Vamos tratar agora da crase em relação às locuções adverbiais de circunstância – modo, meio, lugar, tempo –  formadas pela seqüência Prep A + Substantivo ou Adjetivo. A maioria delas tem a ver com o modo, respondendo à pergunta “como?” Por exemplo: “Comprou o carro à vista.”  Comprou como?  À vista.

Nas locuções adverbiais masculinas, como a cavalo, a caminho, a capricho, a caráter, a frio, a gás, a gosto, a lápis, a meio pau, a nado, a óleo, a pé, a postos, a prazo, a sangue-f! rio, a sério, a tiracolo, a vapor etc. não se acentua o a,  que é mera preposição.

Nas locuções circunstanciais femininas, contudo, embora esse A possa ser somente preposição, é de tradição acentuá-lo por motivo de clareza. Compare nos exemplos abaixo o significado da frase sem o acento e com ele:

Favor lavar a mão. – Favor lavar à mão, e não à máquina.

Caiu a noite (anoiteceu). – Ele caiu à noite.

Vendeu a vista (os olhos). – Vendeu à vista.

Foi caçada a bala (a bala foi caçada). – Foi caçada à bala.

Cortei a faca (cortou a própria faca). – Cortei à faca.

Coloquei a venda (faixa nos olhos). – Sim, coloquei à venda.

Trancou a chave (a chave foi trancada). – Trancou  à chave.

Pagou a prestação (pagou-a). – Pagou à prestação (em prestações).

É por essa questão de clareza que se recomenda e geralmente se acentua o A nas locuções femininas de circunstância, para que a preposição não seja confundida com o artigo feminino. Nestes casos, não funciona o artifício de ver como é que se comporta uma expressão similar no masculino, pois não haverá correspondência de  À com AO. Trata-se de uma exceção. Então, por ex., mesmo que se escreva a prazo (subst. masc.), escreve-se à vista, com acento.

Vejamos outros exemplos em que a preposição poderia se confundir com o artigo e por isso o acento é de praxe: à evidência, estou à disposição, fique à vontade, encontra-se à paisana, à espreita, escreve à perfeição,  vive à toa, o cão anda à solta, cumpriu o trato à risca, navegar à vela, apanhar (flores) à mão, escrever à caneta, cortar à faca ou à gilete, falar à boca pequena [em voz baixa], provou o caso à saciedade [plenamente], tomou a injeção à força, amor à primeira vista, assalto à mão armada, modéstia à parte, às (ou a) expensas  etc.

É facultativo o acento indicativo de crase quando não há confusão possível: carro a gasolina, barco a vela, matou o cachorro a bala, guardar o dinheiro a chave etc.

É obrigatório o acento quando o substantivo está no plural e o artigo também: às vezes sai às pressas, está tudo às mil maravilhas, às avessas, estou às ordens, comprou bugigangas às centenas etc. Por oportuno: jamais acentuar o A sem S diante de plural: a duras penas, a prestações etc.

É obrigatório o acento quando a locução é formada com adjetivo – singular ou plural: bife à milanesa, lasanha à bolonhesa, agir à louca, ficar às escuras, comer às escondidas, f! alar às claras, vivem às tontas, prega a revolução às abertas [abertamente] etc.

Também levam acento obrigatório as locuções femininas terminadas em DE e QUE: à custa de, à força de, à frente de, à mercê de, à testa de, à semelhança de, à proporção que, à medida que.

Por fim, é obrigatório o acento nas locuções circunstanciais femininas de tempo e lugar em que de fato se tem A + A, o que se comprova com a substituição do primeiro A por outra preposição. (Vale lembrar que À corresponde a DA, NA, PELA, PARA A  e A corresponde a DE, EM, POR, PARA.) Assim, temos: à beira do caminho, à beira-mar, à época, à direita, à esquerda, ir à frente, combatera! m à sombra, bater à porta etc. Em todas elas, pode-se trocar o A por NA: na beira-mar, na época, na frente… Sobre esse uso, ver Não Tropece na Língua 297.

Anoto ainda que a locução “à distância” mereceu comentário especial: ver Não Tropece na Língua 149.

 
* Maria Tereza de Queiroz Piacentini – Diretora do Instituto Euclides da Cunha e autora dos livros ‘Só Vírgula’, ‘Só Palavras Compostas’ e ‘Língua Brasil – Crase, pronomes & curiosidades’ – www.linguabrasil.com.br