LOJA DE DISCO SAVARIN (Franklin de Freitas)
A loja em Curitiba: muitas histórias do negócio que já está na quarta década (Franklin de Freitas)

Devido ao seu apelo popular, a indústria fonográfica possui uma capacidade ímpar de ilustrar os avanços tecnológicos que transformaram as sociedades nas últimas décadas. Dos discos de vinil (também conhecidos como LPs, sigla para Long Play Music) aos CDs (Compact Disc) e dos CDs até o alastramento do MP3 (MPEG Layer 3) e o posterior surgimento de serviços de streaming, muitas foram as mudanças que tocaram o mercado da música. No coração de Curitiba, no entanto, há um lugar que conseguiu resistir ao tempo e sobreviver a todas essas revoluções. Uma fantástica loja de discos que está prestes a completar 40 anos de história.

Localizada na Rua Saldanha Marinho, em frente a Praça Santos Dumont, no Centro de Curitiba, a Savarin Music foi inaugurada no dia 12 de abril de 1983. Foi dentro da loja, rodeado por milhares de discos, CDs e DVDs e experimentando sons de todos os gêneros, que Virgilio Savarin, 63 anos, criou seus três filhos (Adriano, Diogo e Thiago), que hoje trabalham com ele, e cultivou uma legião de clientes fiéis, muitos dos quais viraram verdadeiros amigos.

A trajetória de Virgilio na indústria musical, contudo, começou a ser escrita 10 anos antes da criação da Savarin Music. Uma história que, de tão curiosa, merece ser contada desde o seu primórdio.


Dos campos de futebol para a loja dos “bolachões”

Nascido em Antonina, Virgilio Savarin morou até o início da adolescência com o pai em um sítio no litoral paranaense. Quando tinha 13 para 14 anos, mudou-se para a capital paranaense. A música, no entanto, não era algo que parecia estar em seu horizonte. O que ele queria mesmo era ser jogador de futebol, tendo inclusive passado num teste para jogar no tradicional Esporte Clube Água Verde. Acontece que nesse período o esporte bretão não garantia o mesmo reconhecimento e dinheiro de hoje, e Virgilio então teve de buscar um trabalho para poder se sustentar.

“Tinha uma loja de discos em Curitiba chamada Wings e o dono dessa loja era amigo do meu pai. Ele tinha uma madeireira no sítio que a gente morava e eu sempre limpava o carro dele, enchia o carro dele de frutas, e um dia ele me falou que quando eu fosse embora para Curitiba era para procurar ele que eu tinha um emprego. Daí lembrei do que ele tinha falado, me apresentei lá na loja e falei com a mulher dele, que me levou até ele. Já na hora comecei a trabalhar como office boy, pacoteiro”, recorda Savarin.

Já nessa primeira visita à loja de discos um novo mundo começou a ser descoberto pelo jovem antoninense. Se nos tempos de sítio tudo que chegava para ele eram artistas de destaque no cenário nacional, como Roberto Carlos, Evaldo Braga, Renato e Seus Blue Caps, agora ele teria acesso ao rock internacional, com bandas e artistas como Led Zeppelin, Pink Floyd e David Bowie.

“Os três primeiros discos de rock que eu ouvi foi no dia em que eu fui pedir um emprego. Quando cheguei tava tocando Paul McCartney e a banda The Wings, o disco “Band on the Run”, que é um clássico. Daí o segundo disco foi um disco do Creedence [Clearwater Revival], Cosmo’s Factory, que tinha um piá que só queria ouvir Creedence na loja. Aí minha mente foi se abrindo. E daí ouvi David Bowie, que o sobrinho do dono da loja era fã. E só tocava rock na loja, o dia inteiro. As pessoas de mais de idade passavam na frente da loja e faziam assim [sinal de louco com as mãos], diziam que só tinha louco ali dentro, porque era só rock, o dia inteiro. A loja era foda, só sonzeira mesmo”, recorda Virgilio.

Dentro do comércio o rapaz foi aprendendo sobre música e vendas, cultivando amizades e criando contatos. Não demorou para se tornar vendedor e de vendedor virou gerente-geral em 1978, cargo no qual permaneceu até 1983.

