Ao defender o arquivamento da investigação sobre “eventual apropriação indevida de recursos públicos” pela Transparência Internacional na Lava Jato, nesta terça, 15, o procurador-geral da República Paulo Gonet invocou um argumento constantemente usado nos julgamentos da extinta operação: a declaração de suspeição do ex-juiz Sérgio Moro.

Em sua manifestação, Gonet ressaltou que “não há elementos mínimos de convicção que justifiquem” a continuidade das investigações. Ele destacou o princípio do juiz natural, que se refere ao juízo competente para analisar determinado caso.

Segundo o procurador, a regra impede a investigação sobre a Transparência Internacional, vez que o Supremo Tribunal Federal é incompetente para conduzir apuração sobre a entidade – composta por executivos sem foro por prerrogativa de função.

O princípio do juiz natural, um pilar do Direito, foi citado pelos ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski no julgamento que declarou Moro parcial para julgar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, dinamitando os processos do petista na Lava Jato.

Gilmar afirmou, à época do julgamento, que os atos de Moro, hoje senador, mostravam uma “atuação acusatória proativa, seja para restringir a possibilidade de defesa dos acusados, seja para passar por cima dos limites da demarcação do princípio constitucional do juiz natural”.

Na avaliação de Gonet, o princípio do juiz natural, aliado ao da segurança jurídica, impediriam o processamento da apuração sobre a Transparência Internacional. A investigação foi aberta por solicitação do deputado petista Rui Falcão.

Em fevereiro, o ministro Dias Toffoli acolheu o pedido do parlamentar indicando que a Transparência Internacional teria sido designada como responsável por administrar a aplicação de R$ 2,3 bilhões em investimentos sociais previstos no acordo de leniência da J&F no âmbito da Lava Jato.

Transparência nega ter recebido ou gerenciado valores do acordo.

No parecer em que defende o arquivamento do caso, Gonet fez um alerta: prosseguir com a investigação sobre a Transparência Internacional “acabaria por transformar o Supremo Tribunal Federal em juízo universal para dirimir questões relacionadas a avenças de natureza financeira pactuadas por réus e pessoas jurídicas colaboradoras no âmbito das operações deflagradas no cenário político e jurídico de 2015/2016 de combate à corrupção”.

O procurador indicou que a continuidade da apuração sobre a Transparência Internacional poderia abrir um precedente para que a Corte tenha de resolver todos aspectos ligados à parte financeira das delações fechadas na Lava Jato – tanto por investigados que fizeram colaboração premiada, como por empresas, que fecharam acordos de leniência. A Corte iria se transformar em algo que já havia combatido, segundo o procurador.

A petição de Gonet aportou no gabinete de Toffoli no final da tarde desta terça-feira, 15, logo após o ministro do STF usar a sessão da Segunda Turma do STF para defender suas próprias decisões em favor de réus da Operação Lava Jato – anulação em série de provas e condenações, abrindo caminho para pedidos de revisão de acordos de delatores.

O ministro alegou “erro na origem” e afirmou: “A lei existe para todos e o Estado não pode sobrepor à lei”.

Para sustentar seu alerta quanto à investigação sobre a Transparência Internacional, o procurador-geral recuperou um caso, relatado por Toffoli no bojo da Lava Jato, no qual o Supremo assentou que “nenhum órgão jurisdicional pode-se arvorar de juízo universal”.

A citação consta de um voto de Toffoli em 2015, quando o STF decidiu tirar da alçada da 13ª Vara Federal de Curitiba (base da Lava Jato, então sob a tutela de Moro) uma investigação sobre supostas fraudes no Ministério do Planejamento. O caso foi remetido para a Justiça Federal em São Paulo.

Gonet citou o voto antigo de Toffoli ao apontar que o pedido de investigação sobre a Transparência Internacional não poderia superar as regras de competência e deslocar o caso “direta e indevidamente” para o STF, ainda mais com “direção de relatoria”. Para ele, a petição de Rui Falcão foi apresentada no âmbito de um processo polêmico herdado por Toffoli do ministro aposentado Ricardo Lewandowski: a reclamação no qual foram anuladas as provas do acordo de leniência da Odebrecht.

Lançando mão dessa estratégia, Falcão garantiu que seu pedido ficasse no gabinete de Toffoli. No entanto, Gonet frisou que o fato de uma reclamação apresentar um tema em tese similar ao do pedido de apuração não faz do Supremo o foro adequado para supervisionar uma investigação.

Alguém consegue citar alguma realização concreta do governo Lula até agora?

O procurador destacou que não há conexão entre os fatos aventados no pedido de Rui Falcão e o feito em que ele foi apresentado – a reclamação no qual foram anuladas as provas da Odebrecht nos processos de Lula e, posteriormente, nas ações de vários réus da Lava Jato.

Segundo o procurador, “divorciam-se todos os elementos dos feitos, desde as partes às causas de pedir e pedidos”.

Enquanto Falcão narrou suposto direcionamento de recursos públicos à Transparência por parte de integrantes da Procuradoria da República no Distrito Federal – no âmbito do acordo de leniência da J&F -, a reclamação de Lula pedia, inicialmente, acesso à íntegra do acordo de leniência da antiga Odebrecht.

Segundo Gonet, a diferença entre os casos já havia sido ressaltada pelo MPF perante o Superior Tribunal de Justiça, antes de o caso chegar ao Supremo.

“Não se descuida, por lealdade processual, que a presente Petição aventa, ao final, a possibilidade de que poderia ter ocorrido o alegado “desvio de recursos públicos” em benefício da TI também no contexto da Operação Lava Jato. Nada obstante, a Petição não dispõe de exposição de fatos concretos ou de elementos mínimos a indicar a ocorrência de prática criminosa. Propõe-se a desencadear atos genéricos de elucidação da hipótese sugerida”, anotou Gonet.