Vista geral do Centro de Curitiba: vários aspectos influenciam, como a especulação e a crise econômica (Valquir Aureliano)

A cada 100 domicílios particulares no Paraná, onze estão vagos. É o que revelam dados publicados na última semana pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os quais fazem parte dos primeiros resultados do Censo Demográfico de 2022.

Ao todo, o IBGE contou 541 mil casas e apartamentos vazios, o equivalente a 10,8% dos 5 milhões de domicílios particulares no estado. Na comparação com o Censo anterior, houve aumento tanto no número absoluto como na proporção de domicílios vagos: em 2010, eram 290 mil casas e apartamentos vazios, o equivalente a 7,7% dos 3,75 milhões de domicílios particulares no Paraná.

Segundo o gerente técnico do Censo, Luciano Duarte, o IBGE considera domicílios vagos aqueles em que não há ninguém morando. Ou seja, no momento em que o recenseador vai até o local, obtém a informação segura de que não existe morador ali (por exemplo, porque o imóvel está para alugar ou a venda).

Entre todas as unidades da federação, o Paraná apresenta a 3ª menor proporção de domicílios vagos, atrás apenas de Santa Catarina (8,8%) e Roraima (9,2%) e consideravelmente abaixo da média nacional (12,6%).

Entre os municípios paranaenses, no entanto, a situação varia bastante conforme a localidade.

Na Região Metropolitana de Curitiba (RMC), por exemplo, há 162 mil domicílios vagos, o equivalente a 10,6% do total de domicílios particulares. Só em Curitiba foram anotadas 83 mil casas e apartamentos vazios (10,5% do total), mas a proporção entre os municípios metropolitanos varia de 5,2% (em Rio Branco do Sul) a 19,3% (em Doutor Ulysses).

No Paraná, há localidades em que essas diferenças são ainda mais gritantes. Santo Antônio do Sudoeste, por exemplo, é o município paranaense com menor proporção de domicílios vagos (0,08%, ou apenas sete dos 8.422 domicílios particulares). Por outro lado, os municípios de Paranacity e Prado Ferreira apresentam os maiores porcentuais de casas e apartamentos vazios (22,1% e 21,6%, respectivamente).


Desigualdade, empobrecimento da população e especulação imobiliária explicam cenário

Mas o que pode explicar, afinal, esse crescimento tão expressivo no número de domicílios vagos, fenômeno que afetou mesmo em cidades onde as populações cresceram nos 12 anos que separam os dois Censos?

Para Rodrigo Alvarenga, professor do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Políticas Públicas (PPGDH) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), são dois os principais fatores: o empobrecimento da população e a crescente desigualdade social.

“A explicação mais lógica é do empobrecimento populacional. Passamos por alguns anos de pandemia, em que a desigualdade social ampliou. E é interessante que aumentaram o número de imóveis vagos ao mesmo tempo em que cresceu exponencialmente a população em situação de rua. A dificuldade de pagar uma moradia está relacionada a esse perfil da população em situação de rua mais recente, uma coisa está diretamente ligada a outra”, afirma o pesquisador, ressaltando ainda que não é possível se falar do empobrecimento da população sem lembrar também da desigualdade social, com a concentração de riqueza cada vez maior entre um grupo de pessoas cada vez menor.

“A gente vive sob a lógica do direito à moradia, à propriedade, mas esse direito virou um privilégio. Então fica difícil resolver, do ponto de vista mais concreto, social e político, um problema que tem a ver com uma concepção de sociedade”, aponta ele.

Madianita Nunes da Silva, por sua vez, destaca ainda o papel da especulação imobiliária no crescimento do número de domicílios vagos no Paraná. Isso porque, nas grandes metrópoles, o mercado imobiliário passou por um processo de financeirização e não foram implementadas políticas urbanas capazes de controlar os processos especulativos, ligados ao acesso à terra urbanizada. E aí dois mundos entram em colisão, porque enquanto para a maioria das pessoas o importante é o valor de uso das moradias, para o mercado imobiliário o que interessa é o valor de troca desses imóveis.

“Só que hoje esse valor [de troca] está ligado a interesses do próprio mercado imobiliário financeirizado, porque os imóveis, os ‘bancos de terra’, passam a ser ativos importantes, o que faz com que cada vez menos as unidades habitacionais tenham a necessidade de serem efetivamente utilizadas. Área construída, potencial construtivo e quantidade de metros quadrados passam a ser um ativo para o mercado financeiro, que dá outros tipos de destinação aos empreendimentos. Pouco interessa que sejam ocupados ou não e isso tudo representa uma piora ainda maior na possibilidade de acesso da população a uma moradia bem localizada”, explica a professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que é também integrante do Núcleo Curitiba do Observatório das Metrópoles,.

