INÁCIO ARAUJO

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A trajetória de Roberto Farias, morto de câncer nesta segunda (14), no Rio, aos 86 anos, ilumina, como poucas, a complexidade e as contradições do cinema brasileiro nos últimos 70 anos.

Formado na escola do cinema popular, Farias entra para a Atlântida em 1951 como assistente de direção. Seis anos depois assina seu primeiro filme, “Rico Ri à Toa”, produção da Brasil Vita Filmes com Zé Trindade no papel principal.

Farias vive a decadência da chanchada, de que é sintomático seu “Um Candango na Belacap” (1960).

Nesse momento, já busca novos caminhos. Sintonizado com o cinema dos anos 1950, volta-se ao filme policial, do qual se torna um dos grandes artesãos brasileiros com “Cidade Ameaçada” (1960) e, sobretudo, “Assalto ao Trem Pagador” (1962).

A sintonia com o cinema popular acentua-se ao longo daquela década dominada pelo cinema novo.

Farias toma o contrapé desse movimento. Dirige primeiro a comédia “Toda Donzela Tem um Pai que É uma Fera” (1966) e produz entre 1968 e 1971 a trilogia do cantor Roberto Carlos (“R.C. Em Ritmo de Aventura”, “R.C. e o Diamante Cor-de-Rosa”, “R.C. a 300 Quilômetros por Hora”).

Era sócio, na época, da produtora R.F. Farias, com os irmãos Riva Farias e Reginaldo Faria -este, até então conhecido apenas como ator, com “Os Paqueras” (1969), foi lançado pelo irmão na direção.

Até seu engajamento foi francamente ligado a um cinema voltado ao grande público. Em meados dos anos 1970, no entanto, assume a direção geral da Embrafilme, num momento de aproximação entre a tradição do cinema popular e os cineastas oriundos do cinema novo.

Tem início então talvez o momento mais bem-sucedido da estatal. Farias instaurou a política da “qualidade internacional”, que talvez tenha funcionado mais internamente do que outra coisa.

Ao mesmo tempo em que associava a tradição do cinema novo à busca por um público amplo, a distribuidora deva sequência a uma fértil associação com Os Trapalhões, que garantia a possibilidade de outros filmes, de menor alcance, conseguirem distribuição decente.

Após deixar o cargo, já no período da abertura, Farias lança-se talvez a sua mais ousada aventura: “Pra Frente, Brasil”, de 1982.

Talvez a abertura não fosse assim tão aberta; o certo é que esse filme -possivelmente o mais popular a tocar no assunto e no qual a tortura é exposta com todas as letras- terminou gerando a demissão do então diretor-geral da empresa, Celso Amorim.

Apesar dos problemas, o filme alcançou boa repercussão ao ser lançado. Independentemente dos problemas políticos, Roberto Farias deu-se conta de que era do cinema popular chegava ao seu final.

Após uma última comédia, “Os Trapalhões no Auto da Compadecida” (1986), Farias dedicou-se essencialmente à televisão: o novo veículo de difusão de uma arte popular se impusera enfim ao cinema -mais tarde, ele se tornaria sócio-fundador do Canal Brasil, no ar desde 1998.

Apesar disso, permaneceu ativo como produtor e nas discussões sobre o ressurgimento do cinema brasileiro, golpeado pelo fechamento da Embrafilme, em 1990, no primeiro dia do governo Collor.

Farias deixa a mulher, Ruth Albuquerque, e os filhos, Maurício, Mauro, Lui e Marisa. Seu corpo seria velado nesta terça, das 9h às 17h, na capela 1 do Memorial do Carmo, no Rio.