O advogado Luiz Felipe Haj Mussi faz parte daquela geração de brasileiros que entrou na política militando no movimento estudantil no final dos anos 60, lutou contra a ditadura militar e chegou ao poder após a redemocratização. Em 1983, ele assumiu o posto de Secretário de Estado da Segurança Pública nomeado por José Richa, primeiro governador eleito pelo voto direto após o regime de exceção. Como tal, teve que usar de toda a habilidade para lidar com os órgãos de repressão que ainda mantinham grande poder, sustentados pelo governo do último presidente militar, João Baptista Figueiredo. Em 1986, disputou uma vaga de deputado Constituinte, ficando como primeiro suplente. Desde então, optou por dedicar-se à uma bem sucedida carreira jurídica. Vinte anos depois, Mussi volta a disputar um cargo eletivo, desta vez, como candidato do PPS ao Senado. Como tal, critica, na primeira de uma série de entrevistas do Jornal do Estado com os candidatos ao Senado, o que chama de “coronelismo moderno”, pelo qual os mesmos grupos políticos se revezam nas posições mais importantes da política estadual há décadas.


Jornal do Estado — O senhor faz parte de uma geração que entrou na política pelo movimento estudantil nos anos 60, combateu a ditadura e chegou ao poder com a redemocratização. A ditadura acabou, mas as desigualdades sociais e a corrupção continuam. O que deu errado?


Luiz Felipe Haj Mussi — Em uma análise simplória, na medida que essa geração foi chegando ao poder, todos foram fazendo concessões. Tinha um compromisso comum que era o combate à ditadura, no que ela foi bem sucedida. No segundo tempo, que seria governar levando em consideração a necessidade da maioria, é que os compromissos políticos começaram a fraquejar. É inacreditável você dizer hoje que no Paraná existe um milhão de analfabetos e dois milhões de analfabetos funcionais. Essa geração não está correspondendo ao compromisso que deveria ter assumido.


JE — O senhor só disputou eleição uma vez, para deputado federal, em 1986. Porque só agora, vinte anos depois, resolveu tentar de novo?


Haj Mussi — Fui candidato a deputado federal na Constituinte, mas fiquei como primeiro suplente. Fui candidato na época porque participar da Constituinte me deixava motivado. Hoje nós temos uma proposta nova do Rubens, de mudança. E desde que me aposentei da magistratura tenho ajudado o partido. Reencontrei no PPS um partido com propostas sérias. E isso me levou agora a assumir esse compromisso porque sinto isso, que não se discute o Senado e seu papel na defesa do Estado. É o momento de devolvermos o Senado para a cidadania. Nós temos que virar essa página triste da história do Paraná. Essa geração pós-ditadura terminou construindo o que podemos denominar de o coronelismo moderno. É a prática política antiga do coronel com novas vestes, com um novo modelo e métodos sofisticados. As mesmas práticas de manutenção da elite no poder. Nós temos que quebrar isso, mudar o enfoque. Não podemos ter somente senadores particularizados, cada um representando um segmento, fazendo uma política individualista, partidária.


JE — O senhor assumiu a Secretaria de Segurança no governo Richa, quando o País ainda vivia sob o governo do último presidente militar, João Figueiredo. Havia ainda muita interferência dos órgãos de repressão?


