O dia 5 de junho de 2017 parecia como qualquer outro em Doha. Só parecia, pois o Catar precisou, a partir daquela data, se reinventar na pior crise recente de sua história. O bloqueio econômico e de relações imposto pela Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Bahrein, inicialmente, alegando que o emirado dos Al Thani financiava grupos terroristas islâmicos, obrigou o país, que importava 90% de sua comida e itens para a construção civil, a criar alternativas. Durante quase quatro anos, o Catar esteve isolado no Golfo Arábico. O Irã era seu único aliado na região.

Com o início do bloqueio, houve correria aos mercados, bancos e em dois dias faltava comida nos mercados catarianos. O emir do Catar, Tamim bin Hamad, apesar do clima de tensão, foi até a TV Al Jazeera e pediu calma aos moradores.

O governo, prevendo que sofreria algo assim, se antecipou, fez um estoque de alimentos para nove meses e que conseguiria atender a população enquanto a família real decidia como sair da marcação cerrada dos vizinhos e, posteriormente, de países como Egito e os EUA. A primeira medida foi fortalecer a produção de bens para consumo interno. Com isso, a Fazenda Baladna entrou em campo.

Criada em 2013 na cidade de Al-Khor, a fazenda ganhou protagonismo no país a partir do bloqueio, por se tornar o grande polo da produção de alimentos derivados do leite. A Qatar Airways, principal companhia aérea do país, ajudou no transporte aéreo de 4 mil vacas leiteiras vindas dos Estados Unidos, ainda em julho de 2017. Ainda foram trazidos animais de países como a Holanda e Bélgica, e os aviões, para não serem abatidos por furarem o bloqueio aéreo, faziam longas viagens atravessando o Irã e rotas alternativas até em territórios em guerra, como a Síria, ou extremo leste da Ásia.

Até o fim oficial do bloqueio, em janeiro de 2021, o empreendimento apoiado pelo governo catariano, assim como outras fazendas na região central e noroeste do país, foram ganhando mais importância e engenharia para produzir alimentos básicos, como arroz e tomates, em áreas de deserto de calcário. Para melhorar o solo, são formadas áreas verdes e com irrigação artificial para que as propriedades atendam a demanda interna e reduzam cada vez mais sua dependência do exterior.

Hoje, a Baladna faz o Catar ser autossuficiente na produção de alimentos leiteiros, ao produzir 400 mil litros de leite por dia. A fazenda conta com mais de 22 mil vacas, que vivem em ambientes com ar-condicionado e são ordenhadas, três vezes por dia, de forma eletrônica e em poucos segundos.

A empresa tem 1,8 mil funcionários, a maioria estrangeiros, e mão de obra qualificada da América e Europa. Tem em seu catálogo 250 produtos, como queijos, sucos e iogurtes. A Baladna virou uma potência alimentícia e passou a exportar também para os países vizinhos que até pouco tempo atrás tentavam sufocar econômica e geograficamente o país.

O EMIR É POP
A decisão de fortalecer as bases internas reforçou a liderança de Tamim. O emir, que assumiu o Catar em 2013, após rumores de que um dos irmãos por parte de pai conspirava com a Arábia Saudita para dar um golpe, ganhou ainda mais popularidade ao não permitir a expulsão de cidadãos sauditas, emiradenses, bareinitas e egípcios que possuíam famílias, esposas ou maridos catarianos. Ele disse que não queria separá-los, como os países que encabeçavam o bloqueio haviam feito com pessoas nascidas no emirado.

O apelo familiar em uma nação muçulmana e crescimento continuado do país transformaram o emir em uma figura pop. Um desenho estilizado de seu rosto virou adesivo e ganhou as portas dos comércios, carros, camisetas e até mesmo a fachada de prédios em apoio ao líder.

O respaldo popular era sinal de ele havia tomado as decisões certas e, em vez de o Catar sair enfraquecido do bloqueio do Golfo, saíra mais forte e com indústrias nacionais desenvolvidas.