SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Hábeis nas estratégias de publicidade, para obter apoio, os dadaístas repetiam uma série de slogans nos mais variados contextos. “Junta-te ao dada” era apenas um dos lemas enunciados energicamente por eles. Mais de um século depois, não seria exagero dizer que o convite para aderir ao movimento ainda reverbera.

Nesta sexta (26) e sábado (27), o Tempo Festival, no Rio de Janeiro, apresenta como parte de sua programação o Studio Cabaret Voltaire. O programa -cujo nome é referência à casa de espetáculos comandada pelo poeta Hugo Ball em 1916, considerada o berço do dadaísmo- propõe uma atualização do movimento artístico para propor uma saída aos problemas do nosso tempo. O evento conta com a apresentação de 23 artistas, entre atores, poetas, músicos e performers.

“O fato de ser um movimento mais de impulso humano em direção à arte do que uma escola é o que faz o dadaísmo sobreviver”, diz o diretor Jefferson Miranda, responsável por acompanhar o desenvolvimento de cada um dos projetos que serão agora apresentados.

“O dada vem para dizer que o mundo está uma droga e que é preciso destruí-lo para depois inventá-lo mais uma vez”, completa. “E existe agora um estado de desconforto e uma vontade de nascer de novo.”

Não à toa, todos os trabalhos que integram o evento tratam, a seu modo, do contexto sociopolítico do país. Clarisse Zarvos, por exemplo, realiza uma paródia do manifesto dadaísta de Hugo Ball para falar da “lama em que nós estamos vivendo”. Nina Reis, na performance “Lady Ice”, critica “uma sociedade na qual poucos emergem à superfície”. Já Francisco Ohana explora a vulnerabilidade do masculino em uma ação que envolve roupas de super-homem e a leitura do manifesto “Ato de Falhar”. 

A iniciativa do Studio surgiu a partir da visita do diretor Cesar Augusto, um dos curadores do Tempo Festival, ao espaço original do Cabaret Voltaire, em Zurique. Ponto de encontro entre artistas que buscaram, durante a Primeira Guerra Mundial, a pacífica Suíça como refúgio, o local funcionou por poucos meses, mas lançou a faísca que faria o dadaísmo um movimento de repercussão internacional.

Foi ali que artistas como Tristan Tzara, Hans Arp e Marcel Janco reagiram à brutalidade da guerra com leituras, canções, danças e números musicais. Buscavam métodos pouco ortodoxos, como a ironia, a irracionalidade e o choque, para estabelecer uma nova ordem.

Entre as ações que promoviam, estavam os poemas simultâneos, lidos ao mesmo tempo por vários intérpretes, e a poesia sonora, na qual as palavras eram dissecadas em sílabas fonéticas individuais e esvaziavam a linguagem de sentido.

O endereço oficial dessas experimentações, reaberto em Zurique há apenas quatro anos, foi palco em 2016 -por ocasião do centenário do dadaísmo- de uma homenagem que durou165 dias para dar conta dos 165 artistas dadaístas. Além da efeméride, no entanto, o novo Cabaret Voltaire busca manter uma programação constante, com performances e exposições. O mexicano Carlos Amorales, por exemplo, mudou a aparência do local na mostra “Learn to Fuck Yourself”, na qual revestiu todas as paredes com desenhos.

“O dada se mantém contemporâneo porque nós temos os mesmos problemas que tínhamos há cem anos. Capitalismo, consumismo, populismo, guerras”, arrisca Adrian Notz, diretor do espaço. “Mas talvez devêssemos parar de olhar para trás para sermos capazes de agir e seguir adiante.”

Tentativa semelhante aconteceu no Brasil em 2002, quando estudantes de artes da Universidade Federal de Goiânia, influenciados pelo espírito dadaísta, resolveram criar um evento que levou o nome de Cabaret Voltaire. Uma das performances mais marcantes deste dia, “Cintada 1,99”, convidava o público a utilizar o adereço disponível como forma de monetizar os golpes proferidos nas costas nuas do artista.

O sucesso da iniciativa se desdobrou em outras edições e acabou ganhando endereço fixo, a casa de Babidu, um dos integrantes do grupo performático Empreza. Em 2016, já como sede dos eventos em comemoração aos cem anos do movimento artísticos, o espaço recebeu a chancela do diretor do cabaré suíço, Adrian Notz, com direito à placa vinda diretamente de Zurique.

A programação inusitada do Cabaret Voltaire Goiânia já incluiu, inclusive, a recriação ao vivo de uma das telas mais famosas de Marcel Duchamp, “Nu Descendo a Escada” -o happening, que começou com apenas dois artistas despidos, em apenas vinte minutos, conquistou a participação espontânea de mais de vinte pessoas.

“Não se trata de recriar manifestações, mas de manter o espírito dadaísta de ultrapassar limites”, diz Thiago Lemos, um dos integrantes do Empreza. “A construção dadaísta já se encerrou, mas foi esse movimento tornou possível a arte contemporânea”, completa Babidu.

Com os eventos em que a surpresa e o escândalo eram elementos calculados, há quem diga que o movimento artístico iniciado no século 20 acabou vítima do seu próprio sucesso, no momento em que o choque se tornou prazer, o espanto se tornou riso. Esse risco, segundo Miranda, o Studio Cabaret Voltaire, no Rio de Janeiro, não corre. “Não há uma segunda vez para o choque e por isso essa ideia nunca me fascinou”, explica o diretor.

“O que vale é inventar um outro lugar de percepção. E acredito que agora, quando tudo parece tão contrário, é o momento de acreditar na vida. Nosso cabaré será um pouco mais feliz”, ele acrescenta.

Nesse reino da paz, o espaço de inspiração dada em Goiânia parece ter parcela. “Aqui é um local antifascista, antibelicoso, onde nunca houve nenhuma briga”, diz Babidu. No meio da polarização que assola o Brasil, os exemplares nacionais do Cabaret Voltaire, tal qual o dadaísmo, também estão em busca de uma nova ordem. São como pequenas versões de uma pacífica Suíça.

STUDIO CABARET VOLTAIRE

Quando: Sex. (26) e sáb. (27), às 19h.

Onde: Oi Futuro Flamengo (r. Dois de Dezembro, 63, Flamengo)

Preço: R$30,00 (inteira)

Classificação: 18 anos