Estreia em julho em Curitiba a peça “Entretelas”, que que viaja pelas muitas faces do tema loucura

Convulsões, eletrochoques, ironias, poesia e reflexões pontuam dramédia que faz referências a clássicos como Erasmo de Roterdã, Foucault, Artaud e Van Gogh

Redação Bem Paraná
Entretelas_Elenco (1)

Divulgação

O conceito de “louco” pode variar ao longo do tempo com base em interesses políticos, econômicos e ideológicos? Numa sociedade que parece impor a felicidade absoluta e constante, é possível tomar consciência de que a angústia é natural e acompanha os seres humanos desde sempre? Existe poesia na insanidade? Questionamentos assim são apenas alguns dos inumeráveis que podem surgir quando se acompanha o espetáculo “Entretelas”, da Stultifera Companhia de Teatro, que estreia no início de julho.
Marcada por uma estética que privilegia as cores vermelho, azul e amarelo e profundamente baseada em quadros clássicos da história da arte, a peça bebe em fontes como Michel Foucault, Erasmo de Roterdã, Antonin Artaud e Vincent Van Gogh para tentar exibir as múltiplas facetas do tema “loucura”. Destaque, também, para as referências a Hieronymus Bosch, considerado o primeiro pintor surrealista, quatro séculos antes da criação do próprio surrealismo.


“Respeitando a estrutura dos trípticos da pintura, quadros apresentados em três partes, o espetáculo ‘Entretelas’ expõe, em três atos, uma linha histórica possível sobre a loucura a partir das artes visuais”, explica Jean Carlos Sanchez, diretor da peça. “A experiência da pandemia e o agravamento da situação geral de saúde mental, juntamente com a exacerbação do uso das telas tecnológicas, me inspirou a falar sobre a relação entre insanidade e aquilo que se plasma nas telas”, contextualiza Sanchez, que também é psicólogo.


A sua experiência como terapeuta, altamente demandada na pandemia, e a crítica ao teatro online que, naquele momento foi imposto pelas circunstâncias, são fatores que interferiram no processo de criação de “Entretelas”. “O teatro tornado online atinge o cúmulo do paradoxo em minha reflexão: se existe algo que delimita a expressão artística do teatro enquanto arte específica é a presença física, geográfica, de espectadores e atores num enlace visceral no mesmo espaço-tempo. Eu me vi diante da loucura encarnada”, complementa o diretor.

A primeira autópsia


A peça já impacta em seu primeiro ato. É uma cena forte, coreografada com base em movimentos corporais que remetem a convulsões, dores intensas, tristeza profunda. E aos eletrochoques, que pontuaram a trajetória do tratamento das pessoas consideradas loucas.
A cena viaja aos primórdios da pré-história, imaginando aquela que seria a primeira autópsia humana. Integrantes de uma comunidade tentam encontrar, em meio a músculos e tecidos, respostas para aquilo que os aflige. “Não podiam supor que há sentires que vêm do espírito e não das carnes”, assinala o texto narrativo da cena. É uma metáfora para a angústia que acompanha a espécie humana desde as origens. “A humanidade nunca deixou de debater-se”, conclui o texto que encerra o primeiro ato, marcado pela cor vermelha, totalmente relacionada a coração e sangue.

O barco dos indesejáveis


Mergulhado na cor azul dos oceanos, o segundo ato enfatiza a face mais engraçada da insanidade. O espectador é convidado a apreciar a ironia tanto de Erasmo de Roterdã, em seu clássico “Elogio da Loucura”, quanto de Sebastian Brant, em seu livro “A Nau dos Insensatos”.
É no segundo ato, também, que o espetáculo ganha um tom didático, pedagógico, ao trabalhar com textos da obra “História da Loucura”, de Michel Foucault. O destaque neste momento da peça é a “nau dos loucos” (ou “Stultifera Navis”, em latim, expressão de onde provém o nome do grupo). Esse era o barco no qual as minorias da sociedade eram lançadas para singrarem à deriva em alto mar durante a Idade Média. Artistas, prostitutas, loucos, questionadores do sistema, hereges. A lista dos “indesejados” era extensa.

É nesse momento que, com humor ácido, o espetáculo sugere para a plateia a inquietação: quem seria lançado em uma eventual nau dos loucos dos dias de hoje? A pergunta fica ainda mais atual quando se lembra que, em agosto do ano passado, o Reino Unido disponibilizou uma embarcação para acomodar imigrantes que tentam ingressar na região.

Poesia (e angústia) de Van Gogh


Marcado pela cor amarela, o terceiro ato aporta na poesia (e na aflição) de Van Gogh. Além de expor partes importantes de sua biografia, o trecho final do espetáculo aborda a “loucura” que foi o fato de um artista hoje mundialmente idolatrado ter vivido com dificuldades até para comer e pagar aluguel. A insanidade não para por aí: dois meses antes do centenário da morte do pintor, o seu quadro “Retrato de Dr. Gachet” foi vendido por 82 milhões de dólares.


Aí a peça toca no quanto o trabalhador de hoje busca o equilíbrio (não raras vezes angustiante) entre o salário que recebe e as contas a pagar, resultando em uma contabilidade que, muitas vezes, não fecha. Seria esse estilo de vida também uma loucura? Aí está mais um questionamento que surge ao se acompanhar “Entretelas”.

Stultifera Cia


Formada por sete atores e pelo diretor Jean Carlos Sanchez, a Stultifera Companhia de Teatro é um grupo independente. Não possui patrocínios de qualquer natureza e contou com recursos próprios para organizar o espetáculo.
Para compor “Entretelas”, elenco e diretor reuniram-se quase que semanalmente por praticamente dois anos, entre agosto de 2022 até a estreia, agora em julho de 2024. Foram encontros de muitos ensaios, estudos, debates e trabalho para ajudar a construir cenário e figurino.

Serviço

“Entretelas”

Datas: 5, 6, 7, 8 e 9 de julho, de sexta-feira a terça-feira.

Horário: 20 horas

Local: Espaço Excêntrico Mauro Zanatta – Rua Lamenha Lins, 1429, Rebouças

Ingressos: R$ 50,00 (inteira) e R$ 25,00 (meia entrada)

Link para compra: https://www.sympla.com.br/evento/entretelas/2501619

Ficha técnica
Direção: Jean Carlos Sanchez

Elenco: Kamile Enzo, Laércio Amaral, Lais Cristina, Samara Rocha, Thayna Bressan, Tiago Sureck e Tiago Luiz Bubniak

Concepção e dramaturgia: Jean Carlos Sanchez

Cenografia: Jean Carlos Sanchez e Kamile Enzo

Iluminação: Márcio Junior

Figurino e adereços: Katia Horn

Trilha: Jean Carlos Sanchez e Vinícius Alves

Telas de pintura em cena: Vinícius Alves

Direção de movimento: Juliana Adur

Preparação corporal: Laércio Amaral

Preparação vocal: Lais Cristina

Assessoria de imprensa: Tiago Luiz Bubniak

Mídias sociais: Thayna Bressan

Fotografia: Luiza Nemetz

Apoiadores (“Padrinhos mágicos”): Flora Vieira Chagas, Kauê Persona e Pedro Bonacin

Produção: Jean Carlos Sanchez