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Agressões a pais e mães: situação cada vez mais corriqueira no Paraná (Marcos Santos/USP)

O ano de 2024 começou com um caso de “violência em família” no litoral do Paraná. Foi em Matinhos, às 1h50 da manhã do primeiro dia do ano, que a Polícia Militar (PMPR) atendeu uma ocorrência envolvendo um homem que agrediu e ameaçou os próprios pais e outras pessoas que estavam no local. Durante a confusão, agindo em legítima defesa, a mãe acabou dando uma facada na perna do filho após ele avançar contra o próprio pai.

Já no último sábado (6 de janeiro), em Apucarana, no norte do Paraná, mais uma situação parecida de violência. Neste caso, um homem embriagado teria chegado em casa agindo de forma agressiva, xingando a própria mãe e ameaçando agredir o próprio pai. Policiais militares estiveram no local e conversaram com a vítima, que relatou serem frequentes os comportamentos agressivos do filho. Ainda assim, ela não quis representar contra ele e afirmou que tudo não passaria de um mal-entendido.

Os dois recentes casos retratam uma situação que está se tornado cada vez mais mais corriqueira no Paraná. São os casos de agressão de filhos contra os pais, uma violência muitas vezes silenciosa, dada a dificuldade dos envolvidos em reportar a situação às autoridades ou procurar ajuda.

No Brasil, contudo, é possível estimar as ocorrências desse tipo de violência através do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde. O levantamento feito com exclusividade pelo Bem Paraná, então, considera os registros catalogados por profissionais em postos de saúde da rede pública. Essa notificação, inclusive, é compulsória. Ou seja: diante de uma suspeita de caso de violência doméstica, sexual e/ou outras violências envolvendo crianças, adolescentes, mulheres e idosos, o agente de saúde é obrigado a registrar oficialmente.

Ainda assim, especialistas (como o sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, criador do Mapa da Violência) estimam que a estatística oficial represente apenas 80% dos casos de violência física que levam os pais a procurar os serviços de saúde. Isso porque uma parcela dos casos acabam sendo atendidos na rede de saúde particular (onde o registro não é obrigatório) ou simplesmente não chegam ao conhecimento dos agentes de saúde.

Conforme o Sinan, ao longo de 10 anos, entre 2013 e 2022 (ano mais recente com dados disponíveis), o Brasil registrou 97.266 notificações de violência de filhos contra pais, com 13.931 registros apenas no último ano. Um número expressivo e que tem crescido, com alta de 142% na comparação de 2022 com 2013 (quando haviam sido notificados 5.767 casos desse tipo de violência).

No Paraná, entretanto, essa alta foi ainda mais expressiva. Em 2022, 1.476 casos de agressão de filhos contra os pais foram registrados no estado, o que representa um avanço de 167% diante dos 552 registros de 2013. O número aponta para um recorde na série histórica, iniciada em 2009, superando as 1.373 notificações de 2019 – nos dois anos seguintes (2020 e 2021) os números chegaram a cair, mas voltaram a subir de forma expressiva logo em seguida.

Além disso, no acumulado de 2013 a 2022, 10.223 casos de violência desse tipo foram notificados no estado, o equivalente a 10,5% dos registros em todo o Brasil. Entre as unidades da federação (estados + Distrito Federal), apenas São Paulo (23.576 registros) e Minas Gerais (14.487) tiveram mais notificações ao longo dos 10 anos analisados.

1.476
casos de agressão de filhos contra os pais
foram registrados no Paraná em 2022, o que representa um avanço de 167% diante dos 552 registros de 2013. O número aponta para um recorde na série histórica, iniciada em 2009

Sete de cada 10 casos têm a mãe como vítima
Os dados do Ministério da Saúde apontam ainda para a preponderância de uma questão de gênero nos casos de violência dos filhos contra os próprios pais. No Brasil, por exemplo, as mulheres são vítimas em 70,8% dos casos, enquanto os homens são os agredidos em apenas 29,2% das ocorrências. No Paraná, a proporção é parecida: as mães são as vítimas em 70,7% dos registros, enquanto os pais aparecem em 29,3% das notificações.

Há alguns anos, inclusive, um estudo feito pela União Europeia observou os casos de violência em dois países, os Estados Unidos e a Espanha. A realidade revelada foi assustadora: 10% das famílias sofrem com este tipo de violência, com preponderância para os registros de violência física, embora também haja incidência de violência psicológica ou moral e a negligência/abandono, não raro acompanhadas da violência física.

“(Muitos) pensam que acontece em famílias desestruturadas, com problemas econômicos, mas não é assim. Há muita variedade e (acontece em) muitas (famílias que) têm uma posição mais cômoda”, alertou, em entrevista à BBC Mundo, a psicóloga Esther Roperti.

Notificações de agressão de filhos contra os pais, ano a ano
Brasil

2022: 13.931
2021: 11.287
2020: 9.995
2019: 11.977
2018: 11.124
2017: 10.472
2016: 9.077
2015: 7.396
2014: 6.240
2013: 5.767
Total: 97.266
Paraná
2022: 1.476
2021: 1.160
2020: 1.215
2019: 1.373
2018: 1.202
2017: 998
2016: 799
2015: 752
2014: 696
2013: 552
Total: 10.223

Fonte: Ministério da Saúde/SVS – Sistema de Informação de Agravos de Notificação – Sinan Net