Irene Ravache fala sobre a peça “Alma Despejada” que estreou em Curitiba na sexta. Veja a entrevista completa

A atriz revelou ao Bem Paraná sua relação com a finitude da vida, seus encontros e saudades de Curitiba e falou sobre a recepção do público com a peça

Lívia Berbel e Luisa Mainardes
ALMA DESPEJADA – DNG

© Joao Caldas Fº

Depois de temporada de sucesso em São Paulo, chegou a Curitiba ‘Alma Despejada’, um dos mais comentados espetáculos da carreira da premiada atriz Irene Ravache, que completa 80 anos em 2024. Com direção de Elias Andreato e texto exclusivo e produção de Andréa Bassitt, a peça, que faz o uso do bom humor e da delicadeza para lidar com a vida e a morte, conta a história de Teresa que, depois de morta, visita sua casa pela última vez, pois o imóvel foi vendido e sua alma despejada.

Ao Bem Paraná, a atriz contou sobre sua relação com Irene, sua personagem, e revelou suas reflexões sobre a finitude da vida. Confira a entrevista agora.

Bem Paraná – Irene, conta pra gente (ou, melhor, pros nossos leitores) uma sinopse da peça.

Irene Ravache – Alma Despejada conta a história da Teresa. Teresa é uma senhora. E que, logo no início do espetáculo, ela informa para a plateia que ela está morta. E que ela é a última vez que ela vai visitar essa casa, que é a casa que ela passou a vida toda, porque. Porque a casa foi vendida e a alma dela foi despejada. E então ela começa a contar as lembranças que ela tem dessa casa, com as pessoas, com a família, e ela vai no desenrolar dessas lembranças, vão aparecendo. A princípio você acha que tudo na vida dela foi suave. Aí o espectador vai vendo que não, né? Com todo mundo, não é? A vida não é assim. Mas isso tudo ela vai contando de uma forma muito, muito leve. Mesmo quando ela toca em assuntos mais sérios. É sempre tem um humor permeando e é um texto poético. É, eu acho que é como é a vida mesmo, né?

Bem Paraná – Agora, como é se imaginar “morta”? No caso, imaginar a consciência de uma pessoa depois que a vida dela acabou?

Irene Ravache – Eu costumo dizer que a minha festa métrica está curta, por causa da minha idade. Então de vez em quando o assunto finitude passa. Eu frequento, não tanto quanto eu gostaria, mas tem um grupo lá em São Paulo chamado Ideac, que é onde a gente estuda o envelhecimento. Então, como eu já venho mais ou menos estudando falando sobre isso. Não foi difícil me deparar com a Teresa. Tem momentos que eu me emociono muito, porque as emoções delas são muito parecidas com as minhas. Que e eu fico assim pensando: ah, como eu gostaria que fosse em alguns momentos um pouco diferente, né? Em outros: ai, que bom que é assim. Mas é. Se você me perguntar se eu tenho medo? Em alguns aspectos, sim. Acho que eu vou falar uma coisa que todo mundo fala. Não é exatamente de morrer, mas é do sofrimento que envolve, não é? Não quero saber o que tem do outro lado. Eu acho que o momento do nascimento e o momento da morte que são momentos solitários, não é? Mas eu digo aquele momento, o que é que acontece naquele momento é único na vida. Não sei se é assim, mas se for dada a chance de ter uma surpresa. Ai eu quero viver essas. Eu não quero que me contem, entendeu?

Bem Paraná – E como é pensar em um texto que lida com a vida e a morte depois de tempos difíceis de pandemia? Isso repercute em você ou no texto de alguma forma?

Irene Ravache – Durante durante a pandemia, meu marido e eu ficávamos, assim, muito assustados, porque os idosos, eles eram os mais afetados. Principalmente pelo isolamento. Sabíamos dos casos das pessoas que estavam hospitalizadas e que não podiam receber a visita de ninguém. E eu imaginava, meu Deus, deve ser muito, muito, muito triste isso, muito triste. E sentia muito por essas pessoas. Eu não tive nenhum parente, nenhum amigo que morreram de COVID. Mas você não precisa que seja seu parente, é um outro ser humano, é uma pessoa igual a você. É impossível você não ter uma empatia pelo sofrimento de alguém, não é? Nós ficávamos bobos, abismados com os comentários que vinham por parte do nosso então presidente da República, diante do sofrimento. Se você não se comove com o sofrimento, vai se comover com o quê? A gente imagina que há um gesto de solidariedade, de compaixão, e isso nós não recebemos.

Bem Paraná – Nem sempre temos a chance de acompanhar uma protagonistas na idade de Teresa, qual tipo de retorno sobre a peça você recebe do público mais velho, especialmente das mulheres?

Irene – Lá em São Paulo, onde até agora eu apresentei o espetáculo o maior número é de mulheres. As mulheres da minha faixa etária, pós-covid, eu acho que elas têm uma fome de vida. Eu acho que antes elas eram preconceituosas, mas elas foram perdendo isso, pelo menos as mulheres que iam lá no teatro. Chegavam perto, queriam abraçar, que queriam confraternizar. Chegavam falando de suas idades, que vinham do interior. Estão falando delas, de uma fome de vida delas. De uma vontade de ser feliz. Então, eu tive esse retorno.

Bem Paraná – Está acostumada em passar por Curitiba? O que acha da cidade?

Irene – Então fazia tempo que eu não vinha. Eu sempre venho a trabalho, já me apresentei aqui com vários espetáculos. Gosto muito da cidade porque eu tive dois cicerones fantásticos, né. O Jaime Lerner e a Lúcia Camargo. Eu tenho uma saudade da Lúcia enorme. E tem uma coisa assim, eu sei que eu vou ficar muito emocionada. A Lúcia foi assistir o espetáculo na véspera do dia que ela passou mal. Ela foi assistir o espetáculo, no dia seguinte ela passou mal e faleceu. E como a nossa ligação, minha, do meu marido, com ela é muito grande. Das coisas que eu mais gostava da Lúcia Camargo, primeiro lugar, a simplicidade dela. A Lúcia é uma pessoa que eu não tinha frescura, né? Depois, a cultura dela. A Lucia você podia conversar com ela sobre sobre dança, sobre arte plásticas. E o respeito pelos profissionais da cultura? Coisa muito bonita. Gostava muito de das artes, o que era bonito. É uma pessoa… que não temos muita gente assim.

Serviço“Alma Despejada”, com Irene Ravache

Data: 1º, 2 e 3 de março (sexta e sábado, 20h, e domingo, 19h).
Local: Teatro Fernanda Montenegro (Rua Cel. Dulcídio, 517 – Shopping Novo Batel)
Ingressos: A partir de R$ 70 (disk ingressos.com.br)
Classificação: 12 anos
Duração: 80 minutos