Como é viver no Riviera, uma ‘ilha verde’ num canto de Curitiba e o menor bairro da Capital

Com cerca de 400 habitantes, bairro colonizado por poloneses mantém até hoje sua vocação rural, preservando o bucolismo e a tranquilidade de uma Curitiba de outros tempos

Rodolfo Luis Kowalski

Riviera: bairro tem cenário bucólico e apenas 400 moradores (Franklin de Freitas)

(Crédito: Franklin de Freitas)

Na medida em que a população cresce e o município se urbaniza, Curitiba vai também se tornando uma cidade mais cinza. Segundo dados do MapBiomas, as áreas urbanizadas (estradas, vias e edificações) ocupavam 47,8% do território da Capital em 1985, proporção que chegou a 71,1% em 2021. Nesse mesmo período, a fatia do território ocupada por florestas ou pela agropecuária também despencou, passando de 49,9% para 26,1% – com especial destaque à perda de espaço para a agricultura e pecuária, que chegou a ocupar 35,6% do território e hoje responde por apenas 12,3%.

Em meio a um território predominantemente urbano, no entanto, ainda há uma espécie de ‘ilha verde’ num canto da cidade, um bairro que preserva o bucolismo e a tranquilidade de uma Curitiba de outrora. Localizado entre o Orleans, a Cidade Industrial de Curitiba (CIC) e no limite com o município de Campo Largo, o Riviera é também o menor bairro da Capital, com cerca de 400 habitantes (o equivalente a 0,02% da população curitibana), segundo a estimativa mais recente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para se ter uma noção do que isso representa, o segundo menor bairro curitibano, Lamenha Pequena, possuía 1.513 habitantes, enquanto o maior bairro da cidade, CIC, tinha 192.591.

O Riviera foi formado por famílias de origem polonesa, que se instalaram na região a partir de 1876, quando a Colônia Riviére (nome dado em homenagem ao engenheiro Henrique Riviére, chefe da comissão encarregada da medição de lotes de imigrantes no município de Curitiba) se instalou às margens da antiga estrada do Mato Grosso (atual BR-376). Por sua localização, inclusive, a região acabou sendo favorecida no transporte de mercadorias, o que levou diversos produtores rurais a se instalarem por ali.

Até hoje, inclusive, a vocação à agropecuária imprime suas marcas no bairro, tanto que grande parte dos terrenos no local ainda são chácaras – não raro pertencentes a uma mesma família, tanto que há até mesmo uma área conhecida como “Vila Mazuroski” na região, que é uma quadra que reúne diversas propriedades repartidas ao longo dos anos entre uma mesma família, que sozinha responde por quase 10% da população do Riviera.

No entanto, mesmo essa “ilha” num canto de Curitiba está passando por transformações. Um grande condomínio, por exemplo, já foi construído no local e outro está em obras – o que também deve fazer aumentar a população do bairro, que em 1980, segundo o Censo do IBGE, possuía 166 habitantes, número que chegou a 289 no Censo de 2010, enquanto a estimativa mais recente do IBGE, de 2021, apontava haver 400 moradores na região.

Ainda assim, o bairro segue preservando seu caráter pacato e bucólico. E quem mora por lá garante que não quer se mudar pra “cidade grande”.


“Você dorme, deixa a porta aberta”
A aposentada Isabel Cristina Alves mora há 10 anos na Riviera. Antes viveu em Almirante Tamandaré, mas afirma não ter vontade de voltar para lá e nem de me mudar para qualquer outro lugar. O que a encanta no pequeníssimo bairro curitibano, diz, é a tranquilidade. “Eu gosto de morar aqui, porque você pode deixar suas coisas pra fora [de casa] que não tem ladrão, é bem tranquilo. O pessoal vem morar aqui por causa do sossego, é muito sossegado. Você não vê briga, não vê bebida, não vê droga… Você não vê nada aqui. É um lugar de chácaras mesmo, mas é muito gostoso. Você dorme, deixa a porta aberta e não tem problema”, diz.

