O idealismo como arma para superar a “ressaca” deixada pela decepção com o governo Lula e os sucessivos escândalos de corrupção na política. A receita é do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) – o partido da senadora Heloísa Helena – nascido justamente de uma dissidência saída do PT após a guinada à direita do partido de Lula. Candidato da legenda ao governo do Estado, o economista e servidor do Ministério do Trabalho, Luiz Felipe Bergmann diz que há muito tempo o PT deixou de representar uma alternativa para a esquerda no País. E que o PSOL retoma as bandeiras históricas dessa mesma esquerda, incluindo a construção “à brasileira”, que tenta aprender com os erros do passado para não repeti-los. Ele mesmo, porém, concorda que não há solução mágica ou garantia para que novos erros sejam cometidos a medida que o partido ocupe posições de poder. Só a prática poderá confirmar se o PSOL cumprirá esse destino.

Jornal do Estado
— O senhor saiu do PT na mesma época que a senadora Heloísa Helena, depois que o partido chegou ao poder. Porque?
Luiz Felipe Bergmann — Sou militante socialista. Acredito na construção do socialismo como uma obra de longo prazo do povo trabalhador. E o PT deixou de ser socialista há muito tempo. No começo, o PT pensava a organização do partido através dos núcleos de base. O PT hoje não é mais espaço de organização da base. Não tem mais nada a ver com o socialismo.

JE — A própria Heloísa Helena admitiu que não existe no mundo nenhuma experiência socialista de fato. Porque acreditar que isso vá acontecer no Brasil de hoje?

Bergmann
— O sistema capitalista surgiu no século XV, XVI, levou mais de 300 anos para se consolidar. O mesmo acontece com o socialismo. Temos muitas experiências pós-capitalistas, que não são propriamente socialistas, nem capitalistas. Porque o povo não tem participação democrática nas decisões. Não seguimos modelos. O socialismo que nós queremos tem que ter a cara do Brasil, do brasileiro.

JE — Mas como falar em socialismo em uma sociedade pós-industrial, em que a indústria gera cada vez menos empregos?

Bergmann
— Toda riqueza continua sendo produzida pela indústria. A diferença é que você tem cada vez menos gente empregada. O método socialista passa por uma crise do capitalismo. Hoje não existe mais esse espaço físico da fábrica. A organização das empresas é muito mais horizontal. Mas as indústrias continuam sendo tocadas por trabalhadores, que continuam sendo explorados. Estamos todos de certa forma meio perdidos, mas isso não invalida nossa tese de que a solução dos problemas só viria com o socialismo. Existe quase um consenso de que esse modelo de desenvolvimento não serve mais, pois significa em última instância a destruição do planeta.

JE — Como garantir que o PSOL, chegando ao poder, não viva o mesmo processo de descaracterização que viveu o PT?

Bergmann
— Primeiro é preciso lembrar que a classe trabalhadora do Brasil é relativamente jovem, começou a se organizar a partir dos anos 30. Não se constrói um novo sistema político de uma hora para outra. A camada dirigente do PT é a mesma. E eles nunca foram socialistas. Lula foi um sindicalista que tinha críticas pontuais ao capitalismo. Na verdade não deveria ser surpresa. Lula é o típico brasileiro que venceu na vida, gosta de futebol e não está nem aí para o resto. Não existe garantia a priori de que o PSOL não vai acontecer o mesmo. Temos que lutar para que não aconteça. Mas corre-se o risco o tempo todo.

JE — Como vencer a apatia em relação à política?

Bergmann
— Infelizmente grande parcela da população não vê isso. Tem toda a razão de estar frustrada com a política, diante de todos os escândalos. Nossos governantes deveriam dar o exemplo, mas não é isso que acontece. Existe uma forte corrente que prega o voto nulo. Por enquanto a política é necessária como froma de representação. No socialismo, defendemos a democracia direta, que acabaria com a política. A saída é fazer política com idealismo. O crescimento da Heloísa Helena nessa campanha é pelas virtudes da militância de esquerda. É um processo longo. Lula prestou um grande serviço. Traiu os trabalhadores e ainda veio todo esse processo de corrupção. É natural que agora venha essa ressaca, desesperança. É uma barra enfrentar isso.

“Requião dá uma de espertalhão”

JE — O governador Requião tem se colocado como uma liderança à esquerda no atual cenário político do País. Como o PSOL vê isso?

Bergmann
— De esquerda o Requião não tem nada. Ele dá uma de espertalhão. Consegue analisar a situação política. Falar em nacionalismo parece piada. Tem que falar em socialismo em escala planetária. Ele (Requião) tem um discurso muito esperto, mas na prática é um governo como outro qualquer. Faz aliança com quem quiser para se manter no poder. O Lula cooptou todo o movimento social. Processo semelhante acontece com o Requião. Como ele não tem que se expor tanto nas questões econômicas, consegue enganar parte da esquerda. Dá cesta básica, cria um freio.

JE — E como o PSOL pretende governar sem maioria parlamentar?

Bergmann
— É pegar o orçamento público e aplicar. Nem o presidente, nem o governador precisa do parlamento para isso. O fundamental é democratizar o estado e a formulação do orçamento. Se pegar os projetos do Executivo e discutir com a sociedade, não teria problema para aprova-los.

JE — Qual a sua proposta para a segurança pública?

Bergmann
— Primeiro tem que acabar com a roubalheira no poder público. Sou servidor público federal, e vejo que existe muita corrupção no serviço público porque existe no Planalto. Existe no Judiciário um movimento para dar tratamento diferenciado em relação à crises de pequena monta. É preciso também equipar a defensoria pública para que ela dê assistência judiciária às pessoas que não podem pagar. Que impeça que pessoas inocentes sejam condenadas ou continuem presas injustamente, o que aliviaria a pressão no sistema carcerário. A polícia está extremamente mal equipada. O Policial Militar ganha pouco e é obrigado a fazer o famoso bico.

JE — E de onde virão os recursos?

Bergmann
— Algumas medidas não dependem só do governador. Precisamos lutar por um novo pacto federativo. Que redistribua os recursos, hoje muito centralizados na União. Hoje os estados comprometem 15% de suas receitas para pagar dívidas.  Além disso, a Lei de Responsabilidade Fiscal foi talhada para o Estado economizar dinheiro para pagar dívidas. E só estabelece limite para os gastos e investimentos sociais. O principal controle deve ser o social.

JE — Isso implicaria em uma reforma administrativa?

Bergmann
— Temos que acabar com as nomeações políticas para cargos de confiança, apadrinhados. O Estado tem que ser administrado por quem o conhece, o servidor públio. Se for governador, o secretário da Educação vai ser alguém da Secretaria da Educação. Cargo de confiança para servidor de carreira. No plano federal, estimamos que dos 25 mil cargos de confiança existentes hoje, apenas 250 precisariam ser mantidos. No Estado, teríamos um processo semelhante. Além de tornar a administração pública mais profissional, economizaria muito dinheiro.

JE — A Heloísa Helena tem falado em rever as privatizações no plano federal. E no estado?

Bergmann
— Defendemos que todas as áreas estratégicas estejam sob controle do Estado. A proposta do PSOL é rever todas as privatizações. A maioria foi vendida com moedas podres. Teria que fazer uma auditoria. Não consigo aceitar a tese de que o Estado não pode ter um banco. Nada impede que tenhamos um novo Banestado. (IS)