felicidade toxica
Atente-se aos sinais (Freepik)

Embora o conceito de “felicidade” seja, por definição, oposto ao que implica a palavra “tóxica”, especialistas apontam que essas duas ideias podem frequentemente caminhar juntas. “A felicidade tóxica é essa cobrança e expectativa de que temos que estar sempre felizes, ignorando as emoções negativas e as possíveis complexidades do nosso dia a dia”, explicou o psicólogo e doutor em neurociência Daniel Gontijo, neste domingo, 13, durante o Summit Saúde e Bem-Estar, promovido pelo Estadão.

De acordo com uma pesquisa realizada em 40 países e publicada na revista científica Nature, a pressão social para ser feliz está associada a uma queda do bem-estar individual, especialmente nos países com índices elevados de felicidade coletiva. Essa “felicidade tóxica” costuma funcionar na base do discurso motivacional.

Ao expressar sentimentos negativos, as pessoas são frequentemente confrontadas com “vai ficar tudo bem”, “nada é por acaso”, “vejo o lado bom disso” e outros tipos de discursos ligados à “positividade” que colocam o sofrimento no lugar de escolha, e não como algo que deve ser sentido e enfrentado.

Em um mundo cada vez mais conectado, as redes sociais exacerbam essa pressão para ser feliz e ignorar os sentimentos que fogem do ideal de felicidade. Postagens de momentos felizes e vidas “perfeitas”, dentro daquele famoso “lifestyle”, acabam contribuindo com uma dificuldade para admitir e administrar sentimentos comuns como tristeza, raiva ou frustração.

De acordo com Gontijo, que também é fundador do Instituto Ponto Azul (IPA), isso cria uma armadilha perigosa, pois as redes sociais apresentam apenas um recorte da realidade, onde as pessoas só mostram momentos felizes, ocultando suas vulnerabilidades.

“As pessoas começam a se culpabilizar e culpabilizar o outro por algo completamente natural, que é sentir. Além disso, começam a se questionar: ‘e se eu vivesse como fulano ou sicrano?'”, disse Gontijo. “Nós somos uma espécie social, e as emoções, inclusive as negativas, têm uma função. A tristeza, por exemplo, sinaliza que algo não vai bem e que talvez precisemos de ajuda ou de um tempo para refletirmos melhor sobre aquele momento”, completou o psicólogo.

Maryana com Y, neurocientista e precursora da Inteligência HUMORcional, também vê a felicidade tóxica como um perigo para o bem-estar emocional. “Quando buscamos incessantemente a felicidade, ignorando as emoções negativas, acabamos criando uma pressão sufocante. É como se houvesse uma necessidade constante de agradar, de não ter problemas”, diz.

Para ela, é importante entender que a tristeza, a raiva e outras emoções desconfortáveis fazem parte do processo de viver, e é preciso aprender a navegar por esses sentimentos sem se deixar consumir por eles. “A gente não deve morar no mau humor, mas reconhecer que ele também tem algo a nos dizer.”

Outro problema comum associado à “felicidade tóxica” é a influência de ‘gurus’ e figuras públicas que promovem uma visão distorcida do bem-estar emocional. Esses indivíduos, conforme destacam os especialistas, costumam reforçar a ideia de que a felicidade deve ser uma realidade constante e promovem soluções prontas para uma vida sempre positiva, mas com motivações muitas vezes comerciais.

“Há muita pseudociência e mitos perigosos disseminados na internet. Essas pessoas se colocam como gurus, prometendo uma felicidade inabalável, riqueza, sucesso profissional, mas não mostram suas fragilidades por trás das câmeras”, destacou Gontijo.

De acordo com os especialistas, ao invés de ignorarmos os sentimentos classificados como “ruins”, precisamos olhar para eles de forma mais cuidadosa. Apesar da felicidade não ter um “script”, colocar essas emoções negativas debaixo do tapete implica em um falso bem-estar. Em alguns casos, inclusive, pode ser necessário buscar ajuda médica.

“Se essa tristeza está muito frequente, intensa, impactando nos nossos papéis sociais, no trabalho, no relacionamento amoroso ou até coisas básicas como se divertir, se alimentar, ou dormir, nós precisamos buscar ajuda profissional. Isso não deve ser encarado como fraqueza, mas como algo que todos nós estamos sujeitos”, destacou Gontijo.