A partir do lançamento de “Cabeça Dinossauro”, em 1986, os Titãs alcançaram o olimpo dos grupos de rock nacionais e se tornaram referência de inventividade musical. Após uma sequência de trabalhos importantes (Cabeça, Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas e Go Back), o grupo paulista atingiu o seu auge com o lançamento de “Õ Blésq Blom”, seguramente um dos álbuns brasileiros mais bem gravados da história brasileira.

Os discos anteriores dos Titãs foram construídos tendo como norte os problemas sociais e políticos do Brasil, mas com bases sonoras sólidas. “Cabeça” misturava punk, funk e reggae; “Jesus” trazia influências de obras do pop americano (a mais notável é “Control”, clássico de Janet Jackson); e “Go Back”, álbum ao vivo, gravado no Festival de Jazz de Montreaux e com grandes problemas de produção, serviu como um raio-x dos seus antecessores. Os três trabalhos elevaram o patamar dos Titãs entre a crítica nacional e o público, com a banda sendo, naquela segunda metade dos anos 80, o grupo de rock mais popular ao lado da Legião Urbana.

Mas “Õ Blésq Blom” veio para subverter toda essa lógica. Produzido por Liminha e lançado há 30 anos (em 16 de outubro de 1989), o álbum inovou no seu conceito, voltando o olhar para o regionalismo cultural do país. Pode-se dizer que a gênese de todo o disco surgiu a partir do encontro dos integrantes do Titãs com a dupla repentista Mauro e Quitéria, em Recife. Participando das vinhetas de introdução e de encerramento do trabalho, eles ainda foram responsáveis por “batizar” o nome do álbum, cuja expressão peculiar significa “os primeiros homens que andaram sobre a terra”.

Utilizando-se dessa ideia, os Titãs (que na época eram um octeto, com as presenças de Arnaldo Antunes, Nando Reis, Marcelo Fromer, Paulo Miklos, Charles Gavin, Tony Bellotto, Sergio Britto e Branco Mello) acabaram desbravando, antecipadamente, um nicho de mercado que viria a se tornar bastante reconhecido na década de 90. Misturando rock, música eletrônica e o som do Nordeste, “Õ Blésq Blom” foi a gênese do movimento manguebeat, que revelaria para o país o talento de Chico Science e sua Nação Zumbi, Mundo Livre S/A, Sheik Tosado, entre outros grupos.

Na cronologia do grupo, “Õ Blésq Blom” eleva à enésima potência os climas e estranhezas apenas ensaiados na gravação de “Jesus Não Tem Dentes”. Com letras cheias de metáforas ou elementos desconexos, a banda paulista abordava temas díspares entre si, mas que serviam como um registro eficaz da sociedade brasileira, em reconstrução após anos de ditadura. Da poesia estrutural de “Miséria”, passando pela escatológica letra de “O Pulso”, o grupo discutia (e criticava), com uma acidez e inteligência impressionantes, os rumos sociais do Brasil, doenças, individualismo, os dogmas sufocantes da família e da religião, a educação, e até o suicídio (na belíssima composição de “Flores”, o grande hit do disco).

Vale citar o uso de palavras faladas nas canções, elemento pouco usual na produção sonora brasileira até então. Em resumo: “Õ Blésq Blom” pode não ser o melhor disco dos Titãs (visto que “Cabeça Dinossauro” reúne características históricas mais fortes), mas com certeza é o maior. Um exemplo de inovação que, comparado com o atual cenário musical brasileiro, dominado por elementos ora antiquados ou insípidos, se mostra mais atual do que nunca. Uma verdadeira lição de casa para todos que gostam de música e, principalmente, para aqueles que adoram menosprezar a cultura brasileira.

Escute Õ Blésq Blom na íntegra: