A Miss Curitiba Kimberly Rhiane: coroada na última semana, ela disputará no próximo ano o Miss Paraná (Crédito: Franklin de Freitas)

A última terça-feira (18 de outubro) foi um dia de festa na Vila Torres, em Curitiba. Naquele dia aconteceu o concurso Miss Curitiba Universo 2022 e quem acabou sendo coroada foi justamente uma moradora da mais famosa e mais antiga comunidade curitibana, a modelo Kimberly Rhiane dos Santos Ramos, de 27 anos.

Nascida e criada na Vila que fica às margens do Rio Belém, reunindo cerca de 9 mil habitantes, Kimberly já havia vencido o Miss São José dos Pinhais em março deste ano e recentemente resolveu participar do concurso da capital paranaense, abdicando da coroa que havia conquistado no município metropolitano. Com a mais nova faixa de Miss, garantiu seu lugar no Miss Universo Paraná, que acontecerá em março do ano que vem, possível e provavelmente em Curitiba.

A história da jovem com a modelagem, no entanto, começa muito antes. Segundo a mãe dela, Zenilde Aparecida dos Santos, a filha desde sempre foi muito vaidosa e ficava se olhando no espelho, fazia poses e gostava de maquiagem. “Minha filha, falando como mãe babona, é linda desde neném”, comenta Zenilde, explicando que a carreira de Kimberly na modelagem teve início quando a jovem tinha entre 10 e 11 anos.

“A gente estava andando na Rua XV e um rapaz abordou a gente e falou de fazer umas foto. Gostamos do que foi oferecido, fomos conhecer, e aos pouquinhos ela foi entrando [no mundo da modelagem]. Ela era uma criança tímida, coloquei ela num curso mais para fazer teatro e ir perdendo essa timidez, para conhecer pessoas fora da nossa realidade aqui. Foi quando ela começou a andar com as próprias pernas. A vida é feita de escolhas, e escolhemos o melhor para ela”, comemora a mãe da Miss.

Até a adolescência a jovem seguiu modelando e participando de concursos. Mas quando completou 15 anos, começou a trabalhar como jovem aprendiz e aí o sonho e a realidade acabaram se chocando. “O mundo de modelo não é fácil, tem muita concorrência. Eu fiquei sete anos trabalhando no administrativo, mas não enchia meus olhos, não encantava o meu coração”, relata a jovem, que em 2019 decidiu sair do emprego e focar, definitivamente, na modelagem.

“Fiz algumas modelagens como voluntária, como modelo de maquiagem – Curitiba é um polo de maquiadoras. Daí as coisas foram fluindo, só que veio a pandemia e eu fiquei meio perdida, meio parada. Mas pelos trabalhos que fiz antes da pandemia, eu tinha feito uma cartela de clientes boa para retomar depois da pandemia, e eles continuaram me chamando.”

Miss (quase que) por um acaso

Embora já tivesse participado de concursos, Kimberly jamais havia tentado ou mesmo imaginado ser Miss. Até que no começo deste ano, por acaso, viu um anúncio no Instagram sobre o concurso de Miss São José dos Pinhais (ela morou no município metropolitano por três anos e recentemente voltou para Curitiba, se mudando para uma casa próxima de sua mãe, que vive na Vila Torres).

“Resolvi me inscrever e deu certo. É um mundo novo, diferente, com uma enxurrada de coisas para aprender, mas é muito legal”, diz a jovem, que depois de conquistar seu segundo título de Miss agora inicia a preparação para dar um novo passo e buscar o título de Miss Paraná.

“Vou me preparar para o Miss Paraná, física e psicologicamente. Ser Miss vai além da beleza física, tem outros requisitos, como ser próxima das pessoas, ser caridosa, ajudar quem precisa, e isso eu acho que a gente consegue aumentar e desenvolver. Quando a gente parte de um sentimento bom, parece que a gente consegue expandir esse sentimento para outras áreas da vida”, afirma Kimberly.

Uma vida inteira na Vila Torres

Não só Kimberly nasceu e cresceu na Vila Torres, mas toda a família dela está ligada ao local. Em especial ao Colégio Estadual Manoel Ribas, local onde a avó da Miss Curitiba viveu e trabalhou por 30 anos e onde a mãe dela já trabalha há 23 anos e vive atualmente, atuando como caseira e secretária da escola. A comunidade, efetivamente, é o lar da família, seu recanto.

“Eu morei em algumas casas aqui dentro da Vila. Minha mãe mora aqui [no Colégio Manoel Ribas] porque ela trabalha na escola, é caseira e secretária. A minha vó também morou aqui do lado, dentro da escola, foi a minha primeira casa. Então estamos muito envolvidos com tudo isso, conhecemos todo mundo. Faz 27 anos que estou aqui”, afirma Kimberly, ao que sua mãe faz questão de ressaltar a importância da comunidade para a família.

“Aqui nos sentimos protegidos. Eu trabalho há 23 anos no Colégio, minha mãe se aposentou aqui, trabalhou 30 anos. Aqui é um pedaço da gente. A gente tem um carinho, uma raiz que não tira a gente daqui de uma hora para outra”, comenta Zenilde.

Derrubando estigmas e quebrando preconceitos

Por conta de sua origem, no entanto, Kimberly admite já ter tido de superar algumas barreiras ‘extras’. “Quando a gente nasce em determinado lugar ou família, a gente vem com um estigma escrito na testa. Quando eu falo que moro aqui, nasci aqui, as pessoas já reagem dando uma recuada as vezes. Muita gente admira, entende que 5% das pessoas que moram aqui são as que fazem as coisas erradas e que o restante é trabalhador, seja na reciclagem, como advogados, médicos… Tem todo tipo de gente que vem daqui, pessoas que tem sonhos”, destaca a modelo.

Por outro lado, esses desafios acabam tornando esses momentos de vitórias ainda mais saborosos, especialmente porque a jovem percebe estar virando um espelho, uma inspiração para muitas outras jovens que sonham um dia seguir o caminho que ela já seguiu. “Quando a gente está vivendo a situação, não enxergamos a potência que tem. Mas as pessoas vêm e conversam, as meninas, as crianças, olham e o olhinho brilha. É muito legal poder inspirar outras meninas. Parece que as pessoas entendem que podem alcançar também. Independente de onde a gente vem, a nossa realidade não dita quem a gente é, onde a gente pode chegar”.

Questionadas, ainda, se um dia pretendiam deixar a Vila Torres, mãe e filha são enfáticas. “Muito da nossa vida está aqui, toda a minha família está aqui, a família do meu namorado, e a atmosfera que aqui tem é diferente de qualquer outro lugar. Você passa na rua todo mundo te cumprimenta, te abraça, te acolhe, e isso não tem em nenhum outro lugar. Eu morei três anos num condomínio em São José dos Pinhais e não conhecia ninguém. Aqui é diferente. Então, até se um dia a gente for embora, não morar mais aqui, vamos continuar vindo. Aqui estão nossas raízes”, exalta Kimberly.