É muito interessante a visão que o russo Sergei Bodrov lança sobre a Mongólia e seu líder supremo nos longínquos séculos 12 e 13. Na história “vulgar”, aquela que chega a nós pelo conhecimento de ouvir dizer, o chamado senso comum, o nome de Gengis Khan é associado a banhos de sangue, ferocidade e ambição sem limites. Já a Mongólia é uma terra distante, de longos espaços abertos, tribos nômades perdidas nas estepes. Se o filme explora bem, visualmente, esses espaços largos, e não decepciona quem dele espera muita ação (há intensas e bem filmadas batalhas), a ênfase principal recai em outra parte. Isso porque Temudjin, que é o nome “civil” do personagem, é retratado menos como homicida irracional da era das trevas e mais como um conquistador consciente, um unificador das tribos mongóis sob a bandeira de um império.

A história é contada desde a infância de Temudjin, quando ele está escolhendo, ainda criança, sua futura mulher. Só que a vida não lhe sorri. O pai é assassinado e ele passa por incontáveis privações, até ser salvo pelo irmão, com quem, no entanto, estabelecerá um confronto pelo poder. A trajetória de Temudjin é típica daquilo que os roteiristas de Hollywood chamariam de “a jornada do herói”. Segue as etapas tidas como clássicas em mitos, como o de Ulisses – a saída de casa, as dificuldades, as provações, as alianças necessárias para combater os oponentes e, por fim, a volta. Tudo isso acontece, mas não da maneira esquemática como é aplicada aos blockbusters. A intenção, clara, de Bodrov é aproveitar-se desse esquema para colocar essa figura histórica na moldura desse quadro compreensível, mas, aí está a diferença, ao mesmo tempo lançar um olhar diferente sobre ela, livrando-a dos estereótipos ocidentais.

Dessa forma, o Temudjin vencedor (interpretado pelo ator japonês Tadanobu Asano), aspira a ser o Khan, o monarca, não apenas para acumular o poder, mas para estabelecer um império da lei. Mesmo que essa lei seja das mais simples e composta de poucos e óbvios itens – não matar mulheres e crianças, não trair o Khan, não fugir à batalha, etc – ainda assim é uma lei e, sob ela, em tese, a vida torna-se mais confortável e previsível. Esse Gengis Khan legislador é a grande novidade na abordagem de Bodrov.

A recuperação da figura não para por aí. Em lugar de um bruto sanguinário, o que vemos é um homem valente, mas em certa medida piedoso (perdoa o irmão e o deixa com vida após derrotá-lo) e compassivo até mesmo com a mulher, Börte (Khulan Chuluun), lembrando que o gênero feminino não era exatamente possuidor de igualdade de direitos naquela época. Mesmo porque suspeitamos que esteja em jogo um desejo oculto do diretor, o de discutir, através da Mongólia e Gengis Khan, um outro império, o soviético, que, como o mongol, um dia foi poderoso e depois se reduziu. A Mongólia fica encravada entre a China e a Rússia e mantém vínculos históricos com esses dois países. Depois da dissolução do império mongol, fundado por Gengis Khan, a Mongólia foi dominada pela China até se tornar independente em 1921, apoiada pela então União Soviética. Mas parece que são os paralelismos históricos que mais motivam Bodrov nesta reavaliação de Gengis Khan.

Não se pode dizer que o filme exale um aroma nostálgico mas ele talvez reflita um certo ressentimento da maior parte do povo russo com a dissolução do seu próprio império na era Gorbachev. Este passou à história russa como quem liquidou, para o bem ou para o mal, uma federação de países.