raphael rugby em cadeira de rodas
Raphael Cardozo conheceu o rugby em 2015, durante reabilitação (Foto: Giovani Sella)

As partidas de rugby em cadeira de rodas são cheias de emoção, velocidade e pancadas. São dois times, oito atletas, dezesseis rodas e uma bola. A modalidade faz parte dos Jogos Paralímpicos há mais de vinte anos, com estreia brasileira em 2016, quando o país foi sede da maior competição esportiva do planeta.

Uma das equipes mais fortes do Brasil treina toda semana no complexo esportivo da Paraná Esporte, em Curitiba. A história do Gladiadores Quad Rugby é longa: são mais de dez anos de treinos, campeonatos e medalhas conquistadas dentro e fora do país. Dali, já saíram atletas para representar o Brasil nos Jogos Paralímpicos e nos maiores campeonatos nacionais e internacionais da modalidade. “É uma sensação de liberdade, a adrenalina sobe”, afirma o atleta Raphael Cardozo.

Ele conheceu o rugby em 2015, enquanto se recuperava de um acidente de moto. Desde então, o jogador participou de competições no Brasil e no mundo. Em 2023, Cardozo foi campeão no Campeonato Sul-Americano de Clubes Quad Rugby. O time dos Gladiadores treina três vezes por semana e é mantido pela Saúde Esporte, sociedade esportiva que, desde 2007, promove a inclusão na capital do Paraná. Para Cardozo, a prática vai além do esporte. “O rugby ajuda muito na qualidade de vida da gente […] Você aprende com outros colegas o que é possível fazer dentro da nossa condição”, afirma. “Quando a gente tem período de férias, intervalos, sentimos bastante falta de todo esse movimento”, admite.

Classificação funcional do atleta de rugby

Para garantir o equilíbrio entre as equipes, cada atleta precisa passar pela classificação funcional. Ela determina a limitação física de cada integrante do time. A lógica é simples: cada jogador ou jogadora é avaliado dentro de uma escala de valores 0.5, 1.0, 1.5, 2.0, 2,5, 3.0 e 3.5. Quanto mais limitante for a deficiência, menor o valor. Quanto menos comprometido for o movimento do avaliado, mais alta a pontuação.

Cada time titular pode acumular, no máximo, oito pontos, somando as pontuações dos quatro jogadores em quadra. “O time não pode jogar só com jogadores fortes […] isso faz com que todos possam participar. Jogadores com lesões mais graves [mais próximos de 0,5 ponto], e 3,5 [pontos], menos grave”, afirma o técnico Marcelo Kamarowski.

A classificação serve para incluir diferentes tipos de limitação física de maneira justa: geralmente, atletas classificados de 0,5 a 2,5 pontos tiveram o movimento do corpo comprometido após acidentes. É o caso de Raphael Cardozo, que, em 2013, teve a moto fechada no trânsito. A partir de “3 pontos, 3,5, normalmente são jogadores congênitos [portadores de deficiência desde o nascimento]”, explica o treinador.

O processo é realizado por profissionais especializados. Segundo a Associação Brasileira de Rugby em Cadeira de Rodas (ABRC), eles são divididos entre classificadores clínicos (graduados em medicina, enfermagem, fisioterapia e áreas afins) e classificadores técnicos, como profissionais de educação física ou graduados na área do esporte.

Tecnologia assistiva

Na Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Paraná, pesquisas do Laboratório de Engenharia de Reabilitação (LER) buscam aprimorar as etapas da classificação funcional. A doutoranda em Fisioterapia Ketlin Mikaela Medeiros Santos estuda como a mecanomiografia pode tornar as avaliações ainda mais precisas. O estudo, realizado no Programa de Pós-Graduação em Tecnologia em Saúde (PPG), é feito sob a orientação do professor Percy Nohama e tem a coorientação do professor Elgison da Luz dos Santos.

O LER integra o Novo Arranjo de Pesquisa e Inovação (NAPI) em Tecnologia Assistiva (TA), que visa reduzir as barreiras para a inclusão social, educacional e profissional de idosos e PcDs, estruturar aspectos de cidades inteligentes e acessíveis, promover metodologias, produtos e serviços e atuar para o acesso equitativo e inclusivo da Tecnologia Assistiva em articulação às políticas públicas no estado do Paraná.

