A população em situação de rua está crescendo em Curitiba. Segundo dados do Cadastro Único (CadÚnico), entre setembro do ano passado e agosto deste ano o contingente de pessoas sem moradia na Capital cresceu 16,6%, passando de 3.487 indivíduos para 4.064. Paralelamente e em contraste, as doações e o apoio de voluntários a um importante projeto social, que leva alimentação todos os finais de semana para essa população, acabou tendo uma redução expressiva.
O Itinerante Resistência foi fundado em 2020, em meio à pandemia de Covid-19. Na época, recorda Tatiane Cardoso Dorte, coordenadora do projeto, vários outros projetos paralisaram suas atividades temporariamente por conta da crise sanitária. Ela, então, resolveu convocar voluntários dispostos a ajudar os mais necessitados e começou tudo “do jeito que dava”, oferecendo um café para aqueles que viviam em situação de rua.
“A gente fazia um café, mas não tinha cozinha, não tinha nada. Começamos o projeto com o que a gente tinha mesmo, porque a gente não sabia nem quanto tempo ia durar [a pandemia]. Então a gente começou a fazer as entregas de sanduíches de manhã, no almoço e na janta. A gente cozinhava em casa mesmo e fazia as entregas. E como a pandemia se estendeu, nosso projeto também foi crescendo, porque éramos as únicas pessoas que estavam indo pra rua levar essa alimentação diária”, recorda Dorte.
Não demorou, então, para o projeto começar a crescer, tornando-se diário e reunindo cerca de 40 voluntários. E foi assim durante toda a pandemia, com entrega diária de alimentação (mais de 600 marmitas por dia).
“De início a gente tentou organizar as entregas nas praças, mas a gente viu que as pessoas que não estavam no Centro eram as mais prejudicadas. Então a gente decidiu fazer de forma itinerante, e por isso o nome Itinerante Resistência: porque daí a gente ia procurar eles [população em situação de vulnerabilidade]. A gente fazia rotas, se organizava e levava essas refeições”, explica ainda a coordenadora do projeto.
Doações caem após pandemia e tragédia no Rio Grande do Sul
Depois da crise sanitária passar, contudo, o comércio foi liberado para voltar a funcionar normalmente e muitas pessoas voltaram a trabalhar presencialmente. Com isso, o número de voluntários que atuavam no Itinerante Resistência começou a cair, bem como as doações. Isso fez com que as ações que o grupo realizava tivessem de ser reduzidas, uma situação que se agravou após a tragédia climática no Rio Grande do Sul.
Hoje, em torno de 25 voluntários participam ativamente do projeto, que acontece sempre aos domingos, na parte da manhã, quando é distribuída uma alimentação vegana para as pessoas em situação de rua.
“A gente ficou só com o café da manhã aos domingos. Outros projetos voltaram à ativa e a gente viu que o café da manhã era uma alimentação que eles não têm normalmente e que é uma coisa que aguardam bastante. Então a gente deu prioridade em manter o café da manhã aos finais de semana, porque domingo quase não tem comércio aberto e a gente viu que era um dia muito importante para eles”, comenta Dorte.
Atualmente, duas rotas fixas são feitas pelo grupo. Uma vai do Pinheirinho até a Praça do Japão e a outra, da Praça do Japão até a Ponte Preta, perto da Rodoviária de Curitiba. A cada ação, em torno de 250 sanduíches são distribuídos, além de café e, não raro, algum doce (como umbolo). Sempre com alimentação vegana e de qualidade. Além disso, também são realizadas ações especiais, em ocasiões como o Natal, o Dia das Mães e a Festa Junina.
Como ajudar o Itinerante Resistência
O Itinerante Resistência sobrevive através de doações, parcerias e da atuação de seus voluntários. Doações de café, sanduíches/pães, insumos com proteína vegetal e descartáveis são sempre necessárias. Além disso, também é possível fazer contribuições em dinheiro – o projeto, inclusive, possui uma conta voltada exclusivamente para o recebido dessas doações financeiras. Muitas vezes, porém, os próprios voluntários do projeto acabam tendo de botar a mão no bolso para fazer a coisa acontecer. “As doações caíram bastante, então os próprios voluntários acabam desembolsando também os valores dos insumos pra gente manter as ações”, relata a fundadora do Itinerante.
