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Cláudia Abreu: “A condição da mulher não mudou tanto em 100 anos” (Foto: Pablo Henriques)

Neste fim de semana, em Curitiba, a atriz Cláudia Abreu traz o espetáculo “Virgínia”, que relembra a vida e obra da escritora inglesa Virginia Woolf. O espetáculo, escrito pela atriz, foi dirigido por Amir Haddad e apresenta a autora em seus últimos momentos de vida, em um monólogo que beira a lucidez e o delírio.

Depois de cinco anos de profunda pesquisa sobre a vida e obra da escritora, Cláudia traz um espetáculo inspirado no fluxo de consciência, técnica literária muito utilizada por Virginia Woolf. “Fiquei curiosa, porque percebi que ela é muito mais do que o clichê que se fala sobre ela. Quem é essa pessoa? Então, eu comecei a ler também os diários, as memórias e comecei a pensar que os fluxos de consciência que eu queria escrever, na verdade, eram os fluxos dela”, conta a atriz.

O espetáculo acontece no Teatro Guairinha nesta sexta-feira-feira (30) e no sábado (31), às 20h30, e no domingo (1°), às 19h. Em entrevista ao Bem Paraná, a atriz Cláudia Abreu conta como desenvolveu a escrita do monólogo, a sua relação com as obras de Virginia Woolf e a expectativa para as apresentações em Curitiba. Confira a entrevista na íntegra aqui.

Bem Paraná – “Virginia” é fruto de alguns bons anos que você se dedicou para estudar a vida e a obra da escritora inglesa Virginia Woolf. O que te fascinou no trabalho da autora? Qual foi o combustível que te deu todo esse gás para você fazer um mergulho tão profundo?

Cláudia Abreu – Eu já tinha lido Virgínia Woolf quando eu fiz parte da montagem de “Orlando” com a Bia Lessa, quando eu tinha 18 anos. Foi muito intenso, porque improvisamos durante oito meses a peça para o escritor Sérgio Sant’anna adaptar e fazer o texto final. Então, eu já tinha sido uma experiência muito marcante, para mim, que foi a minha primeira peça adulta profissional.

Ali, a Virgínia já estava dentro de mim, mas há um pouco mais de cinco anos, eu tinha escrito o “Valentins” para o Gloob e comecei a fazer aula de literatura com uma professora chamada Carmem Hanning, que é maravilhosa.

Eu comecei a me empolgar e falei para ela ‘Poxa, eu queria escrever sobre fluxo de consciência, eu acho isso tão interessante’. Ela me falou ‘Ah, mas quem fez isso brilhantemente foi a Virginia Woolf’ e, assim, ela me deu o “Mrs. Dalloway”. Li o “Mrs. Dalloway”, “Ao Farol”, “As Ondas”, “Um Teto Todo Seu” e aí eu comecei a me empolgar e a ler vários outros livros e contos.

O que me empolgou na Virgínia é que esse meu reencontro com ela foi muito forte, porque eu me identificava com os insights que ela tinha. Às vezes era assim uma frase, né? Isso que tem em literatura, é uma frase que você fica duas horas pensando na profundidade que aquilo trouxe pra sua vida.

Eu achava que ela não perdia nada do que ela sentia, porque muitas vezes eu poderia ter tido alguma sensação parecida sobre alguma percepção da existência, mas não teria tido essa habilidade de expressar em palavras exatamente aquela sensação.

Me assombrava como ela conseguia traduzir muito bem essas sensações muito profundas e ao mesmo tempo rápidas que temos da vida, da existência e de estar no mundo. E eu comecei a ficar muito encantada, porque eu comecei a me identificar com essa percepção sensível, de estar no mundo, da própria existência, da relação com as pessoas, que ela coloca nos personagens.

Fiquei curiosa, porque percebi que ela é muito mais do que o clichê que se fala sobre ela. Quem é essa pessoa? Então, eu comecei a ler também os diários, as memórias e eu comecei a pensar que os fluxos de consciência que eu queria escrever, na verdade, eram os fluxos dela.

O que será que se passou na cabeça de uma mulher tão sensível e genial quando ela percebeu que, de fato, tinha conseguido se matar? Aquela sensação de delírio, porque a peça se passa nesses últimos instantes de consciência dela, sem oxigenação, embaixo d’água.

Então, isso me deu uma liberdade muito grande de não mimetizar a Virgínia nessa figura restrita da deprimida, angustiada e genial, o que me possibilitou ampliar as várias Virgínias que certamente existiam dentro dela. E não só ela, como todos os outros fluxos de consciência que estão dentro dela, que são as pessoas que viveram a vida junto com ela e que ajudam a contar essa história.

BP – Você tem uma obra ou um texto favorito da Virgínia Woolf?

