INES SABER LUCAS PINHEIRO
Lucas Pinheiro e Inês Saber: luta por acessibilidade cultural (Franklin de Freitas)

Em uma iniciativa inédita, a Faculdade de Artes do Paraná (FAP) está integrando o Mapeamento Acessa Mais. A ação, que acontece em todo o Brasil, consiste em um levantamento de artistas e profissionais com deficiência que atuam em diversas áreas do setor artístico e cultural.

O levantamento é feito de forma on-line, por meio do site do Mapeamento Acessa Mais, que é uma parceria entre o Ministério da Cultura e a Universidade Federal da Bahia (UFBA). O formulário pode ser respondido até 21 de dezembro. O público-alvo são artistas e agentes culturais com deficiência e profissionais com e sem deficiência da acessibilidade cultural que trabalham com artesanato, artes visuais, audiovisual, circo, cultura popular, dança, literatura, música, performance e teatro.

“A gente espera que não só os artistas que já estão trabalhando na cena se inscrevam nesse mapeamento pra gente ter esse registro formal, mas também os artistas que trabalham, que são pessoas com deficiência ou que trabalham na Câmara da Sociedade Cultural, também se sintam empoderados, para poder também mostrar que existem, que fazem seus trabalhos. É também um espaço de divulgação desses artistas, dessas existências”, comenta o professor do curso de Licenciatura em Teatro da Universidade Estadual do Paraná (Unespar) Lucas Pinheiro.

Com os resultados obtidos ao final do mapeamento, o Ministério da Cultura pretende repensar as políticas públicas para atender as necessidades desse público. O lançamento do projeto em Curitiba será nesta quarta-feira (25), no auditório da Embap da Tiradentes (Unespar), das 10 às 12h, e terá uma roda de conversa com artistas, agentes e mediadores culturais de Curitiba. No mesmo dia, das 19h às 21h, haverá a exibição dos curtas metragens que compõem a “Mostra Cine Poéticas Def”, com curadoria de Estela Lapponi. As obras que integram a programação são criadas e produzidas por artistas com deficiências.

Acessibilidade cultural em Curitiba

Tornar o cenário cultural de Curitiba acessível a todas as pessoas tem sido um desafio que já foi superado em alguns aspectos. O professor Lucas Pinheiro comenta que há pelo quatro anos os espetáculos já são criados de forma acessibilizada.

“Ao invés de eu criar um trabalho e chamar pessoas para acessibilizar meu trabalho, eu já parto do princípio que o meu trabalho tem que ser acessível por si, desde a criação. Existem algumas companhias em Curitiba que já têm essa matriz da acessibilidade como construção poética da cena. Então, como eu já considero a audiodescrição, que é uma tecnologia assistiva, que é um recurso de acessibilidade, como dimensão dramatúrgica? Ou como, ao invés de eu contratar um intérprete de Libras para ele ficar no canto da cena, eu já faço com que a própria cena tenha diálogos em Libras”, explica o professor.

A acessibilidade, inclusive, virou pauta para reformulação das grades curriculares dos cursos. Exemplo claro disso é um projeto de extensão do curso de Teatro da FAP, no qual os estudantes vão à Fundação de Assistência à Criança Cega e repensam como fazer a fruição artística de um espetáculo teatral sem ter a visão como modalidade sensorial principal.

Autismo e dança

Inês Saber, de 37 anos, é professora do curso de Dança da Unespar e foi diagnosticada com Transtorno do Espectro Autista (TEA) há um ano. “Eu reconheci que em vários momentos da minha vida eu passei muitas violências capacitistas. E eu acho que sou professora e sou pessoa da dança porque eu estudei linguagem e corpos. Eu me comunicava de formas muito diferentes das pessoas. E por causa disso, por querer me encaixar, eu fui aprendendo como as pessoas se comunicam. O começo foi bem dolorido”, conta a professora.

Com auxílio de terapia, Saber conseguiu reformular sua forma de atuar em sala de aula. Alguns hábitos começaram a ser adotados após descobrir-se como uma pessoa autista. Um deles é usar abafador de ruídos e, em alguns casos, pedir aos alunos para que as músicas sejam reproduzidas em um volume mais baixo durante as aulas.

“Essas coisas de entender quem eu sou e as minhas particularidades também são potentes, por causa disso eu sou tão metalinguística. Ser metalinguística me faz uma boa professora. Então tem coisas que são potencialidades e não só atrapalhações”, enfatiza a artista e educadora.

O processo de autoconhecimento auxilia, inclusive, na relação entre a professora e estudantes com TEA. Ao ver um aluno com crise, ela já sabe como ajudar e adota métodos para trabalhar o potencial criativo do estudante.

“Eu tive uns alunos do teatro que falaram pra mim que pessoas neurodiversas entendem. Eu estou sempre olhando as caras dos alunos, por isso que o online às vezes me incomoda. Porque eu vou vendo se tá todo mundo comigo, se tem alguém fora, por que tá fora. Claro que tem professores e professores, não precisa ser neurodivergente pra fazer isso, mas acho que faz parte de mim. Tem me ajudado e também por eu me entender e saber como eu, o que eu preciso, eu consigo identificar que as pessoas também precisam de alguma coisa”.

Nas aulas, a professora tem repensado metodologias que não sejam bípedes, para incluir estudantes que tenham ausência de algum membro. A educadora busca fazer de suas aulas um laboratório de investigação de movimento. Um exemplo disso é uma aula inteira realizada no chão, onde os alunos praticam diferentes tipos de rolamento, permitindo que descubram aspectos variados do corpo, como velocidade e ritmo.