Além de doações, a ajuda de voluntários também é sempre bem-vinda. E quem quer participar ou colaborar com a iniciativa deve entrar em contato com o projeto através das redes sociais (@itinerante.resistencia) ou pelo telefone/WhatsApp do Itinerante Resistência: (41) 99668-6062.
“A gente precisa bastante de voluntários, porque como a gente tem essa rotatividade no projeto, que acontece todo final de semana, a gente precisa ter pessoas dispostas a fazer essa entrega, dispostas a fazerem os sanduíches, o que nos ajuda bastante também. Então, a gente sempre tá chamando voluntários que topem abraçar essa causa”, comenta ainda a Tati Dorte.
Ela também reforça que, além da distribuição de alimentos, o Itinerante também costuma doar agasalhos, roupas, rações para animais e até sacos de dormir. “E em paralelo a essa ajuda às pessoas em situação de rua, também ajudamos a população indígena. Levamos doações pras aldeias, como alimentos e roupas”, emenda.
Dois de cada mil moradores de Curitiba em situação de rua
Os dados do CadÚnico, compilados pela reportagem, revelam ainda que 0,22% da população curitibana estaria em situação de rua.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a capital paranaense reúne atualmente pouco menos de 1,83 milhão de habitantes. Considerando que o CadÚnico registra a existência de 4.064 pessoas em situação de rua, isso significa que 0,22% da população (ou duas em cada mil pessoas) vive em situação de rua.
Em número absoluto, Curitiba aparece como a nona capital com mais gente sem moradia em todo o país. Apenas São Paulo (85.530 pessoas em situação de rua), Rio de Janeiro (21.119), Belo Horizonte (13.689), Fortaleza (9.608), Salvador (9.437), Brasília (8.360), Boa Vista (5.325) e Porto Alegre (4.915) apresentam números mais expressivos.
Finalmente, importante destacar que o número de pessoas registradas no CadÚnico como em situação de rua não pode ser considerado como um censo oficial da população de rua. Por outro lado, os dados destacam a complexidade do problema que, em suas diversas dimensões, dificulta um levantamento fidedigno dos números totais de pessoas vivendo nessas circunstâncias.
A população em situação de rua nas capitais brasileiras, segundo o CadÚnico (dados de agosto/2024)
UF | NOME DO MUNICÍPIO | POPULAÇÃO ESTIMADA (IBGE) | POPULAÇÃO DE RUA (CADÚNICO) | PROPORÇÃO EM SIT. DE RUA |
AC | Rio Branco | 387.852 | 393 | 0,10% |
AL | Maceió | 994.464 | 1.574 | 0,16% |
AP | Macapá | 487.200 | 141 | 0,03% |
AM | Manaus | 2.279.686 | 2.177 | 0,10% |
BA | Salvador | 2.568.928 | 9.437 | 0,37% |
PE | Recife | 1.587.707 | 3.247 | 0,20% |
PB | João Pessoa | 888.679 | 821 | 0,09% |
PI | Teresina | 902.644 | 1.193 | 0,13% |
PA | Belém | 1.398.531 | 1.118 | 0,08% |
CE | Fortaleza | 2.574.412 | 9.608 | 0,37% |
DF | Brasília | 2.982.818 | 8.360 | 0,28% |
ES | Vitória | 342.800 | 932 | 0,27% |
MA | São Luís | 1.088.057 | 1.856 | 0,17% |
GO | Goiânia | 1.494.599 | 1.779 | 0,12% |
MT | Cuiabá | 682.932 | 1.481 | 0,22% |
MS | Campo Grande | 954.537 | 1.042 | 0,11% |
RN | Natal | 785.368 | 1.455 | 0,19% |
PR | Curitiba | 1.829.225 | 4.064 | 0,22% |
SC | Florianópolis | 576.361 | 3.529 | 0,61% |
RS | Porto Alegre | 1.389.322 | 4.915 | 0,35% |
SP | São Paulo | 11.895.578 | 85.530 | 0,72% |
RJ | Rio de Janeiro | 6.729.894 | 21.119 | 0,31% |
MG | Belo Horizonte | 2.416.339 | 13.689 | 0,57% |
RR | Boa Vista | 470.169 | 5.325 | 1,13% |
TO | Palmas | 323.625 | 168 | 0,05% |
SE | Aracaju | 628.849 | 1.056 | 0,17% |
RO | Porto Velho | 514.873 | 470 | 0,09% |
TOTAL | 49.175.449 | 186.479 | 0,38% |