Aline Nunes
Agência Estado

As críticas e a baixa audiência da novela “Tempos Modernos” não atingem Antônio Fagundes, que faz o protagonista Leal na trama. Consagrado no teatro, no cinema e na TV, o ator de 60 anos sabe que papéis, para ele, não devem faltar, mesmo quando a idade avançar. Nesta entrevista, concedida por telefone, o ator desmente os boatos de que deixaria a novela e fala da fama de mal-humorado. Só não comenta o namoro com Alexandra Martins, atriz de 30 anos que também está em “Tempos Modernos”. A ligação caiu assim que veio a pergunta sobre Alexandra. E Fagundes não retornou mais as chamadas.

Agência Estado — Você não gosta de tecnologia e em “Tempos Modernos” fala com um computador. O personagem mudou seus conceitos?
Antônio Fagundes — Não, até porque a relação dele com os eletrônicos é meio conflitante. Ele briga com o computador, então me identifico também nesse sentido com o personagem. A postura do Leal é mais ou menos parecida com a minha. Eu respeito, mas não gosto do uso

Agência Estado —  Não se sente atrasado em relação ao resto do mundo?
Antônio Fagundes — Bom, até hoje não tem me dado nenhum problema quanto a isso. Eu tenho pra mim que o computador veio resolver os problemas que nós não tínhamos.

Agência Estado — Bosco Brasil, autor da novela, tem formação no teatro. Sente alguma diferença no texto?
Antônio Fagundes —  Não, os veículos são diferentes. Ele não pode trazer para a televisão a experiência dele do teatro até porque a televisão é muito mais rápida. Eu tenho certeza de que o Bosco está buscando uma nova linguagem. Acho que algumas pessoas foram precipitadas nas críticas. Acho até que houve um período de baixa recepção no Ibope (hoje a novela marca 25 pontos de média, ante 33 da antecessora Caras & Bocas), mas a gente estreou a novela numa época terrível, no período de férias, quando as pessoas não estão em casa.

Agência Estado —  Inclusive foi dito que você deixaria o folhetim…
Antônio Fagundes — Tem um tipo de profissional – e infelizmente todas as áreas são assim – que não é muito sério, né? Esse profissional que soltou essa notícia se tivesse me consultado teria recebido uma negativa. E teria não se permitido publicar uma coisa dessas. As pessoas, às vezes, soltam pequenas pérolas de desinformação que são desagradáveis depois pra ficar desmentindo. O melhor é ignorar.

Agência Estado —  Está sentido com a saída de Aguinaldo Silva da novela (o autor supervisionava o texto de Bosco Brasil e optou por sair)?
Antônio Fagundes — Tenho a impressão de que ele nunca participou muito seriamente da confecção da novela, então talvez não mude nada.

Agência Estado — O Leal é um galã? Você já disse que carrega esse estigma por conta de tantos papéis do tipo na TV.
Antônio Fagundes — Que bom! Tô com 60 anos. Ser galã aos 20 é fácil (risos). Eu acho que personagem de televisão é o que o autor quiser que ele seja. O autor é o nosso Deus. Então, se ele quiser transformar o Leal no homem mais bonito do País, ele fará isso, e isso independe de mim.

Agência Estado — Por que os autores sofrem para lançar novos galãs?
Antônio Fagundes — Talvez porque isso não esteja tão diretamente ligado à beleza física como as pessoas imaginam. Talvez porque seja uma coisa mais ligada ao carisma, à personalidade, a trabalho de ator, e à junção dessas, digamos, qualidades.

Agência Estado — A nova classe de atores carece de mais estudo?
Antônio Fagundes —  Esse é um problema que nós vamos começar a enfrentar agora, ainda estamos numa fase de transição. A internet é um veículo extraordinário, mas a forma com que está sendo usada talvez deixe problemas graves, principalmente na área cultural. A internet está acabando com a indústria fonográfica, com a indústria cinematográfica, com a edição de livros…

Agência Estado — O mercado é injusto com o ator quando ele envelhece?
Antônio Fagundes —  Isso a gente está vendo na própria sociedade, não é só na arte No Brasil, que não é mas se considera um país jovem, as pessoas depois dos 30 anos são consideradas descartáveis. Mas as pessoas que acham que a juventude é a coisa mais importante se esquecem que também vão envelhecer.

