O sindicato nacional dos servidores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Assibge-SN, divulgou novo comunicado neste domingo em que reconhece a existência de uma “crise interna” e um “considerável risco institucional”, em função de medidas tomadas pela gestão do atual presidente do órgão, Marcio Pochmann.

“De fato, a situação do IBGE merece atenção da sociedade civil brasileira, pois o Instituto, basilar para o planejamento de políticas públicas, enfrenta considerável risco institucional, em especial em relação a constituição de uma fundação de direito privado e uma possível reforma de seu estatuto”, comunicou o sindicato.

A Assibge-SN convocou na última sexta-feira, 20, os trabalhadores a aderirem a um ato de protesto “contra as medidas autoritárias” do de Marcio Pochmann. A manifestação foi aprovada em assembleia por servidores do IBGE lotados na unidade da Avenida Chile, no centro da capital fluminense. O ato de rua foi marcado para a próxima quinta-feira, 26 de setembro, às 10h, em frente à sede do IBGE no Rio de Janeiro, na Avenida Franklin Roosevelt.

“O ato exigirá que o presidente do IBGE, Márcio Pochmann, altere o comportamento autoritário que tem marcado suas ações recentes e estabeleça um real processo de diálogo com os servidores em relação às diversas alterações em curso no Instituto (mudança no regime de trabalho, transferência para o prédio do Serpro no Horto, criação de uma Fundação de Direito Privado, alteração do estatuto, entre outras)”, anunciou o sindicato, na sexta-feira.

Na nota deste domingo, o sindicato mantém a convocatória para o ato e defende a abertura de diálogo como solução para a crise. A entidade culpa a postura de Pochmann pela escalada da situação, demandando imediata suspensão das medidas em curso da atual gestão, caso contrário, será proposta uma intensificação da mobilização de servidores.

“A Executiva Nacional da ASSIBGE entende que a crise enfrentada pela instituição só chegou a tal grau de gravidade devido a reiterada recusa, por parte do presidente Márcio Pochmann, de estabelecer qualquer canal de diálogo real com os servidores da casa e de agir com transparência em relação às suas ações nos últimos meses. A superação da crise reside justamente em reverter essa situação. A presidência deve suspender as medidas em curso, apresentar com clareza suas motivações e ouvir o que a casa tem a dizer a respeito”, manifestou a Assibge-SN. “Caso não haja abertura de canais para tratar dos problemas colocados, a ASSIBGE indicará à categoria a necessidade de intensificar nossas mobilizações”, completou.

Corpo gerencial enviou cartas ao conselho diretor

O descontentamento provocado pelas mudanças adotadas por Pochmann na presidência do IBGE motivou duas cartas abertas assinadas por coordenadores e gerentes e enviadas para o Conselho Diretor do órgão. As cartas, emitidas entre o fim de agosto e início de setembro, incluem assinaturas de responsáveis pelas pesquisas que apuram os principais indicadores econômicos do País, conforme noticiou o Broadcast na última sexta-feira. As ministras Esther Dweck, da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, e Simone Tebet, do Planejamento e Orçamento, ministério ao qual o IBGE é subordinado, teriam sido informadas sobre o descontentamento dos técnicos do IBGE com a gestão de Pochmann, informaram fontes ao Broadcast.

As cartas abertas foram assinadas por coordenadores e gerentes das duas principais diretorias do IBGE: a Diretoria de Pesquisas (DPE) e Diretoria de Geociências (DGC). Entre os signatários estão Rebeca Palis, responsável pelas Contas Nacionais, que calcula o Produto Interno Bruto (PIB) do País; Adriana Beringuy, responsável pela divulgação da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), que apura a taxa de desemprego; Andre Macedo, responsável pela Pesquisa Industrial Mensal, sobre a produção industrial; Cristiano Santos, responsável pela Pesquisa Mensal de Comércio, com dados das vendas no varejo; e Rodrigo Lobo, responsável pela Pesquisa Mensal de Serviços, que apura o volume de serviços prestados no País.

“A presente carta expressa fundamentalmente uma grande preocupação, que atinge nesse momento todo o corpo gerencial e de funcionários da DPE. Informações disseminadas nos últimos dias e sucessão de fatos relevantes têm gerado ruídos na comunicação entre direção, corpo gerencial e funcionários. São aflições que, na verdade, inscrevem-se num contexto mais geral de percepção negativa sobre a atual gestão do IBGE referente a uma certa ausência nos processos decisórios de atributos desejáveis como: planejamento adequado e coerente; coordenação com as diversas diretorias; e comunicação adequada e articulada de fatos relevantes e maior participação”, manifestaram os coordenadores e gerentes da Diretoria de Pesquisas, em uma das cartas.

A carta dos coordenadores e gerentes da Diretoria de Geociências seguiu linha semelhante.

