Orçamento mais curto para o próximo ano deixa SUS em risco (Marcelo Casall Jr / Agência Brasil)

A pandemia do novo coronavírus ainda nem acabou, mas o Sistema Único de Saúde (SUS) já está tendo de voltar a lidar com um velho problema: o da falta de verbas para o financiamento da saúde pública. Com a previsão por parte do governo federal de um orçamento menor para a área em 2023 e a destinação de um montante considerável desses recursos para o chamado “orçamento secreto”, há o temor de que o SUS seja ainda mais pressionado no próximo ano – e isso tudo num momento em que as demandas do setor são crescentes.

O que acontece é que para 2023 a saúde deve contar com um orçamento de aproximadamente R$ 149,3 bilhões. O valor, por si só, já é menor que os R$ 150,5 bilhões executados em 2022, quando o governo federal já havia deixado de repassar recursos extraordinários para estados e municípios lidarem com o enfrentamento da pandemia.

Mas há ainda uma novidade orçamentária em 2023: as emendas do relator (que constituem o chamado ‘orçamento secreto’) agora estão com a área para sua destinação prevista no projeto de Orçamento. Ou seja, se antes esses recursos, que não respeitam critérios de divisão ou transparência, funcionavam na prática como um adicional de verbas para a área a que fossem destinados (já que o espaço no Orçamento para essas emendas era aberto pelo próprio Congresso), agora eles já ocupam um espaço pré-determinado e, com isso, as emendas do relator devem abocanhar R$ 10 bilhões do montante total destinado para a saúde pelo governo federal.

Só que se a Covid-19 em 2022 (e espera-se que em 2023 também) não impactou o sistema de saúde brasileiro como nos anos anteriores, por outro lado começaram a vir à tona demandas represadas, já que diversos tipos de atendimentos e procedimentos foram afetados em 2020 e 2021, quando a Saúde concentrou seus esforços no enfrentamento da pandemia. Além disso, o setor (tanto o público como o suplementar) ainda teve de lidar com a escassez de diversos insumos ao longo do ano, o que resultou na elevação de preços e no aumento de custos, por exemplo.

Farmácia Popular terá de restringir acesso a medicamentos

Um dos serviços mais afetados no país pelos cortes deverá ser o da Farmácia Popular. Com a retirada de 60% de recursos para a gratuidade de medicamentos (que caíram de de R$ 2,04 bilhões em 2022 para R$ 804 milhões em 2023 pela proposta orçamentária), essas farmácias terão de restringir o acesso da população a 13 tipos diferentes de princípios ativos de remédios usados no tratamento da diabetes, hipertensão e asma, segundo alerta da ProGenéricos, associação que reúne os principais laboratórios que atuam na produção e comercialização no País.

De acordo com Telma Salles, presidente da ProGenéricos, a situação deve resultar numa maior pressão em cima do SUS e no esvaziamento da gratuidade da Farmácia Popular, impedindo o acesso de novas pessoas aos medicamentos gratuitos e deixando boa parte dos atuais beneficiários sem os remédios.

“As pessoas vão deixar de ter o produto e utilizar o pouco recurso que têm para passar a comprar o medicamento. Há um desvio de finalidade do recurso de uma população que já é economicamente frágil”, diz ela, destacando que a diminuição da possibilidade de alguém se tratar é devastadora sobre todas as formas. “Tem o agravamento da doença e o custo para o próprio SUS. Não me parece ser inteligente porque vão afogar o SUS com doenças que não são tratadas”, critica.

SUS curitibano pode ser afetado a partir do segundo semestre de 2023

Desde a promulgação da Constituição da República de 1988 o SUS tem como princípio o acesso integral, universal e igualitário ao sistema público de saúde. Para isso, a gestão e financiamento do sistema ocorre de forma tripartite, com União, Estados e Municípios financiando os serviços de saúde conjuntamente. Dessa forma, é de se esperar que um corte na verba da União gere um efeito cascata, pressionando os outros entes federativos.

Em Curitiba, por exemplo, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) teve R$ 2,7 bilhões para despender no ano de 2021, incluindo-se na conta os R$ 400 milhões repassados à capital paranaense para o enfrentamento da pandemia. Em 2022, já sem os recursos extraordinários relacionados à Covid-19, esse montante foi de R$ 2,2 bilhões e para 2023 a previsão é que esse valor chegue a aproximadamente R$ 2,3 bilhões, com a saúde assegurando, mais uma vez, entre 21 e 23% do orçamento municipal (quando o mínimo exigido por lei é de 15%).

Só que o custeio do sistema já compromete quase todo o recurso disponível, o que também significa dizer que uma redução nos investimentos em saúde por parte da União resultará na falta de verba e numa sobrecarga sobre as outras pontas de sustentação do SUS, os Estados e Municípios.

“O governo federal diminuiu as verbas e ainda destinou parte do dinheiro para emendas secretas. Estou preocupada com o financiamento do sistema”, afirma a secretária municipal da Saúde de Curitiba, Beatriz Battistella, comentando ainda que a situação, de tão grave, tem lhe tirado o sono. “O custeio do sistema já compromete quase todo o recurso que temos. Vamos cortar o quê? Exame, consulta, internamento? Não dá”.

Ainda segundo Battistella, o problema não deve ser sentido tão rapidamente pela população. Mas se mantido e executado o orçamento previsto e proposto atualmente pelo governo federal, os curitibanos poderão ver o SUS começar a ficar sem o dinheiro necessário para seu financiamento no segundo semestre, provavelmente a partir de setembro ou outubro.

“Vamos ter de nos mobilizar. A situação é grave e vamos ter uma mobilização política muito grande para fazer frente a essa questão. Do jeito que está não dá certo, não dá certo”, afirma a gestora, explicando ainda que os conselhos nacionais dos secretários municipais e estaduais de saúde já estão dialogando na tentativa de resolver o impasse e que a atuação dos parlamentares (especialmente deputados federais e senadores) eleitos pelo Paraná será fundamental para que se chegue a uma resolução positiva.