Cláudia – Tenho, “As Ondas”. Eu gosto muito de “Mrs. Dalloway”, de “Ao Farol”, “O Quarto de Jacob”, eu gosto também. Gosto de “Um Teto Todo Seu”, que não é ficção. Gosto dos contos, mas eu tenho uma predileção por “As Ondas”.

Primeiro, eu acho muito bonito você acompanhar um grupo de amigos da infância à morte. E, fora isso, é um texto muito mais poético e metafórico do que os outros. Ela sempre coloca muitas metáforas na forma poética dela de escrever, mas em “As Ondas” ela foi a fundo nisso. A analogia que ela faz entre as fases do sol com as fases da vida de uma pessoa, é tudo muito brilhante.

É um livro mais difícil. Por se tratar de uma obra mais poética e mais metafórica, te dá mais trabalho, mas esse trabalho, pra mim, é um trabalho prazeroso. Eu fico horas pensando em cada imagem que ela construiu para descrever algo real.

BP – A peça traz um conceito narrativo muito utilizado que é o “E se…”: e se pudéssemos ver o que acontece no interior de uma pessoa nos últimos instantes da vida dela? Cláudia, o que te interessou nessa abordagem?

Cláudia – Foi muito difícil escolher o recorte, porque ela tinha muitos assuntos que, em si, poderiam dar uma peça. Se eu resolvesse falar só sobre saúde mental, daria uma peça só sobre isso. Assim como a criação e o processo criativo ou as dores de família, porque foram muitas tragédias. Fora isso, o grupo de Bloomsbury poderia ter sido uma peça só sobre isso. Então, eram muitas escolhas difíceis.

Eu optei por fazer, dentro do método que eu escolhi, porque eu criei a peça de várias maneiras. Tanto de maneira clássica, parando para escrever no computador, como eu deixei o meu fluxo de consciência agir. Muitas vezes eu deixei o celular filmando e fiz uma improvisação pra mim mesma. Nessa improvisação, tudo o que estava em mim, todo o conteúdo, de tudo que eu tinha lido dela e sobre ela, saiu de uma maneira espontânea.

O recorte que acabou acontecendo foi o recorte humano. Através, exatamente, deste momento final, ela poderia lembrar de tudo, inclusive das pessoas que fizeram parte da vida dela e que poderiam dar também a sua visão e a sua contribuição nesse mosaico da existência da Virgínia.

Todas as vezes que eu sentava para escrever, eu sempre tinha uma certa dificuldade, porque eu ficava muito preocupada com a linguagem. Qual é a linguagem que eu vou usar? A Virgínia tem uma linguagem tão sofisticada. Como é que eu vou escrever?

Então, eu fui criando como escritora e criando como atriz também, porque o ator é oral. A criação dele também é na oralidade. Eu, de uma maneira criativa, também criava, improvisava o texto e criava a dramaturgia. E criando aquela voz, corrigindo o texto para tornar uma voz menos coloquial, mas também não tão formal. Ao mesmo tempo, fazendo esse quebra-cabeças, esse mosaico da vida e vendo qual seria a melhor maneira de contar sobre a vida dela.

BP – Na peça, a gente tem pouco em cena, mas ao mesmo tempo tem muito. O quão importante é para a plateia conhecer a vida ou a obra da Virginia Woolf antes de ir assistir ao espetáculo?

Cláudia – Não tem necessidade de conhecer a obra da Virgínia Woolf. Claro que se você conhecer a vida, se você tiver lido alguma coisa sobre a vida dela ou se tiver lido a literatura dela, você vai ter ingredientes a mais para se identificar e se deliciar.

Mas, ao mesmo tempo, a peça é feita para se comunicar com o público, porque você não precisa ser leitor de Virginia Woolf para entender a história de uma mulher que, assim como eu e assim como você, tem suas dores, seus medos e suas tragédias.

É uma vida muito rica, mas que poderia ser minha, ou a sua, ou de qualquer outra mulher, até porque a condição da mulher não mudou tanto em 100 anos. Ela é uma mulher que não teve condições de ir pra escola, porque foi proibida só pelo fato de ser mulher. As mulheres são tolidas da sua liberdade, são as primeiras a pagar o preço, seja por um conservadorismo, ou por uma opressão, assédio e estupro.

As mulheres até hoje estão vivendo uma situação muito parecida. Então, na real, você não precisa conhecer a obra da Virgínia. Porque, na verdade, eu não estou fazendo um tratado literário. Eu estou falando da obra dela pra falar dessa mulher que escreveu essa obra e que passou por todas essas situações.

Uma mulher que leu a biblioteca do pai, porque foi impedida de ir pra escola, foi autodidata, se tornou uma das maiores intelectuais do século XX, pioneira no feminismo e muito mais, sendo que ela foi oprimida a vida inteira.

