O ministro Sérgio Moro, da Justiça e Segurança Pública, anunciou nesta terça-feira (23) em mensagem no Twitter que cancelou status de refugiados aos paraguaios Juan Arrom, Victor Colmán e Anuncio Martí. Dois deles estão em Curitiba. “O Brasil não será mais refúgio para estrangeiros acusados ou condenados por crimes comuns (o caso, extorsão mediante sequestro), seja de Battisti, Arrom, Martí ou de outros. A nova postura é de cooperação internacional e respeito a tratados. Aqui não é terra sem lei”, escreveu na mensagem.

A postagem estava acompanhada de texto do presidente do Paraguai, Marito Abdo, que comunicava a decisão do ministro da Justiça do Brasil que cancelou definitivamente o status dos refugiados. A notícia atende ao pedido do governo paraguaio.

Quinze anos após a concessão de refúgio no Brasil a três paraguaios, ex-militantes de esquerda, que denunciaram ter sofrido sequestro e tortura em 2002, o governo paraguaio voltou a pressionar o governo brasileiro para que extradite Juan Arrom, Victor Colmán e Anuncio Martí. Arrom e Colmán moram em Curitiba e Martí, no Mato Grosso do Sul. Ambos tem vida estabelecida do Brasil, com família e trabalho.

Atualmente, Juan Arrom é integrante de um grupo de pesquisa no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Antes de fugir para Curitiba, ele era secretário-geral do Partido Pátria Livre (PPL) no Paraguai, remanescente do Movimento Pátria Livre (MPL), que hoje está praticamente extinto. Em abril, Juan Arrom conversou com a reportagem do Bem Paraná, mas optou por não conceder entrevista.

Arrom, Colmán e Martí são acusados em seu país de terem sequestrado, em 16 de novembro de 2001, María Debernardi, esposa de um magnata paraguaio. Ela teria ficado 64 dias em cativeiro em uma ação supostamente coordenada por integrantes da facção criminosa Exército do Povo Paraguaio (EPP), criada posteriormente. Os refugiados negam veementemente qualquer ligação com o grupo, que intitulam, inclusive, como traficantes de drogas sem qualquer atuação política legítima. O EPP foi instituído oficialmente em 1º de março de 2008 e documentos encontrados em acampamento relacionam 60 membros. Os ex-integrantes do PPL dizem que diversas investigações no Paraguai já deixam claro que não há ligação entre os grupos.

Para os refugiados, a insistência do governo paraguaio em manter a “perseguição” está ligada à denúncia que eles moveram contra o Estado na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). O julgamento do caso de tortura e desaparecimento está em fase final e envolve diversos agentes públicos e políticos que ainda mantêm atividade no governo. Entre eles está o atual vice-presidente do Paraguai, Hugo Velázquez, que é procurador de Justiça e, na época do sequestro, era responsável por coletar a confissão dos acusados. Na época da detenção, o trio foi levado a três locais, incluindo a casa de um policial, sem que ação tivesse sido notificada oficialmente. Segundo a denúncia, a intenção era que a confissão fosse obtida sob tortura. Em razão disso, o Estado Paraguaio está no banco dos réus na CIDH.

Extradição

Embora acompanhem os desdobramentos do caso neste ano, os refugiados afirmavam no início do ano não temer extradição. O status foi concedido pelo Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), por sete votos a zero, e segue tratado internacional. Porém, em junho deste ano, o Conare revogou o refúgio dado aos três paraguaios, por cinco votos, uma abstenção e uma ausência. Eles recorreram, mas o Ministério da Justiça negou o recurso nesta terça-feira, afirmando, em nota, que a maioria do Conare concordou em que não haveria mais “fundado temor de perseguição” no caso dos três.

Segundo a nota, o Conare concluiu que “não há razões concretas para acreditar que no seu país de origem os paraguaios não terão resguardado o direito ao devido processo e julgamento justo”, já que “o Paraguai atualmente conta com a estabilidade de suas instituições e do vigor da sua democracia”.

