A história já se tornou clássica – em uma fazenda localizada na Inglaterra (mas que simbolizava a então União Soviética), um porco premiado chamado Major convence os outros animais de que é preciso declarar guerra aos seres humanos, expulsá-los da comunidade e assumir a administração. Começa uma luta pelo poder. Eis o ponto de partida de A Revolução dos Bichos, um dos grandes momentos da carreira de George Orwell (1903-1950) que a Companhia das Letras relançou recentemente (152 páginas, R$ 22), continuando a publicação da obra do escritor.

Escrita em plena 2.ª Guerra Mundial e publicada em 1945 depois de ter sido recusada por várias editoras, a pequena narrativa causou um verdadeiro furor por satirizar ferozmente a ditadura stalinista justamente durante um momento em que os soviéticos ainda eram aliados das forças ocidentais na luta contra os nazi-fascistas. Afinal, na história, os animais se revoltam contra o sr. Jones, que representa o czar Nicolau 2º, e o porco Major não seria Lenin, mas Karl Marx, teórico da revolução que só será deflagrada depois de sua morte por outros dois suínos, o banido Bola-de-Neve e o despótico Napoleão, representando Trotsky e Stalin, respectivamente.

Quando foi publicado no Reino Unido (nos Estados Unidos, o livro chegou em 1946),  a publicação ajudou a abrir os olhos do Ocidente sobre a real natureza do sistema soviético. Curiosamente, a obra foi publicada em agosto de 1945, mesmo período em que os Estados Unidos explodiram as bombas atômicas no Japão, encerrando a guerra e mandando um aviso aos soviéticos iniciando a chamada guerra fria.
O livro de Orwell era a mobilização do gênio criador para denunciar um dos principais elementos dessa política, o Estado totalitário. Se inicialmente serviu como instrumento a serviço das forças capitalistas, A Revolução dos Bichos conseguiu, com o passar do tempo, provar que seu alvo era mais amplo e direcionado contra o totalitarismo. 

As qualidades da prosa também se sobressaem. Apaixonado pelo campo inglês, onde viveu no fim dos anos 1930, Orwell faz isso ecoar logo nas primeiras páginas: transbordam ali detalhes físicos da rotina no campo, observados com amor. Ao mesmo tempo, ele utiliza os discursos dos porcos para ironizar o discurso comunista. Eis, aí, a habilidade das palavras de Orwell que tanto ordenham uma vaca como beliscam um revisionista. Com o tempo, algumas frases tornaram-se clássicas, como “Todos os animais são iguais, mas alguns animais são mais iguais do que os outros”, confirmando sua vitalidade. Hoje, o livro de Orwell já pode ser lido sem o viés ideológico reducionista e interpretado como uma alegoria sobre as fraquezas humanas que levam à corrosão dos grandes projetos de revolução política.