Paulo Rocco estudava Economia quando soube da vaga de gerente aberta na editora Sabiá, de Fernando Sabino e Rubem Braga – dois de seus escritores preferidos à época. Não tinha experiência alguma de trabalho, mas em 1967, aos 22 anos, tinha a ousadia juvenil. Os dois pagaram para ver e acolheram o garoto.

A Sabiá foi vendida para a José Olympio, e Paulo foi para lá também. Três anos mais tarde e oito anos depois daquele primeiro encontro com os cronistas editores, Paulo Rocco abria a própria editora. O nome não seria Rocco, mas a agente literária espanhola Carmen Balcells rasgou o papelzinho em que Paulo anotou suas ideias e decretou que seu sobrenome era a única opção.

Nesses 38 anos, a Rocco teve alguns golpes de sorte, mas não só, garante o proprietário, que prepara o filho João Paulo para a sucessão. Foi a Rocco que revelou Paulo Coelho, que arriscou publicar um livro sobre um bruxo sem imaginar que a série “Harry Potter” alcançaria a marca de 4 milhões de exemplares. E arriscou comprar os direitos de um autor estreante que depois surpreenderia a todos ao ter sua identidade revelada: Robert Galbraith era J. K. Rowling, a criadora do bruxinho.

Mas ela é, também, editora de Tom Wolfe, Julian Barnes e de uma nova geração de autores brasileiros. “Sei que muitos livros que edito não darão resultado financeiro, mas isso não me preocupa. Estou deixando o legado de uma editora que lançou bons títulos no mercado e deu chance a todos para uma renovação”, diz. Rocco conta como lançou best-sellers e fala dos planos para autores nacionais.

Como entrou no mercado?
Paulo Rocco — Foi no final de 1967, aos 22 anos, na Sabiá, com Fernando Sabino e Rubem Braga. Fui gerente até 1972, quando a editora foi vendida para a José Olympio, e fui junto. Saí para abrir a Rocco, que nasceu em janeiro de 1975. Ainda prestei serviços para a editora Francisco Alves e montei a área comercial da Codecri, do Pasquim.

E como o senhor chegou a Fernando Sabino e Rubem Braga?
Rocco — Eu era estudante de Economia e já estava encaminhado, mas soube que eles estavam abrindo uma editora e procurando um gerente. Não tinha experiência na área editorial, nem de trabalho. Disse que tinha lido todos os livros deles e o Rubem me disse: ‘Mas, Paulo, leitores nós já temos. Precisamos de um gerente’. Eu me ofereci para trabalhar de graça por três meses. Deu certo e fui contratado. Eu cuidava de tudo, menos do editorial. Mas um dia perguntei se eles não me deixariam editar um livro e fiz Os Colegas, de Lygia Bojunga, meu primeiro livro

Como foi o início da Rocco?
Rocco — Eu tinha 28 anos e dois autores, que eram meus amigos. Começamos com Teje Preso, do Chico Anysio, e Casos de Amor, de Marisa Raja Gabaglia. A editora só começou a ter presença no mercado em 1984. Comecei a investir em autores estrangeiros. Vieram A Fogueira das Vaidades, de Tom Wolfe, Uma Breve História do Tempo, de Stephen Hawking, entre outros.

Comprou Tom Wolfe em leilão?
Rocco — Sim, e foi o mais concorrido e dissimulado que vi. Eu não tinha muita experiência, mas vou confessar que fiz duas ofertas enquanto todo mundo fez uma. Ofereci um valor menor à vista e um maior em dois pagamentos. Ganhei com a segunda proposta. Hoje somos amigos.

Não ter dado atenção a “Harry Potter” é citado por vários editores como um grande arrependimento. Como descobriu a série?
Rocco — A história começa antes, com o livro O Filho de Lázaro, apresentado como o livro do ano da Feira de Frankfurt. Ele estava caríssimo. Na volta ao Brasil, vi que nenhum editor brasileiro tinha comprado e fiz uma oferta baixa. Aceitaram. O livro foi um fracasso mundial. Mas com isso conheci o agente literário Christopher Little. No ano seguinte, perguntei se ele tinha alguma coisa juvenil. Ele falou sobre Harry Potter, que ‘até que estava indo bem na Inglaterra’. Pedi para avaliarem e me disseram que era bom. E me bateu um instinto e resolvi telefonar para o agente e começamos a negociar. Achei caro, mas chegamos a um acordo quando aceitei comprar o segundo também.