O Conare é formado por representantes dos ministérios de Justiça, Relações Exteriores, Saúde, Educação e Esporte, além da Polícia Federal e de uma organização não governamental. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) é membro convidado, sem direito a voto.

De acordo com Charles Gomes, coordenador do Centro de Proteção a Refugiados e Imigrantes (Cepri) da Casa Rui Barbosa, ao jornal O Globo, organismos de direitos humanos e o Acnur foram contrários à revogação do refúgio. O representante da sociedade civil no Conare se absteve na votação.

O status somente poderia ser revogado por violação da segurança nacional, violação da ordem pública, falsidade do motivo de refúgio, que no caso é “desaparecimento forçado e tortura”, ou por renúncia. Mesmo assim, de acordo com a lei 9.474/97 no Brasil e pelo Estatuto dos Refugiados de 1951, caso cancelado o refúgio, nenhum refugiado poderá ser devolvido ao país de origem onde sua segurança e integridade está em perigo. A detenção irregular do trio está amplamente documentada e não poderia gerar a deportação.

Ainda não há uma data para a volta de Juan Arrom, Victor Colmán e Anúncio Martí ao Paraguai. O Ministério da Justiça informou que o pedido de extradição foi feito pelo governo do país vizinho e encaminhado para julgamento do STF.

O caso ainda é diferente do que extraditou o italiano Cesare Battisti, ex-membro do Proletários Armados pelo Comunismo, levado do preso da Bolívia para a Itália neste ano, depois de fugir do Brasil. Battisti teve seu refúgio negado pelo Conare e pelo STF. O italiano, ex-membro de uma guerrilha de esquerda, foi condenado por assassinatos em seu país, e depois de viver no Brasil por vários anos, estava foragido, após o Supremo ordenar sua detenção e extradição para a Itália, e o então presidente, Michel Temer, assinar um decreto nesse sentido.

Apesar de o caso ser diferente, o pedido de revogação de refúgio dos paraguaios, feito pela quarta vez, foi tratado em reuniões oficiais entre o presidente do Paraguai, Mario Abdo Benítez, e o presidente Jair Bolsonaro, que com frequência compara os casos. 

O chanceler do Paraguai, Luis Alberto Castiglioni, que se reuniu em janeiro com o ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo, e também com o presidente Bolsonaro posteriormente, oficializou pedido para que o Brasil revogue o refúgio dos acusados de terrorismo. A ação foi vista como blefe do governo paraguaio, mas acabou se confirmando. 

No encontro com Araújo, Castiglioni disse existir “semelhança de valores com o governo brasileiro”, fazendo menção especial à Organização dos Estados Americanos (OEA). Ele indicou que essa coincidência de idéias na região favorece a possibilidade de propor reformas, por exemplo, do Sistema Interamericano de Direitos Humanos. “O Paraguai e o Brasil poderiam liderar este processo. O ministro Araujo concordou com essa possibilidade “, disse ele.

O Paraguai alega ter provas da ligação dos ex-militantes do PPL com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) – que ano passado assinou um acordo de paz e deixou as armas – e evidências que relacionariam o grupo ao sequestro da esposa do empresário em 2001. Arrom, Martí e Colmán dizem que são mentiras, que o único contato com as Farc ocorreu na mediação que o partido fez durante processo que culminou no acordo de paz, e que não há qualquer evidência de envolvimento do partido no sequestro de María Debernardi.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que integra o Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos, junto à Corte Interamericana de Direitos Humanos, constatou o crime de tortura e desaparecimento contra Arrom, Colmán e Martí. O julgamento deve ser concluído nos próximos meses. Foram realizadas sete audiências na Costa Rica. A última foi em 7 de fevereiro. Na ocasião, o próprio presidente do Paraguai e outros integrantes do governo, apesar de não terem sido convocados, compareceram à sessão. Os denunciantes classificaram a presença, assim como as propostas de reforma do Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos, como tentativas de pressionar a comissão.