Conheça os segredos de Marrocos, 1ª seleção africana a chegar a uma semi de Copa

Estadão Conteúdo

Marrocos faz história nesta Copa do Mundo. A classificação às semifinais, feito inédito para uma seleção africana ou árabe, é apenas uma das marcas do elenco marroquino no Catar. Marrocos tem a melhor defesa do Mundial (apenas um gol sofrido) e segue invicto até aqui – três vitórias e dois empates. Como explicar o sucesso desta geração marroquina?

As conquistas de Marrocos começam no comando técnico. Walid Regragui é um dos grandes nomes desta Copa. Aos 47 anos, o treinador assumiu a seleção em agosto, após a demissão do bósnio Vahid Halilhodžic, que ficou marcado por uma passagem problemática na equipe africana: nos últimos anos, ele deixou fora das convocações jogadores importantes, como Ziyech.

Em fevereiro deste ano, o ex-treinador bósnio havia dito que não convocaria o jogador do Chelsea nem se “ele se chamasse Lionel Messi”. “O comportamento de Ziyech não se encaixa na seleção”, declarou, após a eliminação na Copa Africana das Nações. Em sua primeira lista, Regragui chamou Ziyech.

Regragui é um ex-jogador, que atuava como zagueiro. Nascido na França, filho de pais marroquinos, passou a maior parte de sua carreira no país, em clubes como Toulouse e Ajaccio. Como treinador, ele recebeu o convite para assumir a seleção marroquina após ótimo trabalho no Wydad Casablanca, onde conquistou a Liga dos Campeões Africana.

Desde que chegou, Marrocos está invicto sob seu comando, são oito jogos, com cinco vitórias e três empates. Regragui adotou um estilo de jogo simples, mas eficiente: transições rápidas, apoiadas na força de suas principais estrelas, como Hakimi, Ziyech e Amrabat. A jogada aérea é outra força marroquina. En-Nesyri, com 25 anos e 1,92m, é a principal referência no ataque e artilheiro da equipe. Marcou o gol da vitória marroquina sobre Portugal.

No Catar, Marrocos chegou ao mata-mata pela primeira vez desde 1986, quando disputou seu primeiro Mundial. Além disso, foi a primeira nação africana a conquistar sete pontos em uma fase de grupos da Copa e a chegar às semifinais.

“Terminar em primeiro lugar neste grupo, com Croácia e Bélgica, não era para qualquer equipe. Fizemos questão de mostrar que a África estava lá”, disse Regragui, após partida contra o Canadá. “Sofremos hoje. Muito cansaço e lesões, mas queríamos entrar para a história. Houve uma pressão que não nos ajudou na segunda etapa, mas aguentamos. E ganhamos o jogo.”

NATURALIZADOS
O sucesso de Marrocos começou a ser construído em 2018, com Hervé Renard, hoje comandante da Arábia Saudita. Na Rússia, o treinador levou a seleção a sua primeira Copa desde 1998. Em um grupo com Espanha e Portugal, não conseguiu ir longe naquela edição, mas solidificou as bases para as campanhas seguintes.

Um ponto curioso nas convocações marroquinas, desde 2018, é o número de jogadores naturalizados no elenco. É uma tendência mundial, em especial em Marrocos, que observou uma tendência de emigrantes nas últimas décadas. Dos 26 convocados no Catar, 14 nasceram em países da Europa e América. É a nação com o maior número de naturalizados nesta Copa.

Achraf Hakimi e Hakim Ziyech, duas das principais estrelas da seleção, nasceram na Espanha e na Holanda, respectivamente. Ao longo de sua história, o território, hoje conhecido como Marrocos, passou por influência de Portugal, França e Espanha – esta, inclusive, mantém controle de um enclaves na Ceuta, região no litoral africano. Ela já foi motivo de preocupação na fronteira espanhola. Em 2021, milhares de marroquinos tentaram imigrar ilegalmente na Europa por meio do Mar Mediterrâneo.

Além das estrelas da seleção, Bono, Ziyech e Hakimi, que atuam no Sevilla, Chelsea e Paris Saint-Germain, respectivamente, a maioria dos convocados por Marrocos jogam nas principais ligas da Europa: 20 dos 26 convocados.

