Curitiba tem 1.715 moradores de rua; mais da metade tem parentes na cidade

Redação Bem Paraná

Com o intuito de fazer um levantamento sobre o número da população em situação de rua em Curitiba, assim como traçar o seu perfil social, a Fundação de Ação Social (FAS), em parceria com o Instituto Municipal da Administração Pública (Imap), acaba de finalizar a primeira pesquisa do gênero realizada pelo município de Curitiba.  O levantamento revela perfil de quem está nas ruas de Curitiba A pesquisa realizada pela Fundação de Ação Social (FAS) apontou que, no período de 20 dias, 1715 pessoas se encontravam em situação de rua em Curitiba. Deste número, 1133 correspondem a questionários aplicados a pessoas que foram entrevistadas nas ruas, em pontos pré-mapeados pelas equipes de abordagem social e conforme eram localizadas nas vias públicas, em todas as regiões da cidade. Questionários também foram aplicados nos Centros Pop e Casas de Passagem, onde moradores de rua são atendidos ou pernoitam no local. Dentre os entrevistados, 25 pessoas declararam não estar em situação de rua e o questionário não foi aplicado. Além disso, durante a análise dos dados foram identificados 51 questionários respondidos em duplicidade e 122 pessoas se negaram a responder as perguntas. Além dos moradores de rua que responderam os questionários aplicados nas ruas, 582 pessoas em situação de rua se encontravam acolhidas nas Unidades de Acolhimento da FAS e em entidades conveniadas quando a pesquisa foi aplicada.

Dentre os entrevistados, 89% das pessoas são do sexo masculino e 11% são mulheres, e cerca de 60% está na faixa etária dos 25 a 44 anos. As regiões com a maior concentração de pessoas em situação de rua são Matriz (central) com 59%; Boqueirão, 11%; e Portão com 7%. Com relação à origem dessas pessoas, 58% se declarou de outra cidade ou estado, enquanto 42% são de Curitiba. Entretanto, quando o entrevistador perguntou sobre parentes próximos residindo na cidade, 55% afirmaram possuir. O questionário também indagou com qual frequência as pessoas mantinham contato com os familiares, sendo que a maioria (29%) conversa semanalmente com parentes próximos sendo pai e mãe (34%) os primeiros da lista, seguidos de irmãos (32%) e 15% mantêm contato com filhos. Ao serem questionados sobre os motivos que os levaram à situação de rua, os quatro motivos principais foram: envolvimento com drogas, 27%; álcool, 24,7%; conflitos familiares, 22,3%; e desemprego, 9,9%.

Como nesta pergunta o entrevistado poderia responder mais de uma alternativa, 13% das pessoas marcaram como motivo único o uso de drogas e 8% o consumo de álcool. Apenas com esse recorte já podemos planejar futuras ações e repensar algumas políticas públicas, como a necessidade de fortalecer as políticas sobre drogas junto a essa população e, principalmente, recuperar os vínculos familiares daqueles que mantêm algum tipo de contato com a família, analisa a presidente da FAS, Marcia Oleskovicz Fruet. A superintendente de Planejamento da FAS, Jucimeri Silveira, também acredita que os dados mostram a importância de reforçar o trabalho nos territórios e comunidades onde estão localizadas as famílias dessas pessoas, já que os conflitos familiares são um dos principais motivos que levam a esse rompimento de vínculos. Percebemos que, por mais que haja esses desentendimentos, boa parte ainda mantém contato com alguém da família. O trabalho da Proteção Social Básica e da Especial, que acontece próximo às comunidades, é importante para o resgate da autonomia, do protagonismo das pessoas e da superação de vulnerabilidades, diz. Novo Guarda-Pertences será instalado na Praça Osório Sobre a escolaridade, 91% das pessoas entrevistadas afirmaram saber ler e escrever e 60% têm o ensino fundamental incompleto. Outro ponto observado pelos entrevistadores é que, em 30% dos casos, as pessoas entrevistadas estavam acampadas com pertences. Isso reforça a importância de serviços como o Guarda-Pertences, cuja primeira unidade foi instalada em março último, no Centro, e que funciona todos os dias da semana. Desde o seu primeiro mês de funcionamento, a unidade teve sua capacidade total atingida. Justamente por isso, uma nova unidade do Guarda-Pertences foi inaugurada nesta quinta-feira (30) em Curitiba, na Praça Osório.

A pesquisa foi realizada ao longo de 20 dias entre março e abril deste ano. A ação levou a campo 53 servidores públicos com experiência no serviço de abordagem social entrevistando todas as pessoas em situação de rua encontradas no período estabelecido. Além de entrevistas realizadas nas ruas de Curitiba, em todas as regionais da cidade, o questionário foi aplicado nos Centros POP (que realizam o atendimento diurno às pessoas em situação de rua) e em casas de passagem (unidades para albergagem noturna de homens e mulheres). As equipes da FAS, além de percorrer pontos pré-mapeados da cidade com casos já identificados de pessoas que fazem da rua sua moradia, entrevistaram pessoas atendidas a partir de solicitações de abordagem social feitas pela Central 156.

