A polêmica dos contratos de namoro

Consultas sobre os chamados contratos de namoro têm sido comuns nos escritórios de advocacia

Agência Estado

O romântico soneto de Vinícius de Morais “que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure” pode estar com os dias contados. Se, para o poeta, o fim do amor, por si só, é mais do que suficiente para colocar um ponto final na relação, namorados mais precavidos buscam o respaldo da lei com medo de que o término do romance vire uma disputa por dinheiro e o carinhoso tratamento “meu bem” seja trocado por “meus bens”.

As consultas sobre os chamados contratos de namoro – ou, para usar o termo correto, declaração de namoro – têm sido comuns nos escritórios de advocacia. Para entender melhor, o grande receio das pessoas – em geral acima dos 30 anos e com patrimônio considerável – é de que um eventual namoro seja confundido com união estável. Isso acontece porque a legislação não exige expressamente que duas pessoas adultas envolvidas numa relação afetiva devam viver sob o mesmo teto e, pior, dispensa prazo determinado. Porém, enquanto no namoro as ligações afetivas e sexuais não geram efeitos patrimoniais, nem assistenciais, na união estável a situação é semelhante à de um casamento, com os mesmos direitos e obrigações.

Para que a união estável seja alçada à condição de entidade familiar, o Código Civil exige o atendimento a quatro requisitos básicos: que a convivência seja duradoura (e não algo eventual), pública (ao assumir publicamente o relacionamento, há pelo menos a intenção de um vínculo mais forte), contínua (se o casal tem idas e vindas freqüentes não oferece segurança para que a lei o posicione em condições de equiparação ao casamento) e, finalmente, que a união tenha o objetivo de constituir família (não se trata, necessariamente, de ter filhos, mas de manter um compromisso regido por princípios recíprocos como lealdade e fidelidade recíprocas, por exemplo).

Mas, calma lá, nada de pânico! Não é porque você e seu par viajam juntos, trocam presentes, passam os fins de semana inteiros na casa de um ou do outro, deixando algumas roupas suas no armário do parceiro(a), e o cavalheiro paga a conta do restaurante, que já podem ser considerados casados. Se cada qual leva sua vida sem provas de interdependência financeira, a situação não cria um comprometimento jurídico. O sinal fica vermelho quando existe uma ajuda financeira regular comprovada: conta corrente conjunta no banco, se um dos dois for dependente no cartão de crédito ou plano de saúde do outro, ou ainda indica a residência do parceiro(a) para recebimento de correspondência pessoal, etc.

Registro em cartório

Para que não restem dúvidas de que o relacionamento é apenas um namoro, nem é preciso um advogado, embora seja interessante uma orientação especializada a respeito. Basta o casal ir com duas testemunhas ao cartório e registrar uma declaração, na qual é fixada uma data, afirmando-se que, até aquele momento, não existe uma intenção de constituir família. O documento – que só é válido juridicamente quando reflete uma situação real – ajudaria a evitar futuras dores de cabeça, caso um dos dois saia magoado da relação e revide, ao tentar tirar proveito com toda a sorte de reivindicações.

A advogada Regina Beatriz Tavares da Silva, coordenadora e professora do Curso de Especialização em Responsabilidade Civil do GV-Law da Fundação Getúlio Vargas e professora da Escola Superior de Advocacia da OAB de São Paulo, conta que criou a declaração de namoro para proteger os namorados, em função da linha tênue e nebulosa que separa um simples namoro de uma união estável.

A lei nº 8971, de 1994, que regulamentou a união estável no Brasil, utilizou referenciais objetivos, como uma convivência superior a cinco anos ou a existência de prole comum. Porém, a lei nº 9278, de 1996, revogou parcialmente a anterior e absorveu os parâmetros objetivos. Veio o Código Civil de 2002, deixando em aberto o prazo de união estável para a conquista de direitos. Para confundir ainda mais os casais, segundo a súmula 382 do Supremo Tribunal Federal, não é exigida a convivência ‘more uxorio’ ou sob o mesmo teto. Vale lembrar que, hoje, seja por razões profissionais ou por outros motivos, as pessoas até moram em cidades diferentes, tendo ou não um sólido compromisso.

Como dizia minha avó, “quem casa quer casa”. Essa é a regra geral para a constituição de uma família. No mais, em condições excepcionais e não como regra, pode existir união estável. Querer que dois namorados assumam a condição de companheiros (expressão esta utilizada para quem vive em união estável) com obrigações de prestar alimentos em caso de dissolução da relação e de ficar sob o regime da comunhão parcial de bens, equivale a querer destruir o namoro e a afastar pessoas que se amam. Amor por si só não constitui união estável.

Onde termina o namoro e começa a união estável? “Esta é uma pergunta complicada de responder”, observa o advogado Cassio Namur, do escritório Souza, Cescon Avedissian, Barrieu e Flesch. Segundo ele, a partir do namoro, pode ou não advir uma união estável, cujo início é de difícil apuração. “Assim, como as relações podem ser confundidas, aconselho a elaboração de um contrato de convivência, no qual os companheiros estabeleçam a data de início da união estável, colocando a forma da disposição dos bens.”

Se ao término de um simples namoro cada um toma o seu rumo e ponto final, no caso de um noivado desmanchado às vésperas do casamento, a coisa muda de figura. “Caso uma das partes tenha arcado com as despesas relativas aos preparativos da cerimônia, pode pleitear ressarcimento em juízo”, explica.