De obras produzidas a partir do barro, das pedras ou do algodão a videoperformances e estruturas digitais, o 38.º Panorama da Arte Brasileira apresenta a partir deste sábado, 5, uma seleção de peças reunidas em torno de um conceito comum: o calor-limite, estado físico ou metafísico em que tudo se transforma. Sob o mote “Mil Graus”, em referência à gíria que determina situações incríveis ou estados de tensão absoluta, a mostra bianual reúne 24 artistas e coletivos de diferentes Estados, técnicas e origens que dialogam, de alguma forma, com conceitos como o fogo, o calor e a transmutação.

A lista traz nomes como Solange Pessoa, Lucas Arruda, Gabriel Massan e Joseca Mokahesi Yanomami, que acaba de expor suas obras na Bienal de Veneza, além de grupos como o MEXA (SP), que fará uma apresentação única da peça A Última Ceia, ainda inédita no Brasil. Três não artistas também foram convidados para a mostra: Dona Romana, líder espiritual da Serra da Natividade, Tropa do Gurilouko, grupo de carnaval de Campo Grande, no Rio de Janeiro, e o povo Akroá Gamella, que participa sob o nome Rop Cateh, em colaboração com os artistas Gê Viana e Thiago Martins de Melo.

“Sabemos que é impossível fazer um retrato da arte brasileira, mesmo que provisório. Então buscamos encontrar um ponto em comum entre práticas contemporâneas e chegamos no calor”, explica Thiago de Paula Souza, um dos curadores da edição.

O conceito forneceu leituras importantes. “Surgiram as ideias de temperatura, fogo, também da crise climática, à qual somos sensíveis. Mas não queríamos ficar reféns disso. Logo entendemos que, muito mais do que o calor, o que nos interessava era a transformação”, explica Germano Dushá, também curador. “No limite, o elemento que transforma é o fogo. E nós estamos muito interessados nessa energia transformadora, nessa situação que impõe a transformação como destino imediato e incontornável.”

Constelação

Além da relação com o calor, os artistas que compõem o catálogo do Panorama têm outras características em comum. São vivos, atuantes e ainda não participaram nem da Bienal nem do Panorama. É o caso de Solange Pessoa. No Panorama, a artista mineira apresenta uma constelação de esculturas de pedra-sabão e um conjunto de peças de cerâmica e lã que remetem a fragmentos de rochas escuras. Lucas Arruda, conhecido por suas paisagens etéreas, exibe uma série de pinturas entre o real e o abstrato. Gabriel Massan, jovem artista que assina um cenário da turnê de Madonna, traz um desdobramento de Baile do Terror (2022-2024), obra que faz paralelos entre a escalada de tensões em todo o mundo e a guerra às drogas no eixo Rio-São Paulo.

O paulista Paulo Nimer Pjota apresenta uma peça inédita, dividida em cinco telas, em que seres fantásticos e natureza-morta se misturam. Rebeca Carapiá apresenta obra comissionada para o Panorama.

A lista passa, ainda, por nomes como Mestre Nado, que exibe três esculturas de grande escala, e Maria Lira Marques, que apresenta desenhos sobre pedras. Marlene Almeida comparece com duas obras dinâmicas: a instalação Derrame (2024) e a peça Tempo Voraz II (2012).

Riscos

Souza explica que houve preocupação de representar a densidade do cenário brasileiro. “Em uma produção contemporânea tão pulsante, é interessante não repetir nomes, ampliar e complexificar a discussão. Não é uma busca vulgar pelo ‘novo’, mas uma tentativa de refrescar olhares, arriscar.”

Para Ariana Nuala, curadora adjunta, o próprio conceito abre espaço para extrapolações. “Nós não estamos presos a formalidades, convenções, não estamos preocupados em denominar, categorizar elementos”, diz. “Esse exercício é sobre entender um grau de práticas que são intensas em diferentes aspectos – às vezes politicamente, às vezes em uma perspectiva de festa.”

Para Souza, o Panorama foi capaz de criar um verdadeiro amálgama entre artistas muito distintos. Esses encontros e diálogos se dão, inclusive, em termos físicos. Na exposição, Paulo Pires, artista que trabalha com pedras, é apresentado em um contexto de proximidade com mestre Nado, ceramista de Olinda, e Maria Lira Marques, compondo uma mesma paisagem.

Outro paralelo traçado pelos curadores é entre Laís Amaral e Marlene Almeida. “Laís é carioca, tem 34 anos, tem muito daquela coisa da pintura quase clássica. E Marlene é uma pesquisadora de 82 anos que mistura mineralogia, geografia, geologia e filosofia”, explica Dushá. “Elas chegam a lugares muito próximos, mas por vias muito distintas.”

Jayme Figura, único artista não vivo da lista – ele faleceu durante a concepção do projeto -, é apresentado em proximidade com Antonio Tarsis, de quem foi uma espécie de mentor informal. “Quando Tarsis começou a se entender como artista, parte do seu processo de aprendizagem passou a ser caminhar pelo centro de Salvador. Ele via muito o Jayme nas ruas, e por isso optamos por aproximar os trabalhos”, explica Dushá. “Era o que queríamos: são esses atritos, esses encontros que nos interessam. São ecos.”

Serviço

38º Panorama da Arte Brasileira

Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo.

Av. Pedro Álvares Cabral, 1.301.

3ª a domingo, 10h às 21h. Abertura no sábado (5). Gratuito. Até 26/1.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.