O questionário aplicado teve um total de 15 blocos de informações, trazendo perguntas sobre rotina, hábitos, relações sociais e interpessoais. Foram consideradas pessoas em situação de rua todas aquelas que se declararam como tal. Nossa opção por trabalhar com profissionais da abordagem social e não equipes terceirizadas se deu justamente pela capacitação desses servidores e pela abertura e confiança já estabelecida junto à população em situação de rua. Temos certeza de que boa parte das perguntas só foram respondidas por terem sido feitas por rostos conhecidos dos moradores, diz a superintendente de Planejamento da FAS, Jucimeri Silveira. Além dos dados quantitativos obtidos no levantamento, as equipes técnicas da FAS, compostas por assistentes sociais, pedagogos e psicólogos, estão fazendo a análise qualitativa das entrevistas, inclusive com a realização de grupos focais. Os dados serão cruzados a fim de traçar um perfil social dessa população. Questionário pode ser aplicado outras vezes Segundo a superintendente Jucimeri Silveira, a metodologia aplicada em Curitiba é inédita: Temos cidades no país que realizaram pesquisas por amostragem fazendo o levantamento um único dia ou uma semana. Com o método desenvolvido em Curitiba, a pesquisa pode ser aplicada regularmente, o que nos permitirá fazer análises mais aprofundadas sobre a evolução dessa população, seus hábitos migratórios e influência da sazonalidade, por exemplo.

Antes de ser executada, a pesquisa foi apresentada a outros órgãos que têm atuação com a população em situação de rua: Movimento Nacional da População em Situação de Rua, Ministério Público do Paraná, Centro de Formação Urbano Rural Irmã Araújo (Cefuria), Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional da Pessoa em Situação de Rua no âmbito do Município de Curitiba (Ciamp Curitiba), Pastoral do Povo de Rua e representantes da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e Universidade Federal do Paraná (UFPR).

 

Atendimento continuado ajuda na trajetória de saída das ruas Ao ser uma das primeiras capitais do país a aderir à Política Nacional para o Atendimento da População em Situação de Rua, em 2013, Curitiba iniciou naquele ano uma série de alterações no atendimento a este público. Ao longo do processo de reordenamento de serviços, a Fundação de Ação Social (FAS) ampliou nos últimos quatro anos o atendimento à população de rua: o número de vagas de albergagem e acolhimento passou de pouco mais de 600 para 1115. Novas unidades de atendimento foram abertas: atualmente são 10 unidades oficiais e outras oito instituições conveniadas, que dividem o atendimento de acordo com o perfil do público atendido.

A FAS ainda dobrou o número de Centros POP, passando de três para seis unidades em toda a cidade. O reordenamento de serviços culminou com o fechamento da antiga Central de Resgate Social, que funcionava na Rua Conselheiro Laurindo, no Centro. Criada em 1995 e com capacidade de atendimento para menos de 500 pessoas, a Central era o único espaço de acolhimento existente em Curitiba, abrigando em um mesmo local homens, mulheres, gestantes, migrantes, idosos, indígenas e crianças e adolescentes. A FAS atende em suas unidades de acolhimento, neste momento, 968 pessoas em situação de rua. São usuários da assistência social que contam com acompanhamento continuado e personalizado, com o objetivo de promover uma trajetória de saída das ruas. Sergio Carvalho, de 43 anos, é um dos exemplos. O consumo de álcool fez com que ele perdesse o emprego e o contato com a família. Foi parar nas ruas de Curitiba. Diz não se lembrar com muita clareza deste período e só aceitou o atendimento da abordagem social da FAS em 2015, quando foi levado para a Unidade de Acolhimento Institucional (UAI) Plínio Tourinho, no Rebouças, que atende homens em situação de rua. Ele admite que nos primeiros dias estranhou as normas da casa: horário de acordar, de fazer refeições e de dormir.

Na rua a gente tem uma falsa sensação do que é bom, de que se é livre. Esquece que pode ser diferente, do simples valor de tomar banho todo dia ou dormir numa cama limpa, conta. Em outubro do mesmo ano, já fazendo acompanhamento no Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps-AD), iniciou curso no Senai de Manutenção Elétrica e Industrial, que concluiu em maio, e está em busca de uma oportunidade de se recolocar no mercado de trabalho. Além da UAI Plínio Tourinho, foram inauguradas em Curitiba desde 2013 a UAI Rebouças, a UAI Boqueirão e serviços inéditos no país: a Casa de Passagem Feminina e LBT, exclusiva para o atendimento de mulheres e pessoas que se identificam com o gênero feminino; a Casa do Vovô, para homens idosos com histórico de vida nas ruas; o Projeto Casulo, destinado ao atendimento de crianças e adolescentes encontrados nas ruas; a Casa de Passagem Indígena, que acolhe temporariamente indígenas que vêm para Curitiba comercializar artesanato; e o Condomínio Social, última etapa do atendimento social antes da reconquista da autonomia pelo usuário, em que a maioria dos moradores já voltou ao mercado de trabalho ou estuda. De acordo com a presidente da FAS, Marcia Oleskovicz Fruet, a nova política de atendimento à população em situação de rua da cidade não é focada no mero recolhimento de indivíduos, mas no acolhimento e transformação das pessoas: Quando falamos em acolher é preciso diálogo, aproximação. Romper aquele medo que as pessoas tinham de ser recolhidas e colocadas num único local leva um tempo, mas estamos diariamente trabalhando neste sentido, afirma. Entenda as diferenças das unidades de atendimento à população em situação de rua Centro POP: Unidades para o atendimento diurno da população em situação de rua, onde o usuário pode fazer refeições, higiene, solicitar documentos e pedir encaminhamento para outros serviços. Casa de Passagem: Unidades em que o usuário pode fazer higiene pessoal, troca de roupa, alimentação e pernoite. Unidades de Acolhimento Institucional: Unidades que possibilitam a permanência em período integral, em que o usuário é acompanhado pela assistência social e por outras políticas públicas, como saúde, educação, habitação e trabalho, entre outras.