“A ausência de um processo decisório institucionalizado compromete a efetividade das ações e, sobretudo, a harmonia do ambiente de trabalho e o engajamento das equipes com a missão institucional do IBGE. A falta de participação ativa dos/as coordenadores/as, gerentes e equipes em discussões fundamentais e no processo decisório do Instituto enfraquece o sentido de responsabilidade compartilhada e impede que as decisões contemplem a realidade e as especificidades de cada área”, escreveu o corpo gerencial da DGC.

Além de reforçarem a contrariedade contra os pontos levantados pelos técnicos da DPE, o documento dos gestores da DGC desaprova ainda a alteração do Estatuto do IBGE e criação da Fundação IBGE+.

“Sobre as notícias de mudanças do Estatuto do IBGE e as eventuais implicações de tais mudanças sobre a estrutura organizacional, além da criação de uma fundação vinculada ao Instituto (Fundação IBGE+), consideramos necessário e de extrema importância que essas propostas sejam apresentadas e debatidas com o experiente e competente corpo técnico do IBGE, explicitando os objetivos dessas iniciativas e os ganhos pretendidos pela Alta Direção. A veiculação pela Intranet e deficiente participação do corpo técnico em tais iniciativas levantam uma série de questões e enorme ruído de comunicação”, escreveram os técnicos de Geociências.

Os gestores da Diretoria de Tecnologia da Informação (DTI) também teriam manifestado suas preocupações em documento, a exemplo das duas diretorias mencionadas.

Procurada pelo Broadcast, a direção do IBGE não se manifestou sobre o assunto.

Mudanças de Pochmann no instituto

Em entrevista concedida ao Broadcast em 21 de agosto, Pochmann revelou que preparava um novo plano de trabalho para o IBGE, que previa uma reorganização para assimilar a atuação do instituto como coordenador do Sistema Nacional de Geociências, Estatísticas e Dados (Singed). As mudanças incluem a incorporação de novas tecnologias, mas também a migração de trabalhadores do trabalho remoto para o presencial, a confecção de um novo estatuto e até uma reformulação do organograma gerencial.

Poucos dias depois da declaração de Pochmann ao Broadcast, a Executiva Nacional da Assibge enviou um ofício à direção do instituto pedindo esclarecimentos sobre a reformulação do estatuto do órgão. A Assibge tem reagido com frequência a declarações e medidas de Pochmann, que vêm provocando insatisfação crescente entre o corpo técnico. Os trabalhadores alegam falta de diálogo prévio e de tempo hábil de adaptação em mudanças como a portaria que altera o regime de trabalho no instituto, de remoto para híbrido. Outra ação que gerou insatisfação foram anúncios de mudança no local de trabalho de servidores, que seriam deslocados para outros bairros. Servidores abriram um abaixo-assinado online contra a transferência da unidade do IBGE da Avenida Chile, no centro do Rio, para o prédio do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), no bairro do Horto, na zona sul.

Em junho deste ano, Pochmann já afirmara, através de publicação em uma rede social, que o IBGE estava devolvendo imóveis alugados na capital fluminense, mirando a redução de custos com a locação de “unidades alugadas a peso de ouro”, que permaneceram parcialmente ociosas após o regime de trabalho remoto implementado no órgão durante a pandemia de covid-19. Os servidores estariam sendo deslocados para o trabalho presencial de escritórios no centro do Rio para a unidade do IBGE de Parada de Lucas, na Avenida Brasil, na zona norte.

Em ambas as situações, os servidores reagiram com questionamentos sobre a oferta reduzida de transporte público e o custo mais elevado com logística, por exemplo.

O Assibge empenhou ainda esforços para obter esclarecimentos sobre a criação, em 12 de julho, pela atual direção do IBGE de uma fundação pública de direito privado chamada “IBGE+”. Segundo o sindicato, a existência da nova fundação foi divulgada aos trabalhadores quase dois meses depois, apenas em 9 de setembro, “de maneira panfletária e superficial”, sem divulgar o estatuto, onde seria possível verificar como serão preenchidos seus cargos. O sindicato alerta ainda que o estatuto da nova fundação permite contratação de funcionários pela CLT e obtenção de financiamento por contratos, convênios, acordos de parcerias e outros instrumentos congêneres celebrados com o Poder Público e com a iniciativa privada.

Na sexta-feira, circulava entre servidores do IBGE uma carta anônima publicada na internet, que desfiava uma série de críticas a Pochmann. O texto chama a gestão do presidente de “centralizadora e autoritária”, pedindo o fim de seu mandato à frente do instituto. O documento propõe ainda um abaixo-assinado, mas não tem qualquer relação com o sindicato que representa os trabalhadores.

“A continuidade desse mandato está comprometendo gravemente o funcionamento da instituição, e o impacto negativo dessas decisões já é sentido diariamente pelos trabalhadores e pela qualidade do trabalho realizado”, diz o texto. “Clamamos pela urgente necessidade de uma gestão mais transparente, participativa e comprometida com a preservação da missão pública e da independência do Instituto.”

Em nota, a Assibge reforçou que o documento anônimo “não é de autoria ou responsabilidade do sindicato e expressa posições que não foram deliberadas coletivamente pela categoria”.

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