Haj Mussi — Havia uma interferência muito forte. A nomeação do comandante da Polícia Militar, por exemplo, tinha que passar pelo crivo do comandante da 5ª Região (Militar). O comandante da 5ª Região Militar obrigava o comandante da PM a prestar contas a ele. Então a função de secretário era extremamente espinhosa, porque eu trabalhava na questão da abertura, na defesa dos direitos humanos, do fim da ditadura, e ao mesmo tempo ainda estávamos vivendo o período da ditadura, inclusive o presidente da República, com o SNI (Sistema Nacional de Informações) em pleno vigor. Então o secretário tinha que ter um jogo de cintura muito grande. Tinha que administrar, porque a reação a esse momento de transição era muito grande. Tudo isso eu vivi, e tive que saber lidar com isso para avançar. Quem primeiro sistematizou para o País uma política democrática para a segurança pública fui eu. Isso tenho orgulho e digo, ninguém tira do Paraná. Até então não havia um fundamento, uma filosofia. A defesa dos direitos da pessoa humana; a democratização do poder na segurança pública, a possibilidade da população participar e influir nas decisões da segurança pública. Eu criei os conselhos comunitários de segurança, os módulos policiais. Coisas que eram para estar funcionando até hoje e que se estivessem, nos teríamos melhores resultados na área.


JE — E a atual situação da segurança no Paraná?


Haj Mussi — Há um problema crônico que é a falta de policais. O Estado, ao longo do tempo, não se preocupou em contratar e há uma defasagem muito grande. De 3,5 mil a 4 mil homens. Não dá para resolver isso em quatro anos, mas tem que plantar as bases. Além disso, insistir firme em um treinamento voltado para a cidadania, para que o policial saiba que ele não é só um caçador de bandido, mas um servidor público. Quando a população precisa, tem algum problema, o que ela quer é polícia. Não quer saber se é fardado, se é sem farda. Precisamos mudar isso. Temos que encontrar uma fórmula de fazer essa integração, essa fusão. Os policiais têm que compreender que estão a serviço da população.


JE — O senhor tenta chegar ao Senado justamente no momento em que o Congresso vive sua maior crise de credibilidade. Como mudar isso?


Haj Mussi — Não existe um remédio para mudar isso da noite para o dia. Mas nós temos um compromisso importante, a população tem esse compromisso. Eu acho que o mais difícil vai ser, em um espaço de 30, 40 dias fazer com que a população possa compreender que ela tem essa decisão histórica. Até então nossa convivência foi com esse tipo de arranjo político. Nós precisamos virar essa página triste do Paraná e do Brasil. Está nas mãos da população compreender isso. Nosso obrigação é tentar expor da melhor maneira possível. Ou a gente vence esse momento, ou vamos voltar à velha política. E isso tudo que estamos vendo acontecer vai continuar acontecendo.


JE — Mas como acreditar nisso, já que todo mundo fala em reforma política, mas após a eleição ela nunca sai?


Haj Mussi — Eu participei da discussão da reforma política, indicado pelo PPS nacional. Tínhamos um ótimo projeto, estávamos animados. E infelizmente quem engavetou o processo foi o PT, porque não interessava naquela época, que isso avançasse porque ia mudar o método todo. Ia fortalecer os partidos, implantar o voto distrital misto, a fidelidade partidária. Acabaria com a autofagia entre os candidatos, que hoje disputam primeiro entre si dentro do próprio partido.


JE — Mas a gente tem a impressão de que no próximo governo também não haverá interesse na reforma política, porque quem está no poder quer mais e conservar as coisas como estão?


Haj Mussi — Eu acho que é irresponsabilidade. É um erro, porque estão exercendo o poder pelo poder. Os responsáveis somos nós a medida que elegemos mal nossos representantes. Nós damos margem para que pessoas sem caráter pudessem ser eleitas. Agora também não quero culpar a população porque ela foi iludida. Você mantendo a população ignorante faz com que ela sirva a esse tipo de interesse.


JE — Diante desse quadro, o que o senhor diria que nós podemos esperar do futuro?


Haj Mussi — Nós temos 700 mil crianças de zero a sete anos que estão literalmente fora de qualquer esquema assistencialista. Com os jovens acontece a mesma coisa, 60% estão fora da escola. O que nós podemos esperar? Eles têm a opção do Estado, com todas as suas regras e burocracia, ou alguma coisa informal, que lhes oferece a oportunidade de ganho fácil, que é a violência instituída, tráfico de drogas. A omissão dos governantes é o grande gerador da violência que começa lá na ponta da linha.