Ainda segundo a pesquisadora, em bairros curitibanos como o Rebouças e o Bigorrilho esses processos especulativos são visíveis, com grandes porções de terra sendo retidas por particulares para fins de valorização e especulação. “E sem uma política urbana para controlar esse tipo de processo, cada vez mais vai ter dificuldade da classe trabalhadora em geral – não só as pessoas de baixa renda – acessar algumas localizações em Curitiba que estão sendo loteadas, apropriadas por esses grandes investidores, num processo relacionado à dinâmica de financeirização do mercado imobiliário”, reforça a especialista,

“Se não desenhamos políticas urbanas que controlem os processos especulativos, de nada adianta fazer política habitacional. Se não controla a especulação imobiliária, ao construir novos conjuntos habitacionais você valoriza aquela área. Isso aconteceu no Minha Casa Minha Vida: a cidade, a urbanização chega naquele lugar, mas não tem controle da valorização imobiliária, daí aumenta o preço [dos imóveis naquela região] e aí quem precisa morar ali não consegue mais.”

Madianita Nunes da Silva, professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFPR


Número de casas vazias supera estimativa de déficit habitacional

A quantidade de casas vazias no Paraná é duas vezes maior que o déficit habitacional. Dados da Fundação João Pinheiro mostram que, em 2019 (último ano com dados disponíveis), o déficit habitacional era de 251 mil domicílios no estado, sendo que 85 mil dessas moradias (34% do total do déficit habitacional no estado) eram demandadas por pessoas que vivem na Grande Curitiba.

“O déficit habitacional no Brasil não é e nunca foi falta de domicílios. Não é por falta de casas construídas que o déficit existe. Na verdade, é pela falta de domicílios acessíveis para a população mais empobrecida, que ganha até três salários mínimos”, pontua a professora Madianita Nunes da Silva, ressaltando a necessidade de se pensar em políticas habitacionais voltadas justamente para esse grupo (pessoas que ganham até três salários mínimos).

Importante pontuar, no entanto, que os domicílios vagos talvez não resolvessem totalmente o déficit habitacional. Isso porque o problema não é só a falta de moradias, mas também a qualidade delas, tanto que o cálculo do déficit habitacional considera não apenas a falta de habitações, mas também a existência de habitações em condições inadequadas, seja por conta de problemas de infraestrutura (como inadequações no abastecimento de água, no esgotamento sanitário, no acesso à energia elétrica e à coleta de lixo) ou pelo ônus excessivo com aluguel. Dessa forma, há também a necessidade de se repensar a concepção das políticas de habitação de interesse social no país.

“Temos de começar a pensar em políticas, primeiro, que enfrentem a questão da precariedade habitacional. Urbanização de assentamentos precários é uma política fundamental nas cidades brasileiras, e aí estou falando de urbanização, não é somente regularização ou titulação: é dar qualidade urbana para esses assentamentos populares, que as vezes são assentamentos que há décadas estão ali e você nem observa mais que são assentamentos, mas tem grau de precariedade na infraestrutura de saneamento ou nas próprias habitações”, comenta ainda a professora da UFPR, citando que a nova lei do Minha Casa Minha Vida propõe algumas dessas dimensões, como a urbanização de favelas, o financiamento para política de locação social e o financiamento de reformas.

“Vamos ter uma retomada da política habitacional, que foi desmontada nos últimos 4 anos. Mas ela é executada pelos municípios, e como eles vão executar essas políticas, o que vão fazer com esses recursos? Alguns municípios tem estrutura muito organizada, como Belo Horizonte, Recife, São Paulo… Em Curitiba, não temos. É uma política muito conservadora, que nunca avançou além da produção de conjuntos habitacionais. Não temos políticas inovadoras em Curitiba na habitação de interesse social. Então os recursos federais são importantes para fazer uma política de enfrentamento do déficit habitacional, mas o que os municípios vão fazer e como vão usar esses recursos é o que vai definir se vamos ver esse cenário melhorar. Mas se não desenhamos políticas urbanas que controlem os processos especulativos, de nada adianta fazer política habitacional”, finaliza Madianita.