O NAPI é uma parceria entre o Governo do Estado do Paraná, a Secretaria de Estado da Ciência Tecnologia e Ensino Superior (SETI), a Fundação Araucária, a Universidade Federal do Paraná (UFPR), a Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), o Instituto Federal do Paraná (IFPR), a Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), o Complexo Hospitalar do Trabalhador (HT), a Secretaria do Desenvolvimento Social e Família (SEDEF) e a Universidade Estadual do Norte Pioneiro (UENP). “O princípio [da pesquisa] é aplicar uma metodologia de avaliação para complementar, auxiliar, contribuir com a classificação funcional que já acontece dentro da modalidade”, explica Ketlin Mikaela.

A técnica da mecanomiografia é usada para medir as vibrações geradas pelos músculos durante a contração, captadas por sensores colados à pele. Com isso, é possível analisar o tempo de resposta e a força muscular do indivíduo, por exemplo.

Por meio dos resultados, o trabalho quer identificar um padrão entre atletas com a mesma pontuação funcional. Os dados também podem ajudar a determinar com maior precisão a classificação de cada jogador ou em situações em que há dúvida sobre a classificação de uma pessoa. “O nosso objetivo é contribuir e talvez acelerar esse processo”, afirma a doutoranda.

O trabalho de Rafael Santos, mestre em Tecnologia em Saúde e integrante do LER, também colabora para aprimorar a classificação funcional. Ele desenvolveu um dinamômetro digital, que mede a força exata exercida por cada mão. O que difere o dinamômetro do pesquisador dos aparelhos convencionais é a capacidade de avaliar também a força individual de cada dedo. No caso do rugby em cadeira de rodas, essa diferenciação pode tornar a classificação individual ainda mais precisa, já que cada jogador tem uma condição e limitação físicas diferentes.

Além disso, o aparelho pode ser usado na reabilitação e em protocolos de fortalecimento muscular de jogadores, tanto do rugby quanto em outros esportes. Com a aplicação da tecnologia, é possível identificar se houve perda ou aumento da força de um atleta ao decorrer do tempo. A partir da análise, pode-se pensar em estratégias para melhorar o desempenho do jogador avaliado. “A dinamometria auxilia na avaliação funcional muscular em todos os casos, tanto em casos comuns, como no esporte e paradesporto, e também para casos de reabilitação ou fortalecimento muscular, por exemplo”, explica.

Regras da modalidade

O rugby em cadeira de rodas surgiu na década de 1970, no Canadá, com o objetivo de adaptar a modalidade para três principais perfis: tetraplégicos, geralmente vítimas de acidentes na medula; congênitos, que possuem limitações físicas desde o nascimento; e pessoas com membros amputados. Para que os dois últimos casos sejam considerados equivalentes à tetraplegia, o jogador ou jogadora precisa ter o movimento comprometido em três ou quatro membros do corpo. Paraplégicos, por exemplo, não podem jogar, porque têm apenas o movimento das pernas limitado.

Na quadra, são quatro jogadores titulares e até oito reservas por equipe. A lógica é a mesma do rugby convencional: marca ponto quem passar da linha do gol com as duas rodas da cadeira e a bola das mãos. De acordo com o Comitê Paralímpico Brasileiro, a quadra oficial tem 15 metros de largura por 28 metros de comprimento. As partidas são divididas em quatro tempos de oito minutos, com substituições ilimitadas.

Jogos Paralímpicos de Paris

Por pouco, o Brasil não se classificou para os Jogos Paralímpicos de Paris após perder por 62 a 50 para a Alemanha na disputa pela terceira e última vaga. A última vez em que a seleção brasileira participou da competição foi em 2016, quando o país foi sede do evento.

Em 2028, os Jogos acontecem em Los Angeles, nos Estados Unidos. Para o treinador Marcelo Kamarowski, essa será a “grande chance”. São três vagas para as Américas, fora a dos EUA, que já tem espaço garantido por ser o anfitrião da disputa. Sobram duas – para o técnico, uma delas “provavelmente vai ser do Canadá. Brasil e Colômbia vão brigar pela terceira vaga”. Por enquanto, os brasileiros ficam na expectativa. “Acredito que em 2028 vamos estar lá”.

Por Rodrigo Matana/Agência Escola UFPR

Supervisão: Maíra Gioia/Agência Escola UFPR