WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – Alvo de acusações que vão de interferir nas eleições de 2016 nos EUA a envenenar um ex-espião no Reino Unido e violar a soberania da Ucrânia, a Rússia vê sua imagem erodir no exterior.

O país é visto de forma negativa em 16 das 25 nações onde o Centro de Pesquisa Pew fez seu levantamento de percepções globais, para qual ouviu 26 mil pessoas de maio a agosto. 

O desgaste é maior na América do Norte e na Europa. Nos EUA, cuja relação com o governo de Vladimir Putin é tensa, a Rússia é malvista por 2 de 3 habitantes, o dobro da proporção registrada em 2007. 

A confiança em Putin também caiu, segundo o centro de estudos, embora isso contraste com os 81% de russos que dizem acreditar que seu líder conduza o país na direção correta —resultado, em ambos os casos, da guerra de propaganda entre Moscou e as potências ocidentais. 

Para os cerca de 3 milhões de russos e descendentes que vivem hoje nos EUA segundo o Censo americano —uma comunidade que perfaz 1% da população do país e inclui expoentes como Sergei Brin, cofundador do Google, e a cantora e pianista Regina Spektor— essa percepção é etérea.

“O máximo que escuto são piadas de amigos de que eu invadi o sistema eleitoral ou que uso robôs em redes sociais para espalhar desinformação”, conta o engenheiro de software Andrei Koenig, 36, que nasceu na antiga União Soviética, desmantelada em 1991.

A gerente de projetos Karina, 29, que vive em Washington e não quis revelar o sobrenome, diz se divertir com as brincadeiras. “Quando há problema na internet do trabalho, logo dizem: ‘Temos uma russa na sala. Karina, o que você fez?'”, diz. “Acho engraçado. Não me ofendo porque não tenho nada a ver com isso.” 

A Rússia é alvo de investigação por interferência na eleição de 2016, durante a qual agentes do país invadiram e divulgaram emails da campanha de Hillary Clinton, adversária de Donald Trump, e patrocinaram propaganda negativa e notícias falsas em redes sociais.

O procurador especial Robert Mueller apura se havia elo entre o Kremlin e a campanha do republicano. 

O clima subsequente é um resgate dos anos de Guerra Fria entre Moscou e Washington, quando o arquétipo do espião era frequentemente associado aos russos —graças ao noticiário, mas também à literatura, à TV e ao cinema. 

“Remete à época da União Soviética, quando a Internacional Comunista enviou agentes pelo mundo para promover revoluções e espalhar propaganda comunista”, diz Daniel Chirot, especialista em Rússia na Universidade de Washington. 

Tim Yanovskiy, 35, diretor da Fundação Mirah, que busca estreitar laços entre russos e americanos, diz que o estigma perdura com a ajuda de filmes e séries. O exemplo recente é a premiada “The Americans”, que chegou à sua sexta e última temporada neste ano, sobre um casal de agentes infiltrados do Kremlin.

“Existe uma sensação de que todo bom filme de Hollywood deve ter um vilão russo”, diz Yanovskiy, que veio para os Estados Unidos em 1991.

Além da indústria cultural, ele critica a imprensa por acompanhar as apurações do papel dos russos na eleição de Trump. “Os jornais criam uma imagem que nem sempre condiz com a realidade.” 

A opinião não é unânime. Para Gary Kurnov, 37, as provas de crime são fortes. “Mas ninguém parece se importar”, diz ele, que chegou com os pais aos EUA aos oito anos e hoje vive na Flórida. 

Os russo-americanos também se preocupam com o crescimento do antissemitismo registrado nos últimos dois anos no país, já que grande parte da diáspora russa é formada por judeus perseguidos na Europa durante a Segunda Guerra e depois.

Uma medida que a comunidade russa sentiu, de fato, foi o efeito da expulsão de diplomatas dos EUA e o fechamento do consulado russo em Seattle, represália ao envenenamento do ex-espião Sergei Skripal no Reino Unido.

Yanovskiy diz que o otimismo que os russos tinham com Trump rareou diante do comportamento errático do presidente. “Havia esperança de que a relação entre os governos americano e russo melhorasse, mas ela se perdeu”, diz. “Nunca sabemos que rumo ele vai tomar, parece que estamos pisando em ovos.” 

A engenheira química Tatyana Rubinov, 61, que emigrou para os EUA em 1989, disse que a maioria de seus conhecidos russo-americanos em Nova Jersey apoiava Trump no início de seu mandato, quando o americano fez diversos acenos a Putin. 

“Mas a dureza e a falta de conhecimento” do presidente corroeram esse otimismo. 

Segundo ela, a comunidade russa tende a se alinhar mais ao Partido Republicano do que aos democratas, já que os primeiros eram mais enérgicos em sua condenação à União Soviética (a diáspora é formada sobretudo por dissidentes do regime comunista). 

“Hoje, são os republicanos que pegam leve com a Rússia.”