Pesquisas científicas inovadoras promovem inclusão de pessoas com deficiência

Tecnologia Assistiva cria soluções para autonomia e acessibilidade

Mauren Luc, especial para o Bem Paraná
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Pesquisadores do Engenhar-Mec, da UFPR, com produtos criados com tecnologia assistiva, doados para população (Franklin de Freitas)

A lei brasileira de inclusão prevê, desde 2015, o uso de tecnologia assistiva para auxiliar pessoas com deficiência ou redução de mobilidade. São produtos, equipamentos e serviços para melhorar a acessibilidade, a autonomia e a inclusão social. No Paraná, cientistas desenvolvem trabalhos inovadores neste campo e reúnem-se em um Novo Arranjo de Pesquisa e Inovação (Napi). Os projetos envolvem universidades e ganham investimento do governo do Estado.

Com a tecnologia assistiva mais pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) recebem próteses de face adaptadas, encerrando processos dolorosos de exclusão social, como viveu a consultora política Léo Dias, de 51 anos, que teve câncer de nasofaringe, com retirada de nariz e palato. “As pessoas paravam para tirar foto de meu rosto mutilado, baixavam o vidro do carro pra filmar e tiravam sarro. Eu me isolei, fiquei três anos no quarto”, fala.

Depois de viajar a vários estados em busca de tratamento, foi no Hospital de Reabilitação do Paraná que ela encontrou ajuda, nas mãos da cirurgiã-dentista Roberta Zanicotti e sua equipe. “Quando a prótese chegou, foi o dia mais feliz da minha vida. Eu pude sair de novo na rua, as pessoas não me perseguiam mais.”

No hospital, pesquisadores utilizam a Tecnologia Assistiva para fazer próteses de nariz, orelha, olhos, céu da boca e mandíbula. “Atendemos pacientes mutilados faciais por câncer, trauma ou doenças congênitas, e a tecnologia assistiva tem otimizado a confecção das próteses por meio da impressão dos protótipos, planejamento e impressão dos moldes”, explica Roberta, pós-doutora em odontologia.

O serviço, criado em 2020, integra o Napi de Tecnologia Assistiva, já beneficiou mais de 100 pacientes do SUS e “tem ajudado com apoio financeiro para pesquisa, bolsas de mestrado, aquisição de insumos e equipamentos”, diz ela.

As peças são produzidas a partir de modelos impressos com tecnologia 3D, produzidos por pesquisadores da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), envolvendo os cursos de Engenharia Mecânica, Mecatrônica, Odontologia, Fisioterapia e Design.

“Recebemos a tomografia do paciente e a partir dela geramos o molde 3D da face. A tecnologia reduz o tempo de confecção da prótese pela dentista e permite melhor adaptação das peças, já que cada anatomia é única”, destaca o coordenador do projeto, José Foggiatto, doutor em Engenharia Mecânica.

Pesquisadores da UTFPR com molde de face impresso em tecnologia 3D (Foto: UTFPR)

Quem também recebe as próteses são pacientes oncológicos do Hospital Angelina Caron, onde 40 delas já foram produzidas pela equipe da cirurgiã-dentista Karin Barczyszyn. Ela diz que a tecnologia 3D elimina os moldes em gesso e a modelagem manual. “Facilita muito, e conseguimos atender mais pacientes. Isso melhorou demais a qualidade de vida deles.”

O pedreiro Rogenir Stelle, 61 anos, foi um dos que ganharam a prótese, após perder um olho num acidente de trabalho. “Agora posso me reunir com a família, ir na igreja, sair pra passear, A prótese faz toda diferença na vida de quem perdeu um órgão”, observa ele.

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) mostrou, em 2022, que 18,6 milhões de brasileiros possuem algum tipo de deficiência, o que corresponde a 8,9% da população. No Paraná, são 373 mil, segundo dados do Cadastro Único.

Rosane Matoso, paciente Léo Ribas, Roberta S. Zanicotti e Camila Paloma, equipe do Hospital de Reabilitação do PR que produz as próteses faciais (Rui Santos)

Engenhar-Mec

Outro trabalho paranaense de destaque na tecnologia assistiva é o Engenhar-MEC, projeto de extensão de alunos de Engenharia Mecânica, Elétrica, Civil e Terapia Ocupacional da Universidade Federal do Paraná (UFPR). O coordenador, Sérgio Lajarin, doutor em Engenharia Mecânica, conta que são desenvolvidas soluções para demandas de saúde de hospitais e organizações não governamentais.

