andrea zanella
Artista Andrea Zanella e parte de seus trabalhos da mostra Deslocamentos. (Divulgação)

Na exposição Deslocamentos, Andrea V Zanella apresenta obras realizadas a partir de 2014 que somam desenhos sobre diversos suportes – tecido, papel, madeira, acrílico – e pinturas sobre tela. Os deslocamentos remetem tanto às pinturas figurativas, uma série de imagens de escadas por onde a artista passou, como também se referem aos deslocamentos entre materiais e linguagens. A exposição abre no dia 18 de outubro, a partir das 18h30, no Sesc Centro, à rua José Loureiro, 578.

No romance Manual de pintura e caligrafia de José Saramago (originalmente de 1977), o escritor português coloca o leitor em contato com um pintor de retratos que resolve experimentar a escrita. É possível acompanhar então este processo e as reflexões advindas desta mudança de meios expressivos. Andrea V Zanella faz uma espécie de transição semelhante, porém invertida ao personagem de Saramago.

Após muitos anos de dedicação à escrita acadêmica, e demorados estudos sobre o processo de escrever, resolveu se dedicar às artes visuais. Pode-se dizer que a fotografia foi uma espécie de linguagem artística intermediária que foi objeto de seus estudos e sua prática constante, como metodologia de pesquisa, mas também como produção artística individual.

O processo da artista é, em geral, serial e muitas vezes simultâneo. Descoberto um caminho criativo, ela o explora quase infinitamente para, então, deslocar-se para outras experimentações em linguagens diversas.

Na série Escadas, Zanella exibe uma espécie de coleção de escadas. Registros de visitas que realizou a museus, ou lugares de passagem. Raramente uma escada é em si o objeto a ser contemplado num museu. Mas ela as registrou em fotografia, revisitou-as nos desenhos e recriou-as em pintura. Nossos olhos são guiados nas composições: níveis sucessivos que criam efeitos de sinuosidade, espirais que nos empurram para um fundo indistinguível, degraus que conduzem a patamares escondidos. São exercícios múltiplos para domínio da composição e igualmente da ilusão da tridimensionalidade.

Em Rastros e restos, registros fotográficos de um olhar sensível sobre a cidade – restos urbanos – são os elementos desencadeadores de harmonias cromáticas expandidas na pintura, em painéis de combinações múltiplas e intercambiáveis. O deslocamento na cidade – tema que foi, por muito tempo, fundamental para a produção acadêmica da artista em mais de trinta anos de estudo e docência na Psicologia Social – é vestígio incorporado à sua poética.

Os desenhos da série Outros Rastros se aproximam de uma caligrafia e, desta forma, fazem-nos lembrar certas pinturas chinesas, nas quais o artista acomoda linhas muito finas colocadas lado a lado, em gestos sinuosos, compondo com delicadeza a textura das pedras, do veio dos troncos das árvores, do suave movimento da brisa sobre as águas.

Zanella preenche com labirintos muitas folhas opacas, mas também papéis delicados, tecidos sutis, acrílicos translúcidos, e redunda os veios sinuosos em superfícies de madeira. Neste jogo de desenho e caligrafia, podemos pensar na figura evocada por Jorge Luís Borges, no conto O jardim das veredas que se bifurcam: Ts’ui Pên, governador de província, “douto em astronomia, em astrologia e na interpretação incansável dos livros canônicos, enxadrista, poeta e calígrafo: abandonou tudo para compor um livro e um labirinto” (2016, p.67). A obra de Pên passa a ser um mistério, decifrado por um estudioso que descobre que “livro e labirinto eram um único objeto” (2016, p. 68). 

Os desenhos da série aqui apresentada têm natureza dupla: caligrafia e paisagem, desenho e labirinto. Podemos atribuir a eles uma definição dada ao projeto enigmático do personagem de Borges: “Um invisível labirinto do tempo” (2016, p. 68)

Serviço:

O que: Mostra Deslocamentos, de Andrea Zanella

Onde: Sesc Centro – à Rua José Loureiro, 578- Centro – Curitiba

Quando: 18 de outubro, a partir das 18h30

Curadoria: Luana M. Wedekin e Meg Tomie Roussenq