“Os estrangeiros de Marrocos trazem as qualidades necessárias para nosso elenco”, diz Chaaby. “Também é possível dizer que dos 26 convocados, 10 atuaram no futebol marroquino.” Entre os chamados para o Mundial, o Wydad Casablanca é o clube do Marrocos com mais representantes na seleção. São três jogadores: o goleiro Reda Tagnaouti, o zagueiro Yahya Attiat Allah e o meio-campo Yahya Jabrane.

FORÇA DAS ARQUIBANCADAS
As torcidas marroquinas são uma das mais fanáticas do futebol mundial. No Catar, foram maioria em quase todos os jogos até aqui – a tendência é que só não sejam contra Inglaterra ou França, nas semifinais. Clubes como o Wydad e o Raja Casablanca, de Marrocos, evidenciam a força que a torcida marroquina tem nas arquibancadas.

Marrocos é o representante do mundo árabe no Catar, além da África. “É a vitória de todos os marroquinos, todos os povos árabes e todos os povos muçulmanos do mundo”, disse o atacante marroquino Sofiane Boufal após a classificação sobre a Espanha, nas oitavas de final.

A torcida, ao mesmo tempo que apoia sua seleção, levanta essa pauta de representatividade árabe e africana. Em todos os jogos, bandeiras da Palestina, que busca sua independência de Israel, podem ser vistas nas arquibancadas do Catar. Dentro de campo, nas comemorações, os jogadores também refletem esse apoio da torcida, com falas e manifestações pró-Palestina.

“São 37 milhões de marroquinos em Marrocos e cinco milhões ao redor do mundo. Nosso país não poderia estar mais em festa”, diz Ali Saccal, de 30 anos. No Catar, cenas de torcedores de Marrocos com tunisianos e senegaleses puderam ser vistas nos jogos. Nas ruas ao redor do mundo, marroquinos celebram e simpatizantes celebram as conquistas da seleção.

PRINCIPAIS JOGADORES
O jogo coletivo é o principal fator desta seleção marroquina, mas os destaques individuais ajudam a explicar esse sucesso no Catar. Hakimi é um dos destaques, não só de Marrocos, mas de toda a Copa. Lateral do Paris Saint-Germain, o jogador tem um impacto direto nas jogadas pelas pontas da seleção, oferecendo maior movimentação ao ataque.

Ziyech, que voltou à seleção com Regragui, é outro nome importante para explicar o sucesso de Marrocos. O meia-atacante não tem grandes números à mostra – tem um gol e uma assistência na Copa -, mas é o “queridinho” da torcida. Em campo, apoia tanto o ataque quanto o meio, sendo um jogador de ligação. Desde 2019, Marrocos não perde quando seu principal jogador está em campo.

Yassine Bounou, ou simplesmente Bono, é a prova do pilar defensivo de Marrocos, dona da melhor defesa da Copa, com apenas um gol sofrido. Contra Portugal, foram três defesas, essenciais para garantir a classificação da equipe às semifinais. Diante da Espanha, defendeu dois pênaltis para levar sua seleção à um resultado inédito em Copas.

Nascido na Espanha, atua há 12 anos no futebol espanhol. Na última temporada, Bono foi eleito o melhor jogador africano do Campeonato Espanhol e foi o goleiro menos vazado de toda a competição. Na Copa, não foi vazado pela seleção espanhola – nem na disputa por pênaltis -, pela Bélgica, por Portugal e por Cristiano Ronaldo, que disputou sua última Copa no Catar

“Claro que eu e nossos jogadores mantemos os nossos pés no chão”, disse Regragui, após classificação sobre a Espanha. “Digo aos nossos jogadores: não temos nada a perder e precisamos usar tudo.” Após a partida contra o Canadá, o treinador teve um discurso semelhante. “Mostramos ao mundo que a África está aqui.”

“Quando vim para cá, a ideia era dar um passo à frente e mudar a mentalidade marroquina. Estou feliz pelos jogadores. Eles acreditaram no nosso projeto. Chegar em modo kamikaze não foi fácil. O mais importante é fazer as pessoas felizes”, disse Regragui.