Entre elas: órteses e próteses, coletes torácicos, suportes de cabeça, talas de posicionamento, adaptadores, dispositivos para fisioterapia, equipamentos de proteção individual e produtos de aplicação veterinária, como próteses para cães. “Eventualmente fazemos modelos anatômicos em 3D para planejamentos cirúrgicos em casos complexos”, enfatiza.

O projeto também se destacou durante a pandemia, pela fabricação de milhares de protetores faciais, adaptações para respiradores e caixas de intubação. Tudo que é produzido é doado, com apoio da empresa Slim 3D, de ex-alunos da UFPR.

Foi por meio desta parceria que a jovem Hannah Pertile, de 17 anos, conseguiu sua órtese de mãos. Por causa de uma paralisia cerebral, ela não conseguia mexer a mão direita. “Com o uso da órtese a mãozinha dela ficou mais funcional, foi surpreendente, porque essa mão era totalmente negligenciada, e hoje usa para alcance e principalmente para o toque, para chamar atenção quando não estamos olhando”, conta a mãe, Kátia Pertile.

O serviço também beneficia o Instituto Aliança contra Hanseníase, que recebe dispositivos de tecnologia assistiva não existentes no mercado, como o chaveiro-imã, que ajuda na captação de objetos. “A parceria com a academia subsidia cientificamente os dispositivos implantados na ação TECHansen, além de viabilizar estudos para otimizar produção e custos de insumos, destinados às pessoas acometidas pela doença, de forma totalmente gratuita”, fala a gerente-geral do instituto, Nicole Morihama.

Modelos de nariz impressos em 3D, usados para confecção das próteses. (Foto: UTFPR)

Napi/TA

O Novo Arranjo de Pesquisa e Inovação em Tecnologia Assistiva (Napi/TA), criado em junho de 2023, tem foco na acessibilidade, inclusão e apoio a pesquisas de inovação científica. “Também engloba programas de capacitação, com treinamentos a profissionais de saúde, educadores e técnicos para assegurar a eficiência das soluções implementadas, além de disseminar o conhecimento neste campo científico”, reforça Aldo Bona, secretário estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação.

Levantamento de dados sobre, e para, políticas públicas, já acontece em Curitiba, com a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência. “A parceria com o Napi/TA fomenta o desenvolvimento e a inovação colaborativa, com ampliação do acesso de forma assertiva, em tempo oportuno, com qualidade e segurança à tecnologia assistiva para pessoas com deficiência”, define a secretária municipal da Saúde de Curitiba, Beatriz Battistella.

A coordenadora do Napi/TA, Maria Lucia Okimoto, doutora em Engenharia da Produção e professora da UFPR, destaca a integração entre instituições e cursos. “Atuamos em vários leques, buscando desenvolvimento de tecnologia para reprodução. Trabalhamos tanto na gestão do processo quanto no desenvolvimento da tecnologia assistiva, com equipes multidisciplinares em cada universidade.”

Em 2023, o governo do Paraná, por meio da Fundação Araucária, anunciou investimentos de R$ 5 milhões em projetos de pesquisa para tecnologia assistiva num prazo de quatro anos. “Buscamos atender às políticas públicas de inclusão e saúde, ligadas ao desenvolvimento sustentável e também a novos negócios”, afirma Luiz Spinosa, diretor de Ciência, Tecnologia e Inovação da Fundação Araucária. Ele lembra que as tecnologias assistivas têm potencial para se transformar em novas empresas, gerando renda e emprego, numa “cadeia de geração de riquezas e qualidade de vida”.

O governo estadual conta com a colaboração dos engenheiros do Laboratório de Ergonomia e Usabilidade da UFPR também no projeto de cadeiras especiais para banhos de mar, que na última temporada beneficiou 700 pessoas com deficiência no litoral paranaense.

Cadeira aquática permite banhos de mar a pessoas com deficiência (Foto: Sedef/PR)

“A equipe verificou itens de mobilidade, conforto e segurança, que pudessem ser melhorados, como suporte para cabeça, comodidade nos assentos e coletes salva vidas. No final da temporada de 2024, outras avaliações foram feitas e também serão realizadas mudanças”, afirma Rogério Carboni, secretário estadual de Desenvolvimento Social e Família. “A parceria com o Napi/TA, é fundamental para o fortalecimento das políticas públicas de atendimento às pessoas com deficiência”, conclui.