São Francisco de Paula, o mais antigo cemitério de Curitiba (Valquir Aureliano)

Nesta quarta-feira, 2 de novembro, um dia após a Festa de Todos os Santos, é celebrado no ocidente o Dia dos Fiéis Defuntos, mais conhecido como Dia de Finados, uma data instituída ainda na Idade Média pela Igreja Católica (mais precisamente pelo Abade Odilo de Cluny, na França) para que as pessoas não se esquecessem de rezar pelos seus mortos, uma vez que dentro daquela crença já havia a noção de purgatório e as almas dos que se foram poderia estar precisando de orações.

“Os vivos rezarem pelos mortos mitiga o score, digamos assim, que eles [mortos] têm de oração necessária para se livrar do purgatório e ir para a salvação eterna. Então era preciso lembrar aos vivos que os mortos precisam das nossas orações”, explica Clarissa Grassi, pesquisadora cemiterial e diretora do Departamento de Serviços Especiais da Prefeitura de Curitiba. “Rezar pelas almas no purgatório, rezar pelos seus, garantia a você uma tradição que, de repente, quando você morresse, se estivesse no purgatório, poderia ser beneficiado por aqueles que rezarem por você. É uma troca simbólica que vai garantir ou pelo menos tentar garantir o teu pleito no dia que você precisar dessas orações”.

Clarissa é a responsável pelas famosas visitas guiadas ao Cemitério Municipal São Francisco de Paula. Há quase duas décadas pesquisa os cemitérios de Curitiba e as histórias que esses lugares preservam.

“Sempre brinco que, no dia em que eu morrer, meu epitáfio vai ser ‘Definitivamente aqui’, porque eu acho que sou a viva que mais passou tempo entre os mortos”, comenta a pesquisadora. “É a minha paixão poder, a partir do túmulo e do que ele me dá de respostas, de informações e de sinais, conhecer e reconhecer trajetória dessas pessoas.”

Ninguém melhor do que ela, então, para contar a história funerária de Curitiba, especialmente a história do mais antigo cemitério de Curitiba, o Cemitério Municipal São Francisco de Paula.

Uma necrópole no coração da cidade
O São Francisco de Paula, também conhecido simplesmente como Cemitério Municipal, é o primeiro cemitério de Curitiba, inaugurado em 1º de dezembro de 1854. Quando de sua inauguração, ficava numa região fora do quadro urbano da capital paranaense, numa espécie de rocio. Já no início do século XX, contudo, o crescimento da capital acabou fazendo com que aquela área fosse incorporada ao quadro urbano do município, estando hoje numa região central, no coração da cidade, efetivamente.

Segundo Clarissa Grassi, a inauguração daquele espaço marca o fim dos sepultamentos dentro das igrejas em Curitiba, os chamados sepultamentos ad sanctus, por força do discurso higienista (que via na proximidade entre mortos e vivos uma fonte de contaminação para epidemias, por exemplo). Após sua inauguração, contudo, o cemitério fica quase nove meses sem sepultamentos. Até que aporta em Paranaguá, no litoral do estado, um navio de bexiguentos (que era como se chamavam as vítimas de varíola).

“O medo dessa contaminação vir de Paranaguá para Curitiba motiva toda uma campanha de vacinação, mediante postura municipal. Então o responsável de cada família tinha que vacinar todos os seus familiares e escravizados”, conta.

“E, caso não o fizesse, poderia ter de pagar uma multa de 30 mil réis e ficar três dias na cadeia”, continua.
Logo depois da publicação dessa postura no Dezenove de Dezembro, nosso primeiro jornal, já é publicada uma nova postura, daí proibindo o sepultamento dentro das igrejas, com a mesma penalidade: multa de 30 mil réis e três dias de cadeia”, conta Grassi.