A única reclamação que ela tem a fazer do bairro é que não se encontra por perto tudo o que é preciso. Para conseguir atendimento médico, por exemplo, é necessário se deslocar até o Orleans. Além disso, no Riviera há apenas uma mercearia e, para pagar mais barato nas compras, os moradores precisam se deslocar até mercados maiores em bairros próximos.

“A gente gostaria que tivesse mais estrutura, também alguma coisa pro lazer, para gente variar um pouco, né?! Sair chupar um sorvete no domingo, por exemplo… Aqui não tem nada, não acontece nada. Mas, por outro lado, isso que a gente vê na televisão, que um matou o outro e não sei o quê, aqui não tem”, afirma Isabel, contando ainda que quem vem de fora fica encantado com a calmaria no local.

“Quando vem algum parente de fora para cá, eles ficam admirados. Falam ‘nossa, estão no paraíso’, porque só vê mato, só vê mato. Aqui não tem nada, nâo vê nada, e a gente gosta por causa disso, né?! É um lugar tranquilo e a gente quer paz.”


População quer um ‘estica-velho’ no bairro
Integrante de uma das famílias mais tradicionais do bairro, instalada há mais de 100 anos no local, Isabel Mazuroski mora desde o começo de sua vida no Riviera. “Antigamente era tudo chácara, uma colônia de poloneses. Até os sete anos de idade, inclusive, a gente só falava em polonês aqui. Eu fui aprender português já na escola”, recorda ela, comentando que antigamente as famílias, os vizinhos, costumavam se reunir com mais frequência. “Hoje em dia casa um fica mais na sua e agora a gente só se reúne mais na capela, no final de semana, para as orações.”

Outra moradora tradicional do bairro é Maria Gertrudes Lascoscki, de 69 anos, que relata ter sido uma testemunha do surgimento e crescimento do Riviera. “Praticamente vi o bairro surgindo e minha família toda mora por aqui. Aqui é muito bom, muito tranquilo. Eu nunca pensei em me mudar. Só vou lá para o Orleans [onde há um cemitério paroquial] no dia em que eu partir, mas não quero me mudar daqui, não”, comenta ela, citando que a única coisa que a comunidade sente falta é de alguma opção a mais de lazer.

“É isso que a gente precisa, mas infelizmente até agora não conseguimos. Já pedimos uma coisa bem simples para a Prefeitura, mas até agora não fomos atendidos: o ‘estica-velho’ [academia ao ar livre], mas até agora nada”, relata.

Campo

‘Aqui é a única zona rural de Curitiba’

Aos 74 anos, Vicente Ales é um dos moradores mais antigos da Riviera, bairro onde nasceu e passou toda a sua vida. Até hoje, inclusive, ele vive numa casa feita em estilo polonês que foi construída quase um século atrás por Francisco, seu pai, e hoje vive no local com sua filha, a neta e o genro.

“Vivemos aqui desde sempre da agricultura. Eu planto aqui no terreno. Antes a gente plantava muito, porque tinha eu, duas irmãs e um irmão. Depois meus pais faleceram, dividimos o terreno e cada um ficou com um pedaço do lote. Até uns anos atrás eu era mais novo, tinha disponibilidade para enfrentar o mundo da agricultura. Mas depois dos 64 começou a canseira. Mas não paro, continuo trabalhando, porque se a gente não trabalhar, é pior. Eu fico duro das pernas e aí não dá para encarar um bailinho mais”, brinca Seu Vicente, que ainda hoje planta verduras e legumes em sua propriedade, como repolho, tomate, milho e feijão.

“Hoje tudo é moderno, tudo pelo computador. Caramba, eu não sei nem discar no telefone! Fazer o quê, né?! Eu não tenho estudo, meu pai não teve condição de dar isso tudo. Mas ele me ensinou a plantar, me ensinou a agricultura, que é o que ele sabia. Se você me perguntar que dia é bom para plantar um pé de tomate, uma batata, um alface, tenho tudo aqui na cabeça”, conta ele, exaltando que o Riviera pode ser considerado a última zona rural de Curitiba. “Aqui é a única [área rural da cidade], porque não tem mais outra região em que alguém plante, faça agricultura como aqui.”