A escritora sul-coreana Han Kang ganhou o Prêmio Nobel de Literatura 2024, por “sua intensa prosa poética que confronta traumas históricos e expõe a fragilidade da vida humana”, conforme anunciado pela Academia Sueca. O anúncio foi feito às 8h desta quinta-feira, 10.

Tradicionalmente, os organizadores do prêmio ligam para o escolhido antes do anúncio oficial. Quando recebeu a notícia, a autora estava tendo um dia comum, e tinha acabado de jantar com seu filho. Celebraria em silêncio, tomando chá.

O presidente do comitê do Nobel, Anders Olsson, ressaltou a “empatia física de Han pelas vidas vulneráveis, muitas vezes femininas” de seus personagens. Anna-Karin Palm, membro do comitê de literatura do Nobel, disse que Han escreve “uma prosa lírica intensa que é ao mesmo tempo tenra e brutal, e às vezes também um pouco surrealista”.

Han é a primeira sul-coreana a receber o Nobel de Literatura, e a segunda a ganhar um Nobel. Em 2000, o ex-presidente Kim Dae-jung ganhou o Nobel da Paz por seus esforços para restaurar a democracia no país durante o anterior governo militar e melhorar as relações com a Coreia do Norte.

O Nobel de Literatura é concedido a um autor pelo conjunto da obra. Os laureados recebem, além da tradicional medalha e do diploma, o valor de 11 milhões de coroas suecas, cerca de R$ 5,9 milhões. Os premiados são convidados para participar de cerimônias realizadas no dia 10 de dezembro, que marca o aniversário de morte de Alfred Nobel.

Vida e obra de Han Kang

Nascida em 27 de novembro de 1970 em Gwangju, na Coreia do Sul, Han Kang se mudou com a família para Seul aos 9 anos. Seu pai, Han Sung-won, é professor universitário e romancista, tendo a influenciado. Seu irmão Han Dong-rim também é escritor.

Aos 14 anos, ela já sabia que queria ser escritora. Estudou literatura coreana na Universidade Yonsei e estreou como autora em 1993, publicando poemas em uma revista local voltada para temas de literatura e sociedade. Dois anos depois, lançou o conto Love of Yeosu, passando a se dedicar à prosa. Seu primeiro romance Black Deer (inédito no Brasil), de 1998, é um suspense sobre uma mulher desaparecida.

Han Kang ficou mundialmente conhecida pela obra A Vegetariana, de 2007. O livro, escrito em três partes, acompanha a decisão da protagonista Yeonghye de não comer mais carne, tampouco cozinhar ou servir, por conta de um sonho. A escolha acaba distanciando a mulher das imposições às quais foi submetida pelo marido, a família e a sociedade ao longo da vida.

Sul-coreana Han Kang renova clichês de comédia em ‘A Vegetariana’

Em uma entrevista ao The New York Times sobre a obra, Han disse que o romance surgiu, em parte, de sua fascinação pelo levante de Gwangju em 1980, quando manifestações pró-democracia tornaram-se sangrentas após tropas do governo atacarem os manifestantes, em grande parte estudantes. Apesar de ter apenas 9 anos na época, o evento moldou, em grande medida, seu entendimento da capacidade humana para violência – e também para o sacrifício pessoal e compaixão, como ela afirmou.

A Vegetariana ganhou uma adaptação cinematográfica em 2009, do diretor Lim Woo-seong. Em 2016, o livro venceu o prestigioso International Booker Prize, atribuído a um autor, de qualquer nacionalidade, com obra publicada em língua inglesa, seja original ou traduzida. Na edição, Han competiu com nomes de peso como Elena Ferrante e Orhan Pamuk. Em 2018, foi semifinalista com Atos Humanos.

Por empregar um estilo poético e experimental, a autora se tornou um nome inovador na prosa contemporânea, justificando a escolha do Nobel. Han também tem ligação com a arte e a música, que refletem em elementos de sua produção literária.

A Academia Sueca destaca que “o trabalho de Han Kang é caracterizado por uma dupla exposição de dor, uma correspondência entre tormento mental e físico com conexões próximas ao pensamento oriental”.

Ao The Guardian, há alguns anos, a autora falou sobre como sua experiência tendo fortes enxaquecas desde a adolescência afeta sua percepção sobre a escrita. “Minhas enxaquecas estão sempre me lembrando de que sou humana. Porque tenho que parar meu trabalho, minha leitura, minha rotina, então me torna humilde, me ajuda a perceber que sou mortal e vulnerável. Talvez se eu fosse 100% saudável e enérgica, não poderia ter me tornado escritora”, disse.