No dia 29 de setembro de 1855, então, a Dona Delfina Sampaio, uma senhora de 82 anos, falece em decorrência de moléstias internas e, finalmente, é inaugurado o Cemitério Municipal, que de lá para cá já somou pelo menos 96 mil sepultamentos ao longo de 168 anos. “Ele acaba sendo um tipo de resumo simbólico de Curitiba. É uma necrópole que tem todo um arcabouço de referências arquitetônicas, técnicas construtivas, modismos de materiais e as próprias memórias dessas histórias, inúmeras pessoas, sejam conhecidas ou não, mas que de alguma forma contribuíram para a nossa cidade ser o que ela é hoje. Então é um patrimônio, é o equipamento público mais antigo de Curitiba”, afirma a pesquisadora cemiterial.

As personalidades que ‘aqui jazem’
Pelo fato de ter sido o primeiro cemitério curitibano, o Cemitério Municipal de Curitiba é um local onde repousam diversas personalidades que fizeram parte das história da capital paranaense. Lá estão poetas como Helena Kolody, Emiliano Perneta e Dario Vellozo; políticos como Carlos Cavalcanti, Vicente Machado, Cândido de Abreu e Ivo Arzua; empresários como Agostino Ermelino de Leão Junior (do Chá Matte Leão), Hugo Cini (do Refrigerantes Cini), Francisco Fasce Fontana (da Mate Real) e Florian Essenfelder (da fábrica de pianos Essenfelder); e personalidades do futebol como Major Antônio Couto Pereira e Jofre Cabral.

“Mas, de longe, o túmulo mais visitado é o da Maria Bueno, que é a nossa milagreira, assassinada em 1893. Mas temos aqui o Barão de Serro Azul; a Erundina Alves Marques, que foi a primeira engenheira do Brasil; Maria Falce de Macedo, primeira médica e primeira catedrática da Universidade Federal do Paraná”, conta Clarissa Grassi.

“(Ela) junto com seu marido fundou o que hoje conhecemos como Frischmann Eisengart, primeiro laboratório de análises clínicas de Curitiba; e o Ivo, do Blindagem, que tem um epitáfio super diferente, que diz ‘aqui rock’, e não ‘aqui jaz’”, relata Clarissa Grassi.

É um sem-número de personalidades que permitem contar a história de Curiiba sobre inúmeros vieses. “Fazemos as visitas guiadas temáticas: de personalidades negras e de clubes operários; de artistas visuais; dos músicos; sempre tentando trazer a trajetória das pessoas e os seus feitos, no sentindo de tangibilizar. Então, por exemplo, na visita dos artistas eu trago pranchas, reproduções das telas, para eles verem, entender um pouco a produção dos artistas. Quando tem a visita dos poetas, dos escritores, a gente faz a leitura de obras. Ano que vem vamos ter a visita guiada dos músicos, com execução ao fim da visita das peças deles. Conhecer não só a trajetória dessas pessoas, mas também seus feitos”, explica a pesquisadora cemiterial, que pretende retomar as visitas guiadas ao cemitério entre o final de novembro e o começo de dezembro.

Visitas
Estrutura cemiterial e movimento no Dia de Finados

Curitiba conta hoje com cinco cemitérios municipais (São Francisco de Paula, Água Verde, Boqueirão, Santa Cândida e Zona Sul), possuindo, ao todo, 24 cemitérios, considerando-se também os privados – número que ainda pode subir para 25 se contarmos o Cemitério das Carmelitas, menor cemitério da cidade e onde só as freiras carmelitas são sepultadas.

Nos cemitérios municipais, 371.179 pessoas estão sepultadas numa área que soma 381.345 metros quadrados. São 32.55 túmulos permissionados e mais seis mil gavetas que o município possui para atender a população carente. O maior número de sepultados está no Cemitério do Santa Cãndida, com 113.172.

Com tanta gente para ser rezada, o Dia de Finados deve ser movimentado na capital paranaense. Ainda que a data caía num dia de semana, o que contribui para que haja uma certa dispersão, explica Grassi.
“Tem gente que vem no final de semana e não especificamente na data de Finados. Mas a expectativa é que a gente tenha uma boa movimentação. Não conseguimos ter um controle efetivo de público, porque todos os cemitérios do município tem vários acessos. Mas vamos ter um movimento bem intenso na terça e na quarta-feira, porque tem gente que gosta de vir no Dia de Todos os Santos”, aponta.