Então, a peça se encontra mais nesse lugar da humanidade, que é comum a todos. E isso é o melhor, porque as pessoas podem sair do teatro e ir para a literatura. Eu sempre faço parceria com livrarias locais para que a obra da Virgínia esteja disponível no saguão, junto com o meu texto, editado em livro também pela Editora Nóis.

As pessoas saem com essa curiosidade sobre ela e a obra dela e já tem ali uma chance de já sair do teatro, fazer essa dobradinha teatro-literatura, que eu acho muito rica. E muito me alegra saber que as pessoas, eventualmente, podem se interessar e ir à procura de ler a obra dela por conta da peça.

BP – Neste mês, no dia 18 de agosto, a Fernanda Montenegro levou 15 mil pessoas ao Parque Ibirapuera para ler textos inspirados na filósofa francesa Simone de Beauvoir, o que é surpreendente. Por que vale tão a pena revisitar a obra, principalmente, de autoras como Virginia, Simone e tantas outras?

Cláudia – São mulheres eternas, são mulheres que têm uma palavra tão forte, têm um conteúdo feminino, mas ao mesmo tempo com uma carregada de humanidade tão profunda e existencial, que não é uma coisa só para a mulher, é para todos. Assim como Clarice Lispector, por exemplo.

São mulheres que precisamos revisitar constantemente. Elas são tão profundas, que sempre vamos ler algo novo, por mais que já tenhamos lido. Há 20 anos, eu li “O Segundo Sexo”, da Simone de Beauvoir, ou mesmo “Perto do Coração Selvagem”, da Clarice Lispector. Quando você vai reler, são outras coisas que você descobre, são outros entendimentos, assim como Virginia Woolf. Eu poderia montar várias vezes, várias outras peças sobre ela, que teriam sempre muitos assuntos para falar, e ela sempre vai ser muito atual.

Na verdade, é muito importante falar isso. Eu não estou pegando uma pessoa que é inglesa, que não tem relação com o Brasil. Não, ela tem, porque não importa a nacionalidade dela, não importa a época dela. Ela está falando de uma forma existencial, de todos nós, independentemente de sexo e gênero, independentemente de época e de país. E assim é a Simone de Beauvoir e assim é a Clarice Lispector e várias outras.

BP – E, agora, para a nossa felicidade, você chega em Curitiba. Eu queria saber um pouquinho da sua relação com a cidade. Costumam passar por Curitiba? Gosta daqui? Já tem os lugares favoritos?

Cláudia – Então, eu adoro ir à Curitiba, acho que é uma cidade muito interessante e muito potente na sua valorização à cultura. Tem o Festival de Curitiba, que é importantíssimo na cena nacional.

É maravilhoso viajar pelo Brasil, porque eu estou há dois anos viajando pelo país com essa peça, com recursos próprios. E eu fico muito encantada de poder ter essa comunicação com um assunto que me interessa tanto, falar sobre os pensamentos dela e a humanidade da Virginia Woolf, poder atingir públicos diferentes.

O público de Curitiba é diferente de Salvador, é diferente de Teresina, de Belém. E eu faço questão de receber o público e ouvir as impressões, porque isso é que é bonito. Esse contato, essa troca com o público, mas entender também como os públicos são diferentes.

É muito emocionante estar viajando pelo Brasil com essa peça. Talvez tenha sido a coisa mais importante que eu tenha feito nesses anos todos da minha carreira. É o meu primeiro monólogo e foi produzido dessa maneira tão artesanal, além de ter me proposto ir para a estrada, ir atrás do público, e acreditar nessa peça.

Eu tenho algo importante para falar, que é sobre o Beto Bruel, um dos maiores iluminadores do Brasil. O Beto Bruel é um grande iluminador, ele que criou a luz da peça, e ele é de Curitiba. Na peça, a luz é muito importante, luz e som, porque eu não tenho cenário. Como eu poderia fazer um cenário sendo que eu estou no fundo de um rio, com pedras nos bolsos, me afogando, ou seja, é como na literatura.

O teatro é muito isso, é o faz-de-conta. Então, vamos combinar que eu estou no rio, me afogando, e você cria suas imagens igual criamos na literatura, quando lemos um livro. Então, a luz do Beto Bruel, ela é fundamental para dar essa atmosfera.

Sem falar de voz, corpo. A palavra também é fundamental, mas luz e som são a atmosfera, né? Então, eu estou muito feliz de ir a Curitiba na terra de Beto Bruel, que, pra mim, é um gênio.

Serviço
Virgínia

Quando: 30 e 31 de agosto e 1ª de setembro.
Onde: Auditório Salvador de Ferrante (Teatro Guairinha), em Curitiba.
Horário: Sexta-feira (30), sábado (31), às 20h30; domingo (1°), às 19h30.
Quanto: A partir de R$ 50 (meia-entrada) + taxa de serviço.
Vendas: Disk Ingressos