A palavra do ano em 2024, quando se fala de estratégia de marketing para qualquer segmento, é comunidade. Em um mundo conectado e cheio de distração, conseguir unir pessoas em torno de uma marca e do que ela carrega como propósito é algo cada vez mais difícil e valorizado pelo mercado. Nos anos 2000, sem saber que esse seria o futuro, as amigas Paula Raia e Fernanda de Goeye formaram intuitivamente uma comunidade. Fazer parte do estilo de vida e se vestir com roupas da então badalada marca Raia de Goeye era o sonho das meninas de São Paulo. E nesses 10 anos de história estava certamente a semente do que vimos na quinta-feira, dia 24, como moda brasileira de alta qualidade, no primeiro desfile da marca De Goeye em São Paulo.

A diretora criativa Fernanda de Goeye tem em suas primeiras lembranças dos 16 anos uma obsessão por modelagens de roupas, por uma imagem que construísse seu estilo próprio. Trabalhou na Daslu ao lado da icônica Eliana Tranchesi e, depois que fechou sua Raia de Goeye, passou 7 anos em uma “incubadora criativa”, repensando os caminhos do que seria sua moda autoral brasileira, até que, em 2017, fundou a De Goeye.

Na última quinta, Fernanda e sua irmã, sócia e também estilista Renata de Goeye transformaram a quadra coberta de tênis do complexo poliesportivo do Pacaembu, em São Paulo, em um show de luzes, sons e excelente moda, que marcou a passarela de estreia de sua marca.

Para receber o público, o ginásio, que pode abrigar até 800 pessoas, se acendeu em tons de rosa e azul e teve sua quadra de saibro – milimetricamente nivelada a ponto de se assemelhar a um grande tapete terracota – riscada por duas finas passarelas espelhadas, uma perpendicular à plateia, que cruzava o meio da quadra, e a outra, paralela, sobre a qual um time estrelado de modelos se alternava em direções opostas, proporcionando aos convidados nas arquibancadas uma visão detalhada, próxima e completa de cada uma das novas peças.

Na apresentação, tudo, desde os tecidos e as texturas às luzes da sala de desfile, veio desenhado para convergir com o objetivo de levar os espectadores pela “viagem intergaláctica” proposta pela coleção. Ou por sua nova fase, como Fernanda fez questão de pontuar antes do desfile. A diferença de nomenclatura vem para reforçar o fato de que a marca não tem como modelo de negócios a renovação completa a cada estação e visa criar uma evolução contínua da moda de sua label.

“Pensamos em coleções atemporais, sem estação, e que acontecem por fases. Preferimos a ideia de um fluxo”, explicou De Goeye, que descreve o processo criativo da marca como algo contínuo e orgânico, guiado pela relação direta com os materiais. De acordo com a diretora criativa, tudo parte do sensorial. É a escolha do tecido – que leva em conta fatores como “a textura, o peso, a transparência ou a opacidade de cada fibra” – que passa a ditar as formas e os volumes das novas criações. E assim se cria uma narrativa, cujas raízes na materialidade e em elementos palpáveis definem a forma, o ritmo, a cadência e a intenção das novas roupas.

“As peças que apresentamos nessa coleção conversam com o mundo espacial. Como na geometria, constelações e galáxias sugerem pontos – estrelas, planetas – interconectados”, conta a diretora, reforçando a importância da conexão entre o físico e o objetivo para essa coleção.

Formas fluídas

Na prática, esse ponto de partida no material é potencializado pelo uso de técnicas artesanais como o moulage, método predileto de Fernanda e que envolve moldar o tecido diretamente sobre o manequim para garantir um caimento único. Com a técnica, é possível criar roupas que caem sobre o corpo com facilidade, moldando-se de maneira orgânica e particular. Assim, criam-se formas e linhas fluidas. A volumetria de personalidade também é um ponto importante da coleção; com suas linhas marcantes, a diretora não se limita à fluidez orgânica e evoca a complexidade da contemporaneidade em suas criações, além de agregar uma significativa dose de atitude, força e sensualidade ao arquétipo da mulher De Goeye.

Os tecidos, por sua vez, vêm trabalhados de forma a ganharem novos níveis de textura. Na coleção, a seda, por exemplo, é sarjada, mais encorpada e resistente, feita com uma técnica semelhante à da sarja; o cetim surge vazado, com perfurações que criam padronagens de cheios e vazios, ambos materiais naturais trabalhados para ganhar novas possibilidades e características sensoriais e práticas, que tinham como objetivo representar as crateras e superfícies planetárias pela galáxia.

Já técnicas como os plissados e os recortes dançam com o movimento e propõem uma estética cósmica suave e fluida de pura elegância, cuja relação com o caráter de texturas aprofunda ainda mais a conversa da coleção.

As cores também vêm em contraste, com tons terrosos e acolhedores contrapostos a nuances frias e acinzentadas, arrematados por detalhes vibrantes e coloridos com as botas que já nascem desejo. Uma coleção coesa, impactante, que fala com a mulher contemporânea e tem os olhos voltados para as estrelas.