Livros de Han Kang publicados no Brasil

A Vegetariana, Atos Humanos e O Livro Branco são os títulos da autora sul-coreana que já ganharam tradução para o português, todos publicados no Brasil pela editora Todavia.

Em Atos Humanos, publicado originalmente em 2014, a autora volta ao massacre de Gwangju, que, conforme citado, moldou sua visão de mundo e influenciou o pregresso A Vegetariana. Ela parte do episódio histórico para tratar sobre luto, memória, violência e política. Os personagens de Han são vítimas e enlutados que carregam traumas, ao passo que observam o apagamento da tragédia.

“Ao tentar dar voz às vítimas da história, o livro confronta esse episódio com uma atualização brutal e, ao fazê-lo, aproxima-se do gênero da literatura de testemunho”, descreve a Academia Sueca.

Uma tragédia pessoal assume o cerne de O Livro Branco, obra de 2016 que ganhou edição por aqui no ano passado. Han Kang escreve com tom altamente poético sobre o luto pela ausência da irmã que nunca chegou a conhecer, morta recém-nascida nos braços da mãe. O texto é construído por meio de associações a objetos brancos, cor que remete ao luto em algumas culturas orientais.

A Todavia prepara para 2025 o lançamento de I Do Not Bid Farewell, mais recente romance publicado pela autora, em 2021.

“É a consagração merecidíssima de uma autora tão singular que reinventa a forma de contar histórias a cada novo livro”, comenta Leandro Sarmatz, editor de Han no País, sobre o Nobel.

Outros trabalhos da autora, ainda inéditos em português, são: Black Deer (1998), Your Cold Hands (2002), The Wind Blows, Go (2010), Greek Lessons (2011), Europa (2012) e Convalescence (2013).

Han Kang participou da 19ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), realizada virtualmente em 2021.

Outros cotados para o Nobel de Literatura 2024

Entre os mais cotados deste ano estavam Can Xue, Gerald Murnane, Haruki Murakami, Margaret Atwood, Thomas Pynchon, César Aira e Salman Rushdie – os favoritos nas casas de apostas britânicas. Outros palpites frequentes nos últimos anos foram Alexis Wright, Mircea Cartarescu, Ngugi wa Thiong’o, Yoko Tawada, Anne Carson e Liudmila Ulítskaia.

Em 2023, o vencedor foi o norueguês Jon Fosse, por “suas peças e prosas inovadoras que dão voz ao indizível”, segundo a Academia Sueca. O escritor e dramaturgo de 65 anos ficou famoso pelo teatro, sobretudo na Europa, sendo considerado um “Beckett do século 21”. Por volta de 2010, mergulha na literatura. São mais de 40 obras publicadas, entre peças, poesia, romances e ensaios.

No Brasil, os romances É a Ales e Trilogia foram lançados no último ano pela Companhia das Letras. Já a Fósforo publicou Brancura e A Casa de Barcos, além da antologia Poemas em Coletânea. Para 2025, a editora prepara Septologia, considerada a maior obra do autor.

Antes dele, a francesa Annie Ernaux, de 84 anos, foi a laureada – em 2022, pela “coragem e agudeza clínica com que ela descobre as raízes, os distanciamentos e restrições coletivas da memória pessoal”.

Francesa Annie Ernaux ganha o Prêmio Nobel de Literatura 2022

Seus livros, quase sempre breves, mesclam autoficção e sociologia, partindo de experiências pessoais para tratar sobre relações familiares, aborto, violência, direitos das mulheres e preconceito de classe. Sua obra, com títulos como O Lugar, Os Anos e O Acontecimento, vem sendo publicada no Brasil pela Fósforo. (COM INFORMAÇÕES DA AP)

Os mais recentes vencedores do Prêmio Nobel de Literatura:

– Jon Fosse (2023)

– Annie Ernaux (2022)

– Abulrazak Gurnah (2021)

– Louise Glück (2020)

– Peter Handke (2019)

– Olga Tokarczuk (2018)

– Kazuo Ishiguro (2017)

– Bob Dylan (2016)

– Svetlana Aleksiévitch (2015)

– Patrick Modiano (2014)

– Alice Munro (2013)

– Mo Yan (2012)

– Tomas Tranströmer (2011)

– Mario Vargas Llosa (2010)

– Herta Müller (2009)

– Le Clézio (2008)

– Doris Lessing (2007)

– Orhan Pamuk (2006)

– Harold Pinter (2005)

– Elfriede Jelinek (2004)

– J.M. Coetzee (2003)

– Imre Kertész (2002)

– V.S. Naipaul (2001)