“O garoto da Wings deu seu grito de independência”

Savarin permaneceu como funcionário da Wings até 1983, quando o proprietário da loja decidiu fechar o estabelecimento. Como já estava conhecido entre os fãs de música e havia formado uma clientela própria, Virgilio decidiu que era hora de montar a sua própria loja. No dia 12 de abril de 1983, então, foi inaugurada a primeira loja da Savarin Music, que ficava próxima do atual endereço da empresa, na própria Rua Saldanha Marinho. E ao abrir seu próprio negócio, o jovem empreendedor resolveu colocar em prática uma ideia que já tinha: a de comercializar e trocar discos usados.

“Eu tinha tentado fazer na empresa em que trabalhava, mas meu patrão não queria. Daí fiz isso na minha e deu certo”, relata o empresário, destacando ainda que foi de grande ajuda uma nota escrita pelo jornalista Aramis Millarch n’o Estado do Paraná. “Ele escreveu ‘o garoto da Wings deu eu grito de independência. Novidade no mercado. Ele troca seus discos antigos por novos’. Nossa, cara… No dia seguinte que saiu no jornal tinha fila de carros, pessoal com porta-malas cheio de disco para fazer troca. Fiquei uma semana atordoado, de tanto negociar”, brinca.

O segundo empurrão veio de um antigo cliente, chamado Hélio Calderari, que vendia imóveis e havia, ao longo dos anos, comprado muitos discos com Savarin. “Eu deixava meu carro na frente da loja, uma Brasília 76, original, bonita. Um dia seu Hélio chegou e perguntou se eu queria vender. Eu disse que não. Daí ele fez uma proposta: eu dava a Brasília e ele me dava todos os discos que tinha em casa”. Aí eu perguntei ‘mas quantos discos o senhor tem lá, Seu Hélio?’. ‘Ah, tem muito, hein. Vamos lá ver?’. ‘Vamos’”.

Na casa de Seu Hélio haviam 5 mil discos. Uma coleção invejável. E uma proposta que se revelava irrecusável. “Ele [Seu Hélio] olhou para mim e falou assim: ‘Você sabe que vai fazer umas dez Brasílias com esses discos, né?! Então presta atenção no que eu vou te falar: você vai vencer, porque você é um guri novo, boa pessoa, tem tudo para vencer. Mas pensa uma coisa: nunca diga que você venceu sozinho, porque ninguém vence sozinho. Alguém sempre vai e dá uma força, e eu sou essa pessoa que estou te dando uma força pelo fato de você estar começando sua vida. Eu tô precisando de um carro, os discos eu já não ouço mais. Então para mim tá sendo bom. E para você também tá sendo bom. E eu sei que tô fazendo uma coisa boa, ajudando alguém. Quero que você toque sua vida’. E mais aqueles discos, cara, pô… Encorpou o negócio, sabe?!”

Sobrevivendo às revoluções da indústria fonográfica

Os anos foram passando e a Savarin Music, crescendo. Segundo Virgilio, inclusive, a empresa foi a primeira a trazer um CD para o Brasil. “Nem fábrica fazia CD aqui ainda, mas vimos que era um negócio que ia dar certo, tanto que montamos uma loja grande, lá na Dr. Muricy, do lado do Hotel Bourbon. Foi uma época em que um dólar custava um real, então vendia muito, vendia muito. Era doideira, cara”, conta o empresário, relatando que nessa época muita gente achava que o vinil conheceria seu fim. “E por um tempo [o vinil] acabou mesmo, chegou a afetar a venda, paralisou a indústria de vinil. Tinha gente que vinha com um monte de disco e jogava lá na loja, dizia para ver por quantos CDs dava para trocar porque não queriam mais, fazia volume e não sei o quê.”

Por um bom período o mercado fonográfico permaneceu estável, com os CDs em alta. Até que vieram os anos 2000 e apareceu uma tal de internet , que acabou popularizando o MP3, os downloads, virando do avesso a indústria fonográfica e arrasando o modelo de negócio que já estava estabelecido há décadas.