Estava preparado para o volume?
Rocco — Não. Fiz o terceiro livro em três gráficas. A logística foi incrível. A primeira tiragem do 7.º volume foi de 650 mil exemplares. Ao todo, já vendemos mais de 4 milhões de exemplares.
É o best-seller da editora?
Rocco— Sem dúvida. Mas devemos fazer menção a Paulo Coelho.

O senhor acredita em sorte?
Rocco — Acredito que 50% é técnica e 50% é intuição. Você não pode seguir só um ou outro. Tem sido assim na minha vida. Em muitos casos segui a intuição, mas tenho uma bagagem.

Algum arrependimento?
Rocco –  Comprei O Encantador de Cavalos, que tinha feito sucesso nos EUA. Aprendi que não podemos só esperar as coisas acontecerem. Não fiz nada pelo livro, e não vendeu. Não existe sucesso pré-fabricado. Por isso vamos fazer uma megacampanha para O Chamado do Cuco, que sai em novembro.

Fazer um livro hoje é diferente do que era em 1967?
Rocco — A comunicação mudou. Você tem que trabalhar outros canais, outros meios.

O senhor quase foi engenheiro e economista. Com a editora, se realizou?
Rocco — Sim. Descobri que a minha vocação é a comunicação.

E como ela se reflete na editora?
Rocco — Eu me meto em tudo. Pode parecer que sou centralizador, mas sou só de informação.

Prepara alguém para sucedê-lo?
Rocco — Meu filho João Paulo, de 28 anos, que trabalha comigo há três anos e tem trazido grandes contribuições.

A  Rocco perdeu alguns autores ao longo dos anos, mas consegue manter Clarice Lispector. Em 2012 houve rumores de que a Companhia das Letras teria comprado os direitos dessa obra, o que foi negado na época.
Rocco — Ela tentou de todas as formas. O assédio foi violento. Mas a Companhia das Letras não foi a única. Quem não quer Clarice? Renovei o contrato por mais oito anos. Ela é a escritora brasileira que mais vende, e isso só cresce.

A Rocco tem investido numa nova geração de autores brasileiros.
Rocco — Há editoras que foram feitas para editar livros e editoras feitas para ganhar dinheiro. A primeira tem uma responsabilidade social: se não der chance para os jovens, ela está fechando o funil do mercado. Não vai criar novos autores e nem novos mercados. Se quisesse ter criado uma editora só de best-sellers teria feito. É a coisa mais fácil do mundo. Não me preocupo com o dinheiro, mas com o bom nome da editora e estou deixando o legado de uma editora que lançou bons títulos no mercado e deu chance a todos para uma renovação.

Como está a concorrência?
Rocco — Grande. O mercado brasileiro não é grande, mas temos muitos bons editores.

Como vê o mercado editorial?
Paulo — Estrangulado. A quantidade de títulos aumentou, mas a quantidade de livrarias não. Uma surpresa são os jovens. Com Harry Potter acabou o mito de que jovem não lê. Ele lê, e lê muito. Lógico que ainda não lê na quantidade suficiente porque há deficiências no Brasil.

O que define um bom editor?
Rocco — Saber selecionar bons livros. O resto é consequência.

Qual era sua ideia para a Rocco?
Rocco — Mantê-la entre as cinco principais do Brasil.

Como vê o livro digital?
Rocco — Aqui, crescendo, mas ainda longe de um patamar de 10%. A Rocco já tem 350 e-books. Nosso problema é que o leitor digital é muito caro.

E o futuro?
Rocco — Continuar fazendo o que fazemos, sempre melhor. Pensar à frente. Estamos dando oportunidade para escritores brasileiros. Um dia, o autor brasileiro será mais lido do que é hoje. Se as coisas mudam, a gente muda também.

Conhece muitas histórias de bastidores. Não pensa em escrever um livro?
Rocco — Todo mundo me pede, mas brinco que sou como um índio. Eu conto. Quem ouviu ouviu.