Agência Estado —  Não se preocupa com a velhice?
Antônio Fagundes — Pelo contrário, sempre vai ter um bruxinho velho para eu fazer na TV…

Agência Estado — O próximo será o papel de Sinhozinho Malta (no filme “Roque Santeiro”). Está pronto?
Antônio Fagundes —  Que bom, não é? Então, talvez tenha um atraso no começo do filme (previsto para rodar em julho). Preciso do roteiro ainda. Eu não acompanhei a novela, não consegui ver. Na época, eu fazia muito teatro, não assisti.

Agência Estado — Esse papel foi imortalizado pelo Lima Duarte e suas pulseiras.
Antônio Fagundes —  Eu brinco que peço todo dia desculpa por ousar fazer um personagem que o Lima fez (risos). Principalmente porque eu considero o Lima um dos maiores atores deste País, senão do mundo.

Agência Estado — O filme é uma releitura da novela. Falta criatividade nas obras que são adaptadas?
Antônio Fagundes —  É um fenômeno internacional. Você vê até o sucesso das histórias de quadrinhos no cinema, adaptações de romances para o cinema e romances escritos a partir de filmes. Isso é muito rico O próprio Shakespeare em raras vezes escreveu histórias originais. Nós só conhecemos Hamlet do Shakespeare porque essa é que foi a boa. Sempre brinco com as pessoas que me falam que gostam de novidades, pergunto se já leram Dostoiévski. Porque se elas não leram, é novidade pra elas. A busca eterna da novidade é um contrassenso.

Agência Estado — E o que é novidade para você?
Antônio Fagundes — Só Shakespeare escreveu 37 excelentes personagens, isso os protagonistas. Mas tem outros 30 em cada peça. Só em Shakespeare tenho uns mil e poucos que ainda não fiz. Ainda tenho um monte de coisa pela frente.

Agência Estado —  Há oito anos você está na condição de aposentado. Tem planos para largar a TV?
Antônio Fagundes —  É como o Fernando Henrique Cardoso. Ele já está aposentado há muito mais tempo do que eu. Olha, quando eu tiver uns 90 anos acho que vou começar a pensar nisso (risos).

Agência Estado — Na peça “Sete Minutos” você reclamava do comportamento da plateia – atrasos, celular que toca… Hoje, no espetáculo “Restos”, em cartaz no Rio, mudou algo?
Antônio Fagundes —  Continua a mesma coisa. As pessoas continuam não ouvindo o pedido para desligar o celular, mas agora acho que tem um problema mais grave, porque houve uma mudança grande de público.

Agência Estado — Por quê?
Antônio Fagundes —  Porque o público que a gente estava acostumado se afastou um pouco e entrou um público novo que a gente não está reconhecendo muito bem. Então vamos ter que fazer um novo processo de reconhecimento. Talvez eu escreva “Sete Minutos 2” daqui a alguns anos.

Agência Estado —  Você tem fama de ser mal-humorado com os seus fãs, ter preguiça de dar autógrafo. É verdade?
Antônio Fagundes — O que é verdade é assim: se você dá autógrafo pra mil pessoas, essas mil pessoas não vão sair por aí falando que você dá autógrafo.
Mas se você deixa de dar autógrafo pra duas, essas duas vão transformar sua vida num inferno. Você vai ser o cara mais mau caráter, mais idiota, mais arrogante, mais metido. Agora, as outras mil que pegaram seu autógrafo vão felizes embora pra casa. Elas jamais vão escrever para o jornal dizendo ‘olha que maravilha: ontem, recebi um autógrafo do Antônio Fagundes’. É assim que funciona.