Tristeza brasileira (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Recentemente, o estudo State of the Global Workplace 2024, da Gallup, trouxe um dado alarmante: o Brasil é o quarto país com trabalhadores mais tristes e com raiva na América Latina. De acordo com a pesquisa, os índices relacionados às emoções negativas relacionadas ao trabalho chamam a atenção: 46% deles estão estressados, 25% tristes e 18% com raiva.

Esses dados nos fazem refletir sobre o que tem levado um país tão culturalmente vibrante e alegre a figurar nesse cenário preocupante. O que está por trás dessa melancolia coletiva? Para entendermos essa realidade, é fundamental olharmos para além das estatísticas e analisarmos os fatores econômicos, sociais e políticos que têm impactado a vida do brasileiro nos últimos tempos.

As causas por trás do cenário

Uma das principais razões que especialistas apontam para o aumento dos índices de tristeza no Brasil é a instabilidade econômica. Desde a crise econômica de 2015, o país tem enfrentado desafios como desemprego elevado, informalidade no mercado de trabalho e perda de poder de compra. Dados recentes do IBGE indicam que o Brasil ainda conta com cerca de 9 milhões de desempregados, o que impacta diretamente a saúde emocional da população .

Além disso, a pandemia da Covid-19 trouxe um impacto profundo para a saúde mental dos brasileiros. Um estudo realizado pela Fiocruz mostrou que 40% dos brasileiros sentiram sintomas de ansiedade e depressão durante o período de isolamento. A perda de entes queridos, o medo do futuro incerto e a dificuldade de retomada econômica são fatores que potencializam esse cenário de tristeza coletiva.

Outro fator crucial a ser considerado é a persistente desigualdade social. O Brasil, infelizmente, continua sendo um dos países com maior desigualdade de renda do mundo. A concentração de riqueza nas mãos de poucos cria uma sensação de injustiça e impotência entre as camadas mais pobres da população, o que contribui para o aumento do desânimo e da frustração. De acordo com o relatório de Desigualdade Global de 2022, os 10% mais ricos do Brasil detêm mais de 55% da riqueza nacional, enquanto os 50% mais pobres ficam com apenas 10% .

A desigualdade não impacta apenas as condições materiais de vida, mas também a percepção de felicidade. Países com menores níveis de desigualdade tendem a ter índices de felicidade maiores, segundo o World Happiness Report. No Brasil, a sensação de que “o futuro pertence a poucos” acentua a desmotivação, sobretudo entre os jovens. Um levantamento do Ipea mostrou que mais de 23% dos jovens brasileiros entre 18 e 29 anos estão desmotivados em relação ao futuro profissional, especialmente aqueles das classes mais baixas.

Já a educação, sempre vista como um caminho para a ascensão social, também tem deixado a desejar no Brasil. Com a queda no desempenho dos alunos no Pisa e o aumento das desistências escolares durante a pandemia, muitos jovens e adultos se encontram sem perspectivas claras de futuro. O resultado é um ciclo de desânimo que afeta a confiança e a autoestima de grande parte da população.

Por outro lado, existe uma luz no fim do túnel. Iniciativas de educação continuada e requalificação profissional podem ser um caminho para reverter esse quadro. A educação de qualidade, alinhada às demandas do mercado, é uma peça-chave para restaurar a confiança e o otimismo da população brasileira.

O papel das empresas no bem-estar social

As empresas também precisam adotar uma postura mais ativa no enfrentamento dessa crise emocional. Iniciativas voltadas ao bem-estar e à saúde mental dos colaboradores têm se mostrado eficazes em reduzir os níveis de estresse e aumentar a satisfação no trabalho. Programas de flexibilidade, apoio psicológico e oportunidades de crescimento pessoal e profissional são alguns exemplos de como o setor corporativo pode fazer a diferença.

Uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas mostrou que empresas que investem em programas de saúde mental para seus funcionários têm 25% mais retenção de talentos e uma melhora significativa no clima organizacional. Ao valorizar o capital humano, as corporações não apenas aumentam sua produtividade, mas também contribuem para um ambiente de trabalho mais saudável e positivo.

O alto índice de tristeza no Brasil não é apenas um reflexo de crises econômicas e sociais, mas também da maneira como nos relacionamos com o futuro. Para reverter esse cenário, é preciso investir em políticas públicas que combatam a desigualdade e promovam oportunidades reais de desenvolvimento. A educação continuada, o fortalecimento da saúde mental e o apoio ao trabalhador são passos fundamentais para que o Brasil saia dessa posição desconfortável.

As empresas, os governos e a sociedade como um todo precisam repensar suas prioridades, focando não apenas no crescimento econômico, mas também no desenvolvimento humano. O caminho para um Brasil mais feliz passa pela valorização de cada cidadão e por uma visão mais inclusiva e sustentável de progresso.

*Virgilio Marques dos Santos é um dos fundadores da FM2S, gestor de carreiras, doutor, mestre e graduado em Engenharia Mecânica pela Unicamp e Master Black Belt pela mesma Universidade. TEDx Speaker, foi professor dos cursos de Black Belt, Green Belt e especialização em Gestão e Estratégia de Empresas da Unicamp, assim como de outras universidades e cursos de pós-graduação. Atuou como gerente de processos e melhoria em empresa de bebidas e foi um dos idealizadores do Desafio Unicamp de Inovação Tecnológica.