Calçadas ganham trecho em cimento para facilitar deslocamento, mas sem perder o charme do petit-pavê (Fotos: Valquir Aureliano)
CALÇADAS NA RUA KELLERS NO LARGO DA ORDEM

Em 19 de maio de 1972, uma sexta-feira, Curitiba iniciava uma revolução urbana. Naquele dia, uma das principais vias da cidade, a XV de Novembro, era transformada num calçadão exclusivo para pedestres, o primeiro do Brasil e que viria a se tornar um verdadeiro ícone da identidade curitibana. Mais de 50 anos depois, a capital paranaense agora reafirma a prioridade dada ao pedestre com o projeto Caminhar Melhor, que prevê a requalificação de calçadas na cidade.

A iniciativa, que integra o Programa de Mobilidade Urbana previsto no Plano de Governo da Prefeitura de Curitiba para a gestão 2021/2024, prevê investimentos na ordem de R$ 40 milhões, que contemplarão melhorias e novas estruturas cicloviárias e de calçadas com vistas à intermodalidade do transporte e para favorecer os deslocamentos não motorizados na cidade. O objetivo é fazer a cidade chegar a 150 quilômetros de estrutura cicloviária e 100 quilômetros de calçadas acessíveis, com a valorização do espaço público e a melhoria da paisagem urbana.

“Estamos investindo em calçadas e calçadões acessíveis e humanitários, em espaço de valorização das pessoas. É a mobilidade ativa, um estímulo para que o cidadão seja o protagonista do movimento, que se aproxime dos espaços urbanos e seja mais sustentável”, afirma o prefeito Rafael Greca, defendendo ainda que a mobilidade ativa é uma ativadora do espaço público, uma vez que, caminhando, as pessoas têm maior chance de ocupar esses locais.

As obras do Caminhar Melhor começaram no início deste ano, com as Major Heitor Guimarães (Campina do Siqueira), João Parolin (Prado Velho), Kellers (São Francisco), Dr. Goulin (Juvevê) e Francisco Alves Guimarães (Cristo Rei) ganhando novas calçadas e novas plantas para assegurar acessibilidade e conforto na movimentação de pedestres. Já a calçada na Rua Bley Zornig (Boqueirão) está em fase final de obras e segue em andamento as melhorias na Rua Eduardo Afonso Nadolny (CIC).

A expectativa agora é pela expansão do projeto, pensado pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc) e com obras coordenadas pela Secretaria Municipal de Obras Públicas. As obras nas calçadas da Rua Cândido Lopes e na continuidade a Rua Alameda Dr. Carlos de Carvalho (Centro) e na Avenida do Batel, incluindo os trechos denominados Benjamin Lins e Rua Gonçalves Dias, estão em fase de licitação. O mesmo acontece com as obras de acessibilidade nas calçadas da Rua Alameda Prudente de Moraes, no Centro com a revitalização da Praça dos Palhaços e da Rua Desembargador Cid Campelo, no CIC.

Na capital paranaense, inclusive, são diversos os exemplos de vias que estimulam a mobilidade urbana nos bairros e na região central. Além do Calçadão da XV, no Centro, há a Avenida República Argentina; a Rua Eduardo Sprada, no CIC; a Rua Voluntários da Pátria, revitalizada desde a Praça Osório até a Praça Rui Barbosa; e a Rua São Francisco, no Largo da Ordem.


A história do Calçadão da Rua XV
Curitiba foi a primeira cidade a transformar uma de suas principais ruas em um calçadão exclusivo para pedestres. Isso aconteceu em 19 de maio de 1972, às vésperas de um fim de semana, quando operários contratados pela Prefeitura, ao anoitecer, começaram a missão de transformar o local com a construção, em petit-pavê (mármore branco e diabásio preto), com a rosácea do artista Lange de Morretes, da Rua das Flores.

As obras, inicialmente previstas para durarem seis meses, tiveram de ser feitas em um único final de semana. É que a ideia de criar uma rua exclusiva para pedestres ia na contramão do panorama brasileiro, há muito tempo focado na criação de espaços para carros e na fluência do trânsito. E não foram poucas as reações contrárias ao inédito Calçadão

Prova disso é que, após o início das obras, opositores do projeto decidiram protestar agressivamente, avançando com seus carros sobre o calçadão recém-construído já na manhã de sábado, para tentar destruí-lo e fazer a administração municipal voltar atrás no seu intento. Mas uma ideia acabou salvando o projeto: quando a caravana de carro chegou ao local, lá encontrou centenas de crianças pintando e desenhando sobre folhas de papel espalhadas pelo chão. Eram alunos das escolas municipais numa atividade extraclasse, acompanhadas por professores e monitores.

Diante daquela cena, os motoristas acabaram se vendo obrigados a dar meia-volta com seus carros. E as crianças, sem saber, salvaram e ajudaram a perpetuar a Rua das Flores.

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O fim do petit-pavê?

Com as novas obras em andamento pela cidade e o foco na acessibilidade, muitos podem vir a se perguntar: estaríamos acompanhando o fim das pedrinhas petit-pavê. Afinal, o calçamento português, uma parte essencial do passado da cidade, começou a cair em desuso justamente a partir das discussões sobre condição de acesso a deficientes físicos, já que as pedrinhas são consideradas irregulares e lisas, o que dificultaria a passagem de cadeirantes, por exemplo.
Questionada sobre o assunto, a Prefeitura de Curitiba, através da Secretaria Municipal de Obras Públicas, explicou que os nos novos passeios estão sendo implantadas faixas acessíveis em concreto e mantidos os materiais existentes, seja petit-pavê ou lousinha, nas faixas de serviço sem que haja a descaracterização da calçada original. Além disso, há locais da cidade em que a paisagem urbana é tombada, como a Rua XV e o Centro Cívico, e nesses lugares não podem ser alteradas as configurações originais.
Ou seja, o petit-pavê uma construção simbólica da identidade paranaense, persiste.