Doação de órgãos: como converter a recusa familiar?

Redação Bem Paraná com assessoria
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Enfrentar os tabus é o grande desafio para ampliar as doações de órgãos no Brasil, pois a desinformação é a principal razão da alta taxa de recusa familiar, que chega a 45% no país, segundo a Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO). O estado do Paraná tem o melhor índice nesse quesito com somente 25% das propostas recusadas e profissionais do Hospital Universitário Evangélico Mackenzie (HUEM) explicam as estratégias para abordagens que encorajam as famílias a aceitar a doação.

Na instituição, que atua como centro transplantador e conta com um Banco de Multitecidos Humanos, a taxa de aceite é a mesma do Paraná, 75%. As entrevistas com os familiares de pacientes com morte encefálica são conduzidas pela Comissão Intra Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes (CIHDOTT), composta por uma equipe multidisciplinar que tem objetivo de efetivar as doações de órgãos.

A enfermeira Hangela Pilon atua nessa função há quatro anos e relata os principais desafios e técnicas de abordagem para tratar deste tema delicado, em meio a um momento de dor e sofrimento enfrentado pelos familiares do paciente com morte encefálica.

“O primeiro ponto é a família entender que houve a morte encefálica, que não há como reverter, pois neste momento existe muita negação e falsas esperanças de que o paciente pode se recuperar. Buscamos um equilíbrio entre o acolhimento dos sentimentos, respeito às fases do luto, mas precisamos de forma técnica demonstrar o não funcionamento do cérebro”, destaca.

Vencida essa etapa, quando os familiares já estão cientes de que o paciente não tem mais vida, é feita uma avaliação se a família já está pronta para dar sequência ao procedimento ou se desejam estar com o paciente para se despedir. “Não podemos pressionar, é necessário agir com calma, de forma humanizada e acolhedora”, diz Hangela.

Desmentir boatos

Durante a entrevista para solicitar a doação dos órgãos, segundo a enfermeira é o momento para esclarecer os rumores e desfazer os diversos boatos que cercam o assunto, pois muitos deles é que resultam na negativa da família, Questões religiosas também estão entre as razões de recusa e para conversar a respeito da espiritualidade, o Hospital Mackenzie conta com uma equipe de capelania.

“Não é incomum ouvirmos que os hospitais não se esforçam para salvar a vida de doadores declarados, o que obviamente é uma informação falsa. O fato do paciente ser doador não altera em nada o atendimento prestado. Há também quem diga que para retirar os órgãos o corpo só é liberado cinco dias depois, outra inverdade, já que no máximo em 24 horas o corpo recebe a liberação”, salienta Hangela.

Outra informação falsa bastante difundida é que o corpo sofre deformações no processo e o velório precisa ser com o caixão fechado. Na verdade a retirada dos órgãos acontece como uma cirurgia normal, o corte é suturado e fica imperceptível, podendo o corpo ser velado com o caixão aberto, inclusive no caso das córneas, pois uma prótese é colocada no lugar e as pálpebras são fechadas.

Além dos órgãos internos, a pele também pode ser doada e é fundamental para reconstituições especialmente em pacientes que sofrem grandes queimaduras. A doação de pele gera muitas dúvidas nos familiares, com pessoas imaginando cenários irreais de mutilação do corpo.

Atuando na CIHDOTT do Hospital Mackenzie há pouco mais de um mês, a também enfermeira Daniele da Costa explica o procedimento de doação de pele. “Através de raspagem é retirada somente a camada mais superficial da pele das pernas e das costas, fica praticamente imperceptível, a única mudança é um aspecto mais claro. Também não interfere no velório”, afirma.

Hangela conta que já entrevistou famílias que não queriam a doação porque os órgãos não seriam destinados para o primeiro da fila de transplantes. “Temos que explicar o funcionamento, pois realmente não vai para o primeiro da fila, a doação tem outros critérios como a gravidade do quadro do receptor e a proximidade entre o órgão doado e o paciente que vai recebê-lo”, esclarece.

Conversar em vida

Essencial conversar sobre o assunto com os familiares, deixar claro em vida que deseja realizar a doação de órgãos, pois segundo as enfermeiras do Hospital Mackenzie, quando a família tem ciência da vontade do paciente em doar, o índice de recusa praticamente inexiste. “Infelizmente as pessoas têm medo de falar sobre isso, pela crença de que atrai acontecimentos ruins. É preciso superar esse receio para ser responsável por salvar outras vidas”, salienta Daniele.

Hangela finaliza descrevendo a sensação de possibilitar uma doação, por meio da argumentação com os familiares. É uma alegria muito grande conseguir uma conversão, sentimento de dever cumprido, saber que até dez vidas poderão ser salvas graças ao sim que a família deu”, ressalta.

Banco de Multitecidos

Além de ser um centro transplantador, realizando transplantes de fígado, rim e córneas, o Hospital Evangélico Mackenzie possui o único Banco de Multitecidos Humanos do Brasil, onde capta, processa e armazena válvulas cardíacas, pele, córneas, tecido ósseo e músculo-esquelético.

Sobre o Hospital Universitário Evangélico Mackenzie

O Hospital Universitário Evangélico Mackenzie (HUEM) é um hospital de caráter filantrópico, localizado em Curitiba. Sob a gestão do Instituto Presbiteriano Mackenzie (IPM) desde 2019, conta com mais de 500 leitos e atende todas as linhas de cuidado com mais de 90% dos atendimentos destinados ao SUS. Referência no atendimento a pacientes queimados e em gestações de alto risco, o hospital integra o campo de estágios da Faculdade Evangélica Mackenzie do Paraná (Fempar).