Em Curitiba, tudo mudou em quase um século. Ou quase tudo: o Bar Palácio persiste

Rodolfo Luis Kowalski

Franklin de Freitas

Muita coisa mudou em Curitiba ao longo das últimas décadas. Na década de 1930 uma cidade com 100 mil habitantes e uma paisagem predominantemente rural, a capital paranaense hoje já concentra mais de 1,87 milhão de pessoas num cenário urbano, onde mais de 70% do território é coberto pelo concreto (área não vegetada). Mas ainda que muita coisa – ou até mesmo quase tudo – tenha mudado ao longo de 93 anos, há outras que permanecem, que resistem. Uma delas é o Bar Palácio, inaugurado há 93 anos e em funcionamento até hoje, na Rua André de Barros, número 500, no Centro da cidade.

À época de sua fundação, no ano de 1930, o estabelecimento se chamava Café e Restaurante Palácio e funcionava num outro local, na Rua Barão do Rio Branco, em frente ao então Palácio do Governo do Estado, em cujo prédio hoje funciona o Museu da Imagem e do Som do Paraná – fato que explica a origem do nome da casa de carnes. Em localização privilegiada, a casa atendia a clientela das 18 horas de um dia às 7 horas da manhã seguinte, recebendo durante o horário de funcionamento diferentes tipos de público e sendo um dos poucos estabelecimentos da cidade que adentravam a madrugada, características que o fizeram passar a ser chamado de Bar Palácio.

Desde a década de 1990, o restaurante funciona na Rua André de Barros, das 19 horas até 1 da madrugada durante a semana e até as 3 da manhã aos finais de semana. Mantém, no entanto, um ótimo cardápio, com destaque, é claro, para as carnes – o gerente Laurindo Graciano, que desde 1994 trabalha na casa, recomenda o churrasco paranaense e o mignon na manteiga. E preserva, também, dezenas, centenas de histórias, algumas delas contadas em jornais antigos e fotografias penduradas nas paredes do próprio restaurante.

Em 2003, por exemplo, o Bar Palácio foi visitado pelo multipremiado diretor Francis Ford Coppola, responsável por filmes como “O Poderoso Chefão” e “Apocalypse Now”. Na época, o estadunidense estava em busca de cenários para um filme que acabou não sendo realizado e decidiu visitar Curitiba, uma vez que era amigo de Jaime Lerner, frequentador assíduo do restaurante (assim como outras famílias tradicionais da sociedade curitibana, como os Requião e os Richa).

Mas se o sonho de ser cenário de um filme hollywoodiano não se realizou, quatro anos depois o Bar Palácio marcou presença num verdadeiro clássico do cinema brasileiro: “Estômago”, de 2007, que conta a história de um migrante nordestino que chega à cidade grande em busca de oportunidade e aprende a profissão de cozinheiro. No longa-metragem, o restaurante aparece nas cenas em que o protagonista da história aparece na cozinha de um restaurante italiano chamado na obra de “Bocaccio”, enquanto aprende a cozinhar com “Seu” Giovanni.

Sob nova direção

Fundado por Adolfo Bianchi, um italiano que viveu um tempo em Buenos Aires antes de se estabelecer na década de 1930 em Curitiba, o Bar Palácio teve ainda mais dois proprietários em seus primeiros 90 anos de história: Antonio Humia Durán e o espanhol José Fráguas Lópes, mais conhecido como Pepe, que era genro de Duran e comprou dele o restaurante, em 1955.

Pepe esteve à frente da casa até o fim da sua vida, aos 90 anos, no dia 23 de janeiro do ano passado. Agora, quem toca o negócio é sua filha, Maria Concepcion Fráguas Umia, a Conchita, de 66 anos, que revela ainda haver alguma incerteza sobre a próxima geração de administradores do local, mas garante uma coisa: o Bar Palácio seguirá vivo.

“Não sei como é que vai ser. O falecimento do meu pai é muito recente, foi começo do ano passado e pegou todo mundo de surpresa. Claro, sabíamos que ele já tinha uma certa idade, mas não imaginávamos, não esperávamos. Então agora a gente está vendo a questão do inventário para ver como vamos fazer [a divisão dos bens e quem ficará, efetivamente, com o comando do restaurante]. Mas não vai fechar. Curitiba não deixaria. É muita tradição”, comenta a administradora.

“Todo mundo em volta muda e ele permanece”

Todos os dias, Laurindo Graciano chega ao Bar Palácio entre 18 horas e 18h30. Faz os últimos ajustes no salão antes de abrir a casa e confere se está tudo certo na cozinha, para perto das 19 horas abrir as portas do icônico restaurante curitibano. Uma rotina que se repete, e com muito amor e dedicação, há décadas: Graciano é hoje gerente do estabelecimento e trabalha na empresa há 29 anos. “Sou do interior e cheguei em Curitiba em 1984. Aqui, comecei a trabalhar dez anos depois, no dia 25 de abril de 1994. Trabalhei 10 anos como garçom e já faz 19 que atuo como gerente”, conta ele.

Para atender ao público, a casa conta com uma equipe de oito pessoas, entre salão, cozinha e limpeza. Entre eles, estão alguns funcionários, como o Milton, que é garçom, que já está há 34 anos na empresa, enquanto o “caçula” da casa é o Thiago, já soma 10 anos de Bar Palácio. Não surpreende, então, a resposta de Laurindo quando questionado sobre o que mudou no Bar Palácio desde que ele começou a trabalhar na casa.

“Olha, aqui nós sempre procuramos manter o mesmo. Não tem muita mudança, não. É um lugar que fica parado no tempo, todo mundo em volta muda e ele permanece”, diz o gerente, ressaltando que a casa também mantém a qualidade do atendimento e de produto, o que a faz cativar gerações de curitibanos. “Tem clientes que vinham no colo dos pais e hoje já estão vindo pra cá com a namorada, até com os filhos já. Então a gente tem uma clientela muito boa, aqui é um ponto obrigatório para quem quer conhecer Curitiba. E para quem é curitibano e ainda não conhece, eu convido que venha porque vai gostar, com certeza”.