Fito Páez continua flertando com o Brasil. Em seu último disco, El Mundo Cabe en una Canción, o cantor e compositor argentino separa duas faixas para mostrar que uma dose de sua criatividade se deve a mestres da música brasileira. “Eu desafinava Tom enquanto o sol caía em Ipanema”, canta na música que dá nome ao disco. Em “Sargent Maravilla”, na mesma linha, cita Vinicius de Moraes e Chico Buarque. “Quando comecei, minhas canções tinham um ritmo, uma ginga, um sotaque sincopado que a música argentina não tem. Só depois descobri que essa negritude vinha do Brasil”, explica. No fim dos anos 80, Fito fez uma espécie de acordo com os Paralamas do Sucesso. Um apresentaria o outro ao país vizinho. Os Paralamas estouraram na Argentina. Fito não teve o mesmo êxito no Brasil, mas seu nome pelo menos ficou conhecido. Mesmo assim, Rodolfo “Fito” Páez, hoje com 44 anos, não desistiu do país vizinho. Quer trazer a turnê de El Mundo Cabe en una Canción para o Brasil e incluir seu filme “De Quién Es el Portaligas?” – ele também é cineasta – no Festival de Gramado. Em março, participou de um show de Daniela Mercury em Natal. “O clima estava divino. A praia, extraordinária. E as mulheres, belíssimas”, lembra. “Não vejo rivalidade entre Brasil e Argentina. Isso é coisa do futebol.” Fito Páez falou à reportagem por telefone, de sua casa, em Buenos Aires.

AGÊNCIA ESTADO — O que este disco tem de novo em relação aos anteriores?
FITO PÁEZ — É difícil fazer algo realmente novo depois de tantos anos. As músicas abordam os mesmos temas: os vínculos entre as pessoas e o imaginário no qual crescemos. Existe uma frase muito simpática que diz que “uma soma de erros forma um estilo” (risos). De tanto cometer erros, cheguei a ter meu próprio estilo. As mudanças abruptas de ritmo, por exemplo, são parte da minha personalidade. É uma marca em todos os álbuns. Se neste disco fiz uma boa repetição de mim mesmo, isso já é um grande mérito (risos).

AE — O piano está sempre presente também. Você se considera diferente dos demais roqueiros por ser pianista?
PÁEZ — É provável, já que há poucos pianistas no rock em espanhol. Fora Charly García, que é o mestre, não me lembro de outros que ao mesmo tempo componham, cantem e toquem teclado. O piano dá uma marca e enriquece a música.

AE — Neste disco, você faz várias referências à música brasileira…
PÁEZ — Meu pai era um grande ouvinte de Tom Jobim e João Gilberto. Por tabela, era o que eu ouvia na infância. Quando comecei a fazer música, minhas canções tinham um ritmo, uma ginga, que a música argentina não tem. Descobri que essa negritude vinha do Brasil.

AE — O que você tem ouvido da música brasileira atual?
PÁEZ — Os últimos discos que ouvi, e que me impactaram muito, foram Cê, de Caetano Veloso, e Carioca, de Chico Buarque. Continuam mantendo a tradição modernista brasileira: Caetano, provocando como sempre; e Chico, com sua estirpe aristocrática.

AE — Os argentinos gostam da música brasileira?
PÁEZ — Não me lembro de nenhum músico brasileiro que passou por Buenos Aires sem ter sido tratado bem pela crítica e pelo público. A música brasileira sempre foi muito apreciada, porque ela é de fato especialíssima.

AE — No Brasil, existe uma dificuldade para aceitar a música em espanhol…
PÁEZ — Isso acontece principalmente por causa da ignorância das companhias de disco, que acham que a música em espanhol não é negócio. Faz 20 anos que toco no Brasil, e cada vez mais a resistência diminui. Os empresários consideram que o espanhol não é fácil para os brasileiros. Mas eu pergunto: por que o inglês é?

AE — O que chega ao Brasil são Shakira, Ricky Martin, Thalia….
PÁEZ — Isso não é música latino-americana. É a música que os gringos querem ouvir, é a versão que os gringos fazem do que acontece na América Latina. Além disso, nenhum desses cantores vive na América Latina, nenhum deles nem sequer sabe o que acontece na América Latina (risos).

AE — Você e os Paralamas criaram uma relação produtiva nos anos 80…
PÁEZ — Eles aqui tinham a popularidade de um grupo argentino.

AE — Você não teve a mesma recepção…
PÁEZ — Como falávamos, aí a resistência é um pouco mais forte.

AE — Como é a relação de vocês hoje?
PÁEZ — Não temos o contato de antes. Agora tenho de cuidar de filhos e fazer filmes. Mas guardo um carinho muito grande pelos Paralamas.

AE — Como anda sua carreira no cinema?
PÁEZ — Meu próximo filme estréia aqui em junho. Eu gostaria muito de ir com ele pelo menos aos festivais de Gramado, do Rio e de São Paulo. Tomara que um dia possa passar nos cinemas do Brasil.