de Curitiba), casou com ele em 1933 e optou por uma vida sem holofotes, mas com dois objetos incomuns entre mulheres da primeira metade do século 20: um violão e uma carteira de motorista. Nestes itens, vale ressaltar, Didi não estava sozinha. Olga Bergamini, a que ganhou a faixa de Miss Brasil de 1929, também já tocava um carro e um violão.

“A mulher que hoje te trago, poeta, com certeza te curará. É bela como um raio de sol e pálida como um raio de lua. E se chama alegria”.
Trecho de ‘Coração’, poesia de Didi Caillet (1907-1982)

A história da Miss Paraná de 1929 motivou o livro e o filme ‘Didi Caillet — A Musa dos Paranistas’, ambos de Paulo Koehler.

*****
Martha Rocha dizia que ninguém foi verificar se ela tinha polegadas a mais ou a menos, antes do concurso que transformou a norte-americana Miriam Stevenson em Miss Universo.

A baiana se divertia com a lenda.