Até o final do primeiro trimestre deste ano, o curitibano Gabriel Castro, 34 anos, tinha uma rotina bastante corrida. Ator, trapezista, professor de circo, professor de teatro e DJ, ele se desdobrava entre as aulas em duas escolas diferentes e ainda fazia uma renda a mais ‘tocando por aí’, como ele próprio diz. Mas aí veio a pandemia do novo coronavírus e tudo acabou mudando.

No começo de abril, já por conta da crise sanitária, ele se viu obrigado a ficar em casa, sem trabalho e sem salário. “Lembro que no final de março a primeira escola fechou, no começo de abril a segunda escola fechou e também os bares resolveram fechar. Eu vivia na correria e, de repente, estava em casa, sem ter o que fazer”, recorda

Buscando o que fazer para manter a sanidade mental, ele teve a ideia de se distrair produzindo pães. Uma solução curiosa, ainda mais se tendo em vista que a panificação seria praticamente uma novidade para ele. “Já tinha feito umas duas tentativas, no amadorismo, mas era algo que nunca tinha feito de verdade. Aí eu falei: agora vou fazer esse negócio dar certo!”

Nas primeiras tentativas, a aventura culinária não foi tão bem sucedida. Mas Castro não desistiu e apelou para ‘essa maravilha do mundo contemporâneo chamado YouTube”, testando diversas receitas de canais diferentes e as adaptando para o fogão que tinha em casa.

“Falei ‘vou fazer até pegar’. Um belo dia pegou e aí passei a fazer para mim, amigos, e assim começou. O excesso de tempo e a prática foram me mostrando o caminho, mas eu ainda não vendia [os pães], era algo que fazia mais no sentido de compartilhar”, relata.

Produção que começou caseira já gera renda para 15 pessoas
Com o êxito crescente na produção de pães, amigos que já haviam experimentado questionavam porque Gabriel não vendia o produto, não aproveitava para transformar o hobby em renda. Em princípio, ele hesitou, não parecia fazer sentido comercializar os pães. Foi quando, conversando com uma amiga por meio de um aplicativo de mensagens, ele foi questionado sobre como estavam as coisas. Uma pergunta corriqueira que acabou mudando tudo.

“Eu falei que estava tudo bem, que tinha um pessoal na salva vendo TV e comendo o pão que o viado amassou. O nome era legal e, de repente, a ideia não era mais vender pão, mas que o pão desse espaço para outras conversas, era uma porta para conversar sobre outras coisas”, comenta Gabriel Castro.

Nascia, então, a padaria O Pão que o Viado Amassou. De início, a padaria de um viado só, com uma produção totalmente caseira, mas que rapidamente está crescendo e fazendo muito sucesso em Curitiba.

“Durante muito tempo fui só eu, produzindo em casa mesmo. Botava pros amigos em grupos de Whats, coisa assim, aí ia fazendo e entregando. Quando a marca surgiu, a coisa ampliou um pouco, as vendas começaram a aumentar. Aí eu percebi que não fazia sentido ter esse discurso [defesa das bandeiras LGBTQ+ e não ter isso aplicado na realidade da padaria”, diz Castro.

Atualmente, a padaria, criada há poucos meses, já movimenta e gera renda para cerca de 15 pessoas. “Nosso grande lance é dar visibilidade para essa categoria. Hoje consigo ter mídias sociais, entregadores, pessoas que me ajudam com a parte de escritório… Nossa grande vontade é conseguir construir um quadro 100% LGBTQ+”.

‘Quero que os pães cheguem em lugares que nunca ouviram falar disso’
Para Gabriel Castro, um dos motivos de orgulho diante de todo o sucesso alcançado pela padaria O Pão que o Viado Amassou é saber que 70% do público consumidor não são pessoas LGBTQ+.

“Tenho muitas senhoras e casais como clientes. Minha irmã, que sempre me ajudou muito, vende para as amigas dela da igreja, os padres da paróquia comentam sobre o pão. Isso me dá uma sensação deliciosa de uma missão que estou cumprindo”, diz o artista e padeiro. “Quero que os pães cheguem em lugares que nunca ouviram falar disso. Fico muito feliz, é muito gostoso saber que as pessoas levam o pão pro almoço de domingo, das famílias tradicionais”, complementa.

Ao longo desses meses de panificação e militância, comenta ainda Gabriel, a repercussão foi, em sua maior parte, positiva. Os relatos, inclusive, são diversos, com as pessoas literalmente botando o pão na mesa para gerar assunto. Entre tantos relatos, porém, um deles marcou de forma ainda mais especial o fundador d’O Pão que o Viado Amassou. Trata-se de um recado deixado por um rapaz de Rondônia no perfil do Instagram da padaria. Ele escreveu “Muito obrigado por sua página. Hoje mesmo estava pensando na tristeza que é ser quem eu sou. Você está conversando com uma pessoa que encontra grande dificuldade em se aceitar e se amar. Depois de ver sua pagina, vi que dá para encontrar alegria e orgulho em ser quem a gente é”.

“Comecei a falar com esse garoto, para ele sair dessa, que os errados não somos nós. Batemos um papo e tenho certeza que não mudei a vida de alguém, mas é legal saber que as pessoas se motivam, que as pessoas encontram outras pessoas que passaram pelo mesmo e conseguiram transformar esse ódio em orgulho”, finaliza Gabriel.

Madrinhas

Novidades em homenagem à Madonna e fundação no aniversário da Cher
Com entregas de pães três vezes por semana, geralmente às terças, quintas e sextas (as vezes também ao sábado), O Pão que o Viado Amassou já atende uma demanda que varia entre 100 e 120 pães por dia. O principal canais de vendas é o Instagram (@opaoqueoviadoamassou), mas recentemente também foi inaugurado o atendimento via WhatsApp, por meio do telefone (41) 98787-7087.

Hoje, , quando é celebrado o aniversário da Madonna, a padaria trará novidades aos clientes. Além disso, curiosa e coincidentemente, a padaria também foi fundada no dia 21 de abril, que é aniversário da cantora Cher. “Fico quase arrependido de não ter planejado isso, eu adoro ela”, brinca Castro.