Igreja que virou palco de manifestação é símbolo da história negra curitibana

Antiga capela que ficava no local foi erguida por escravos e para escravos. Até hoje a fachada do local mantém azulejos da igreja original, inclusive

Rodolfo Luis Kowalski

Valquir Aureliano - História da Igreja do Rosário: negros e o catolicismo

A Igreja Nossa Senhora do Rosário de São Benedito, localizado na Praça Garibaldi, no Centro de Curitiba, virou notícia no país inteiro neste começo de semana após ser invadida no último sábado (5 de fevereiro) por manifestantes que protestavam contra as mortes do imigrante congolês Moïse Kabamgabe, espancado até morrer em um quiosque no Rio de Janeiro, e de Durval Teófilo Filho, outro homem negro e que foi morto a tiros pelo militar da Marinha Aurélio Alves Bezerra, seu vizinho, que alega ter o confundido com um ladrão. 

Mas, afinal, por que uma manifestação dessas acontecia naquele local, em frente a uma igreja católica?

O que acontece é que até meados do século XIX a população negra – e majoritariamente escravizada, até então – era impossibilitada de frequentar a “igreja dos brancos”. Apesar disso, havia a vontade de integrá-los a fé católica e, dessa forma, várias igrejas dedicadas especialmente aos negros foram construídas pelo país, incentivando a prática religiosa entre essa população.

Foi dentro desse contexto que, em 1737, foi inaugurada a primeira igreja do Rosário, que foi o terceiro templo de Curitiba, depois da Matriz e da Igreja da Ordem. O nome original do local, inclusive, era Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos de São Benedito.

A relação do local com Nossa Senhora do Rosário se explica pela Irmandade do Rosário que em meados do século XVI chegou ao Brasil como a Irmandade dos Homens Pretos de Olinda, em Pernambuco. Já no final do período colonial, as irmandades do rosário passaram a ser constituídas pelos “homens pretos”. Já São Benedito era filho de negros escravizados, que ao nascer (livre), trouxe aos seus pais a liberdade, como uma promessa de seu senhor, na Itália de 1524.

Com a abolição da escravatura, no entanto, a igreja perdeu sua razão original de ser. Foi reformada nas primeiras décadas do Século XIX e serviu de matriz de 1875 a 1893, durante a construção da Catedral, na Praça Tiradentes. Em 1931, após quase dois séculos de existência, acabou demolida, dando espaço à atual Igreja do Rosário, como é conhecida, construída em 1946, em estilo barroco.

Ainda assim, a fachada atual da igreja ainda tem azulejos da igreja original. Seu interior abriga azulejos portugueses, com os Passos da Paixão.

RÁPIDA:

Missa da paz

Após a invasão de manifestantes no último final de semana, a Igreja Nossa Senhora do Rosário marcou uma Missa e Ato de Paz para o próximo sábado (12), às 17 horas. Os organizadores pedem ainda que os participantes levem uma rosa e um lenço branco. O ato foi acordado entre a arquidiocese de Curitiba e os organizadores do protesto do último final de semana.

 

Guerra de versões marca episódio 

Segundo o vereador Renato Freitas (PT), que participou do protesto organizado no sábado pelo Coletivo Núcleo Periférico, a entrada dos manifestantes na igreja aconteceu após um diácono responsável pelo local solicitar que os manifestantes fossem para outro local, para que o ato não coincidisse com a saída dos religiosos da missa que havia se encerrado. Neste momento, ele teria começado a empurrar aqueles que estavam na escadaria da igreja, o que fez os manifestantes começarem a gritar ‘racista’ para o padre, que teria respondido com um sinal de positivo com as mãos, o que motivou a ocupação do local em forma de protesto.

A Arquidiocese de Curitiba, por sua vez, afirma que a manifestação ocorria no mesmo horário da celebração da missa e que um religioso teria solicitado para que os manifestantes não tumultuassem o momento litúrgico. Segundo a arquidiocese, foi quando “lideranças do grupo instaram a comportamentos invasivos, desrespeitosos e grotescos”.

Bolsonaro e Ratinho Jr se manifestam sobre polêmica

O governador Ratinho Júnior (PSD) divulgou ontem um vídeo no qual criticou a invasão da Igreja Nossa Senhopra do Rosário. Segundo o político, a manifestação teria sido um “ato de barbaridade e ódio” sem precedentes. “Eu sempre defendi, e sou a favor de manifestações pacíficas. Todos têm o direito de se expressar livremente em um país democrático, como é o nosso. Mas o que não podemos admitir é que a intolerância, o ódio, a divisão de opiniões aconteçam em nosso estado”, afirmou o governador.

Outro que se manifestou sobre o episódio foi o presidente da República, Jair Bolsonaro. Na noite de segunda-feira, em seu Twitter, ele disse ter pedido aos ministérios da Justiça e Segurança e da Mulher, Família e Direitos Humanos para acompanhar o caso. “Pedi para acompanharem o caso, de modo a garantir que os responsáveis pela invasão respondam por seus atos e que práticas como essa não ganhem proporções maiores em nosso país”, afirmou o presidente, que ainda citou o artigo 208 do Código Penal para imputar um possível crime aos responsáveis pela invasão.