RAIAR DA AURORA FABRICA DE VIDROS
Vidraçaria Raiar da Aurora: reaproveitamento de matéria-prima para a produção de novas peças (Foto: Franklin de Freitas)

Tranformar o que era caco numa nova obra de vidro, e fazer isso através de um processo artesanal e sustentável. Essa é a proposta da Cristaleria Raiar da Aurora, uma fábrica de vidros que desde a década de 1940 funciona no bairro Abranches, pertinho de onde fica a Pedreira Paulo Leminski e a Ópera de Arame. Tendo como carro-chefe de seu extenso catálogo os famosos baleiros, a empresa trabalha até hoje com a milenar técnica do sopro.

Quando de sua fundação, na década de 1930, a Raiar da Aurora funcionava em Colombo, na Região Metropolitana de Curitiba (RMC). Sua atuação era focada na produção de cristais com a utilização de insumos que vinham da Europa, só que a partir da Segunda Guerra Mundial começou a faltar matéria-prima. Foi quando Victorio João Brunor teve uma ideia revolucionária, que levou à inauguração, em 1949, da sede que funciona há 75 anos em Curitiba.

“A partir da Segunda Guerra Mundial começou a faltar insumos, e até então todos os descartes de vidro eram colocados debaixo da terra. Foi quando veio a ideia de reutilizar esse descarte: em vez de jogar fora, trazer para Curitiba, fazer o derretimento dele e seu reaproveitamento. E desde então estamos aí com essa arte de reciclar 100% da matéria-prima, num trabalho que envolve sustentabilidade”, conta Hellen Morais Bittencourt, que trabalha na área comercial da fábrica.

5 mil toneladas de vidro por mês

Por mês, mais de 5 mil toneladas de vidros são tiradas do meio ambiente pela fábrica, que pega o material com cooperativas da região para os transformar em baleiros, garrafas de bebidas e de perfumaria, recipientes para a área médida e hospitalar e itens de decoração. No entanto, apenas os chamados vidros brancos são aceitos, para não sujar o forno da fábrica. E todo o material que a fábrica recebe e não é utilizado (como alumínio e plástico) é separado e retornado para as cooperativas.

“O vidro é o material que demora mais tempo para se decompor no meio ambiente. E nós conseguimos, com um taco de vidro, fazer uma peça muito bonita de decoração, fazer algum recipiente para a área médica. Isso tudo é muito gratificante, muito legal”, exalta Hellen, explicando ainda que a Raiar da Aurora, além de atender ao consumidor final (com uma loja que fica bem ao lado da fábrica, na Rua João Gava, 664), também tem como clientes marcas como Camicado, Boticário e Tok&Stok.

A milenar técnica do sopro e o ofício do vidreiro

O processo de produção se inicia com a lavagem das garrafas e cacos que chegam até a Raiar da Aurora via cooperativas. Na sequência o material é levado para um forno, que fica ligado em temperatura de 1500 graus Celsius. Ali ele é derretido para então ser reaproveitado.

A partir daí, são dois os caminhos possíveis. Uma parte da produção é feita por um maquinário, que faz a injeção de ar para a produção de garrafas de bebida, por exemplo. Já a outra parte é feita com a utilização da técnica milenar do sopro, num trabalho artesanal, manual.

Primeiro, um vidreiro retira uma bola de vidro do forno com o auxílio de uma cana vazada (um ferro adaptado) e começa a soprar, fazendo a injeção de ar que vai formar uma bolha no interior do vidro, deixando-o oco. Em seguida, mergulha o material dentro de mais vidro líquido, aumentando sua camada, conforme o resultado almejado. E então vai moldando ao mesmo tempo em que sopra o material, até ele ganhar forma.

Depois de finalizada, a peça é acondicionada num forno de têmpera e mantida numa temperatura controlada de 500ºC. “Depois vai baixando a temperatura, aí de noite desliga [o forno] até chegar na temperatura ambiente, que daí no outro dia tiramos as peças”, explica Hellen.

Uma empresa familiar, dos proprietários aos funcionários

Hoje diretor-geral da empresa, João Carlos Brunor tem 69 anos de idade e está há 54 dentro da fábrica, sendo neto do fundador da fábrica. “Eu comecei lá dentro, no chão de fábrica. Fazia aquele arame para vidro de compota, sabe? Naquele tempo vendia muito, toda casa tinha. Depois passei pra office boy, numa época em que só tinha banco no Centro da cidade”, recorda ele.

Entre os funcionários da empresa, no entanto, esse caráter familiar também está presente. E um exemplo disso é João da Silva, que tem 60 anos de idade e no final do ano completará 46 anos na empresa. “Eu cheguei aqui em Curitiba em 1978, vim direto da roça pra cidade grande, e tô até hoje aqui. A única empresa da minha vida é essa daqui e o dia que eu sair daqui, vai ser a última. Um registro só na carteira de trabalho”, orgulha-se.

Mas ele não é o único da família a trabalhar na fábrica. Um de seus filhos, irmãos, cunhados e primos também estão na produção ou venda dos produtos da Raiar da Aurora. “A família quase toda está aqui, uns há 20 anos, outros com 30 anos de casa”, diz o vidreiro, brincando que quando entrou na fábrica a única coisa que sabia de vidro era tomar água no copo. “Fui aprendendo no trabalho mesmo, vendo os companheiros trabalhar. Aqueles que me ensinaram a trabalhar no vidro já faleceram. Mas a gente segue o exemplo deles, ensinando também quem quer aprender a arte do vidro, porque essa arte não é para qualquer”, afirma ele.