Eram tantas as perguntas que inundavam o site oficial de Chico Buarque de Holanda sobre seu processo de trabalho que seu organizador, Wagner Homem, decidiu compilar as narrativas em um livro – Chico Buarque – Histórias de Canções (428 páginas, R$ 44,90), que marca o início das atividades do grupo Leya no Brasil, reúne curiosidades e detalhes que cobrem a criação artística do músico e escritor entre 1964 e 2008. “Como há 11 anos venho recebendo solicitações sobre essas histórias, decidi juntá-las em um volume”, conta Wagner, que foi testemunha ocular da maioria delas.
Ele conhece Chico Buarque desde 1989, quando iniciaram uma amizade fraterna.
“Mas o contato com sua obra é mais antigo, desde 1965, quando fiquei maravilhado com ‘Pedro Pedreiro’.” Não à toa, a canção é privilegiada, ganhando um dos maiores verbetes do livro. “Quando compôs, Chico sabia que estava fazendo algo diferente”, observa Wagner, lembrando ser aquela uma das primeiras músicas em que ele não procurava imitar a Bossa Nova. A letra com 60 versos (nos quais a palavra ‘esperando’ aparece 36 vezes) chegou a impressionar o próprio pai do compositor, o sociólogo Sérgio Buarque de Holanda, que observou a influência de Guimarães Rosa no trabalho do filho, especialmente ao grafar um novo verbete, ‘penseiro’.

O livro contém 26 capítulos divididos em períodos históricos – no início de cada um, Wagner Homem apresenta um quadro sociopolítico da época. E, a julgar pela quantidade de personalidades presentes (Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Edu Lobo, João Gilberto, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Toquinho, para citar apenas alguns), o livro cobre também um importante período da vida e carreira de Chico Buarque.
Como seus primeiros problemas com a censura do governo militar (1964-1978). “Basta um Dia”, composta em 1975 para a peça “Gota D’Água”, que Chico escreveu com Paulo Pontes, é um exemplo. “A primeira letra, que consta no livro, foi vetada e acabou na gaveta”, conta Wagner. “Só a melodia foi reaproveitada depois, para a música de mesmo nome para a peça ‘Calabar’.”

A carga da censura, no entanto, era brutal, com a proporção de duas músicas vetadas para uma liberada, mesmo assim com cortes. Assim, a fim de reunir um número suficiente de faixas, o LP “Sinal Fechado” (1974) apresentava composições de outros autores, entre eles, um tal de Julinho da Adelaide, cuja canção Acorda, Amor tornou-se um dos grandes sucessos do disco. Era, na verdade, um pseudônimo criado por Chico para escapar da lupa dos censores – ele utilizou também a alcunha de Leonel Paiva.

Mas as histórias com os diversos parceiros de Chico Buarque são as mais saborosas do livro. A com Vinicius de Moraes, por exemplo, que a todos tratava pelo diminutivo, é exemplar – enciumado com o fato de Chico ter letrado três canções de Tom Jobim, Vinicius o convidou, em 1969, a dividir a letra de uma canção que já tinha melodia de Garoto (1915-1955), famoso multi-instrumentista e compositor de choros.
Na época, Chico vivia em Roma e logo recebeu a letra que Vinicius escrevera em apenas uma noite. O poeta solicitou que o amigo “desse um jeito” na poesia, mas Chico percebeu que a obra era irretocável. “Vencido pela insistência, Chico escreveu os versos ‘pelas varandas / flores tristes e baldias / Como a alegria / que não tem onde encostar’, imediatamente encaixados no texto pelo poeta – que se apressou em comunicar a Tom Jobim que Chico agora também era seu ‘parceirinho’.” O bom humor de Chico Buarque também provocava mal entendidos. Wagner Homem relembra que o compositor justificava o título da canção “Cecília” (1998) como um nome imaginário. Assim, durante uma viagem, o compositor perguntou se a cidade natal de Wagner, Catanduva, ficava próxima de Itápolis, em São Paulo. “Respondi que distava uns 55 quilômetros. Ele tirou as mãos do volante e deve ter dito um palavrão qualquer”, conta o biógrafo. “Acabara de lembrar que o nome imaginário também era o de uma ex-namorada que teve no interior paulista por volta de 1965. O disco já estava gravado e a brincadeira gerou no seu site oficial uma enxurrada de e-mails de moradores daquela cidade querendo saber se a musa era, de fato, a ilustre conterrânea.”

Outra saia justa, que ronda a canção “Ode aos Ratos” (2001), foi confidenciada pela cantora Mônica Salmaso. Segundo ela, Chico teria ligado para o compositor Paulo Vanzolini, que também é zoólogo, em busca de detalhes sobre roedores para compor a letra. “Ô Chico! Você mente tanto sobre mulher… Por que não inventa qualquer coisa também sobre os ratos?”, disse Vanzolini. “Pô, Vanzolini… Pelos ratos eu tenho o maior respeito.”