Homens correm no lugar de mulheres e resultado de corrida em Curitiba precisa ser auditado. Entenda o caso

Proclamada uma das vencedoras após apuração, corredora lamenta situação: "Muitos homens acharam romântico correr com o chip de suas amadas para dar o pódio a elas. Mas dessa vez, o amor não venceu", brinca

Rodolfo Luis Kowalski
Jana Degraf

Janaína Degraf participa da Infantaria Night Run: por conta de possíveis fraudes, ela só foi saber agora o resultado da corrida que ocorreu no começo do mês (Foto: Arquivo Pessoal)

O verdadeiro resultado de uma corrida realizada no começo deste mês em Curitiba só foi ser descoberto recentemente. E a demora para a confirmação dos vencedores e as colocações dos participantes do evento ocorreu por um curioso motivo. Percebendo anomalias nos resultados de corridas em categorias diversas (tanto entre os que correram 5 quilômetros como entre aqueles que fizeram 10 km), a organizadora da competição precisou fazer uma espécie de auditoria do resultado. E no final, descobriu que muita gente havia corrido “errado”, inclusive com homens disputando no lugar de mulheres.

A inusitada situação foi relatada por Janaína Degraf, que na semana passada descobriu que havia vencido a corrida em sua categoria nos 10 km. A competição ocorreu no dia 3 de agosto, um sábado a noite, mas ela só foi saber do resultado na última semana. Hoje, finalmente, pegou seu merecido prêmio no 20° Batalhão de Infantaria Blindado, que foi o palco da Infantaria Night Run 2024.

“Muitos homens acharam romântico correr com o chip de suas amadas para dar o pódio a elas. Mas dessa vez, o ‘amor’ não venceu. Os organizadores fizeram uma auditoria na filmagem das chegadas”, escreveu Janaína em suas redes sociais.

Mas afinal, o que aconteceu naquele dia?

O desenrolar dos fatos

Segundo Janaína, que corre desde 2006 por lazer e há dois anos começou a treinar para buscar classificações melhores nas provas, toda corrida segue um protocolo parecido. “Você chega, ganha uma medalha de participação e uma banana. E daí se você tem esperança de ter conseguido uma boa colocação, fica esperando a organização imprimir as folhas com os resultados e colar num painel”, relata.

Naquele dia, entretanto, não foram divulgados os resultados. E o motivo foi que o organizador do evento, Kenya Sports, identificou alguns resultados estranhos, o que levou à suspensão da entrega dos prêmios e à auditoria da corrida.

Inicialmente, explica Willian Ribas, dono da Kenya Sports, a competição ocorreria no dia 25 de maio. As tragédias provocadas pela chuva excessiva no Rio Grande do Sul, entretanto, levaram ao adiamento do evento, que foi remarcado para 3 de agosto.

“Aí muita gente reclamou que não podia na nova data e queria transferir a inscrição para outra pessoa. Geralmente essa transferência é cobrada, mas perante tudo que aconteceu decidimos não cobrar a transferência. Fizemos tudo tranquilamente e já fomos colocando no sistema, então para nós estaria tudo okay”, explica ele.

No dia da corrida, uns 10 ou 15 minutos antes da largada, recorda ainda Will, ele chegou a alertar os participantes. “Eu falei no microfone ‘pessoal, não corra com o número de outra pessoa. Homem, não corra com o número de mulher’, e dei esse aviso para o pessoal”.

Confusão na hora de verificar os vencedores e auditoria do resultado da corrida

Conforme os competidores foram terminando a corrida, os resultados começaram a ser apurados e inconsistências começaram a ser verificadas. “Muitos resultados não batiam, e a gente olhava e não sabia exatamente o que estava acontecendo. Estou no mercado há 15 anos e nunca tinha acontecido isso comigo”, comenta ainda o empresário. “Aí tomei a atitude de suspender a premiação, porque tinha alguma coisa errada no resultado. Eu não ia fechar os olhos e simplesmente entregar os troféus”, emenda ainda ele.

No domingo, logo pela manhã, a empresa já começou a auditar o resultado da corrida. “Começamos a pegar as fotos do pessoal correndo, o vídeos deles na chegada e batia com a numeração. Aí começamos a perceber que tinha homem correndo com o cadastro de mulher, e foram mais de 80 pessoas. 80 homens correndo com chip de mulher, numeração de mulher”, revela o empresário, fazendo ainda uma crítica.

“Isso foi intencional, porque abrimos a possibilidade de fazer as trocas. Mas o pessoal ‘ah, mas vou só de brincadeira’. Mas nisso de brincadeira, o homem acaba correndo um pouco mais forte que a mulher. Se você pega o chip dela e corre no lugar dela, vai acabar pegando pódio e vai tirar uma outra mulher do pódio.”

Além disso, também houve outro problema, com algumas pessoas que se inscreveram para participar da corrida de 10 quilômetros acabando por fazer a corrida de cinco quilômetros, mas sem avisar a organização. “No mesmo dia teve uma outra prova e algumas pessoas fizeram essa prova e depois a nossa, aí acabaram correndo no 5 km. Tivemos que desclassificar”.

Resultado: entre os cerca de 1.500 inscritos, 80 foram desclassificados por serem homens que correram com o chip de mulher e outros 60 por terem se inscrito para correr uma distância, mas no final ter percorrido outra. “Passou de 140 pessoas desclassificadas, no todo. E 140 pessoas significa que a premiação no final geral foi alterada, porque a gente premia na base de 124 pessoas”, destaca ainda Will.

Tentativa de fraude?

Para Willian Ribas, da Kenya Sports, o que houve não foi uma tentativa de fraude intencional ou “na maldade”, como costuma se falar. “Na hora de chamar no pódio, no dia da corrida, teve mulher que foi chamada e não apareceu, o pódio ficou vago. Daí a gente foi depois buscar o número da pessoa e viu que era um homem que estava correndo com o chip da mulher”, exemplifica ele. “Não acredito que teve sacanagem. Talvez seja falta de consciência, falta de educação para chegar ali e falar ‘não, eu vou lá trocar esse chip, vou trocar o nome’. É mais uma questão de cultura”, complementa ele.

Janaína, por outro lado, celebrou o resultado, conquistando seu terceiro troféu apenas em 2024. “Eu achei que tinha ido bem, porque só fui ultrapassada por homens”, recorda ela. “Fiquei triste de saber que tem gente tão mal intencionada a ponto de trapacear numa atividade tão divertida. Mas também fiquei impressionada com a lisura dos organizadores de suspender a premiação do evento e a coragem de auditar o resultado. Isso me anima a continuar correndo”, destacou ainda.