“Nós tínhamos uma loja de 300 e poucos metros quadrados, uns 30 e poucos, quase 40 funcionários. Aì um fornecedor de Miami me ligou e falou ‘olha, você fica esperto que apareceu um lance chamado internet e vai afetar venda’. Como a venda por lá já tinha caído, ele avisou para já ir diminuindo a estrutura, porque ia afetar mesmo. Dito e feito. Um mês, dois meses, três meses e as vendas caindo. E aí a indústria apareceu querendo vender CD virgem, cara. Vender CD virgem pro pessoal baixar a música e gravar. Eu falei ‘não, não vou vender CD virgem. Meu negócio é vender o produto. Não, não, não. De jeito nenhum’”.

Para sobreviver aos novos tempos, a solução foi enxugar a máquina. Dezenas de funcionários foram mandados embora. Apenas dois permaneceram, além do próprio filho de Virgilio, Adriano. A loja também mudou de endereço e foi para Ébano Pereira. Até que apareceram os DVDs, que voltaram a dar uma aquecida e uma sobrevida ao mercado. “A gente nunca parou, só ia se adaptando ali, segurava a onda. Eu falava ‘não vamos nos entregar, não. Vamos continuar na luta’. E graças a Deus a gente está até hoje na batalha”, comemora Savarin.

Uma nova (e longa) vida aos vinis

Por um bom tempo os discos de vinil viraram itens de descarte. Isso até 2010, quando o mercado dos ‘bolhachões’ voltou a engatinhar e, gradativamente, foi ganhando mais força. Até que veio a pandemia do novo coronavírus e a tradição do toca discos foi resgatada com maior ênfase.

“Foram duas coisas que eu digo que aqueceu na pandemia: nós [lojas de discos] e cara que tinha loja de material de construção. AS pessoas começaram a mexer nas coisas em casa, viram o aparelho de som parado, os discos parados e aí voltaram a ouvir. Tinha gente com coleção de disco e que não estava nem aí mais pro vinil, mas ficou mais tempo em casa, começou a mexer nas coisas lá… E isso foi bom pra gente, aproveitamos a deixa para dar uma levantada no negócio”, comenta Savarin.

Hoje, o empresário toca o negócio ao lado dos filhos. E eles apostam que, daqui para frente, as perspectivas são positivas para o mercado da música. “A tendência é o mercado aumentar cada vez mais. No mundo, as fábricas de vinil estão sendo reativadas, também estão abrindo novas fábricas, crescendo. E vemos que os jovens também passaram a se interessar por vinil. Muitos gostam de bandas mais novas, que estão hoje mais na mídia, como Coldplay, Arctic Monkeys, Taylor Swift, Dua Lipa, e essas coisas todas têm hoje em vinil. Isso ajudou a dar um ‘boom’. Então não são só os de antigamente que consomem vinil, os jovens também consomem muito vinil. E isso ajuda. O vinil era algo que poderia ter morrido, mas ressuscitou”, afirma Thiago, que é um dos filhos de Virgilio.

O segredo do bom comerciante

Visitar a Savarin Music, dizem alguns, é como entrar num túnel do tempo. Mas a melhor definição, na verdade, talvez seja a de entrar num espaço de acolhimento, num lugar amigo. E esse, admite o próprio Savarin, é um dos segredos da longevidade da loja. “Eu sempre falo para eles [filhos], o cara entrou aqui, atenda bem. Crie amizade, crie um laco com o cara, não deixe isso escapar. Se o comerciante fica com a carona lá de feio atrás do balcão, bravo, fica difícil”, aponta Virgilio.

Como já diz o ditado: quem avisa amigo é. “Eu cultivo meus clientes, faço amizade, faço com que eles fiquem meus amigos e o resto vem. No comércio, você tem de fazer amizade. Se você não criar um vínculo, esqueça, não tem como. O segredo é atender bem, você tem que atender bem, senão a clientela vai embora. Quem tem uma porta, tem que cuidar. Você tem que cuidar do seu cliente. O cara que vem para loja, ele às vezes tem um filho, tem um amigo, que daqui a pouco vai querer [comprar um disco]. E quem ele vai indicar? Você. O boca a boca é a melhor propaganda”, finaliza o empresário.