Nick Naylor, o protagonista falante de Obrigado por Fumar (Thank You for Smoking, EUA, 2005) é um anti-herói politicamente e assumidamente incorreto, em um mundo onde tudo caminha para o correto. Para Nick, vivido pelo ótimo Aaron Eckhart, o fato de que o cigarro mata 1.200 pessoas por dia é menos importante do que a capacidade humana de encontrar argumentos convincentes para justificar qualquer atitude. É sobre esta habilidade, a do discurso, que o filme é construído, o que faz do longa uma deliciosa sátira sobre o papel da verdade e da moral no mundo contemporâneo. Não deixa de ser uma alfinetada bem dada na hipocrisia dos republicanos asseclas de Bush, que até hoje tentam convencer o mundo que o Iraque merecia levar uma surra por conta de armas químicas nunca encontradas.


Nick tem um emprego ingrato, mas que ele adora: ele é porta-voz da indústria do tabaco. Por conta da impopularidade de seu trabalho, reconhece logo no início do filme que “poucas pessoas neste planeta sabem o que é ser desprezado”. Mas Nick não está nem aí para o desprezo alheio. Tem um ótimo padrão de vida e é adorado pelos seus chefes – ainda que um deles tente roubar suas idéias criativas. Tamanha auto-confiança tem seus limites. Nick cede aos encantos de uma bela repórter e na cama confessa segredos que podem acabar com sua carreira. “Se você argumenta bem nunca está errado”, ensina Nick ao filho, de quem tenta se aproximar. O menino aprende a lição, transmitida sem pudores e de forma direta. Em mundo de mentiras, movido por dinheiro e aparências, o melhor a fazer á garantir uma versão consistente dos fatos que, em si não interessam. É uma lição de sobrevivência, amarga, cruel até, mas que não deixa de conter uma crítica ao comportamento humano.


O humor negro é o ponto alto do filme. São memoráveis as cenas em que Nick encontra seus colegas lobbistas da indústria de álcool e de armas. Os três discutem quem tem mais direito a ser ameaçado de morte, tendo como base a quantidade de mortes diárias, provocada por armas (30 por dia), álcool (100) ou cigarro (1200). Nick, bom de argumentos e de números, vence o debate. Um dos barões do tabaco confessa em certo momento que se sente como um traficante colombiano. “Hoje quem fuma nos filmes ou é psicopata ou é europeu”, diz um dos personagens.


A narração em primeira pessoa aproxima o espectador de Nick, que faz análises inspiradas de suas atitudes e dos obstáculos que enfrenta – como participar de programas de TV com uma criança morrendo de câncer ou subornar o ex-cowboy de Marlboro.


Obrigado por Fumar parte da indústria do tabaco para discutir, com um estoque de ironia mordaz que não poupa ninguém, conceitos como liberdade, certo e errado.